segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

22.



Dos antídotos do tempo



Dos amores de Aristeu, Alice foi o que mais lhe trouxe dores, aflições e uma somatória enorme de noites mal dormidas. É que nada dói tanto quanto um amor não correspondido. Aos olhos apaixonados de Aristeu, ela era a pessoa mais linda e perfeita deste Mundo, e dos outros mundos também. Agraciada pela natureza, Alice tinha longos, louros e ondulados cabelos, e um rosto angelical que, certamente, provocaria a inveja de Penélope, ou de Helena, ou de qualquer outra dessas beldades que aparecem nas histórias antigas. Ao menos era o que Aristeu acreditava, de tão apaixonado que estava. O sorriso de Alice, a um tempo, era plácido como o de um anjo, e sensual, doce e quente, como de uma meretriz.
“Ela sorri para mim, Patativa”, contava, embasbacado, “e eu me desmancho todo.” 
Mas, como em tantos e tantos casos, a figura de Aristeu não causava à sua amada o mesmo impacto que a dela, nele. E tanto que, tempos depois, e depois da desilusão de havê-la perdido, Aristeu fez de tudo para encontrar nos braços de Carmem aquilo que não havia conseguido com Alice. Linda, esperta e engraçada, Carmem soube administrar os conturbados sentimentos de Aristeu, deixando-o cada vez mais apaixonado e dependente: da sua atenção, dos seus beijos, dos seus abraços, do seu sexo. Mas – Ah!, há sempre um “mas...” – Carmem, por forças da situação, teve de mudar para Campinas, com os pais. Nova dor; novo sofrimento. Alice, tempos mais tarde, casou-se com Mauro, “um sujeito gordo e mal educado”, conforme os juízos do amargurado Aristeu.
Distante de Carmem e do poder entorpecedor da sua prodigiosa sedução, Aristeu voltou a pensar e sofrer por Alice, a quem via esporadicamente, aos acasos da sorte, ou do azar, quando era ou havia de ser, por aí. Sua moral, porém, dizia-lhe, torturando-o, recriminando-o: “Fique na sua, idiota! Ela agora é uma mulher casada.
Uma paixão mal resolvida é, conforme a vasta literatura romântica, uma cicatriz permanentemente aberta, seja no corpo ou na alma. Um grande amor nunca parte sem deixar estragos, e nunca retorna sem causá-los.
Aristeu somente conseguiria a cura para tal doença depois de muito tempo; quando, por causa do seu ofício, teve de ir morar em Recife, onde conheceu Marília, com quem casou e teve dois filhos.
Sete anos se passaram até que ele, de volta a João Pessoa, desejou rever Alice, paixão antiga. “Somente para saber como ela andava, e pelos velhos tempos”, pensava. Não foi difícil localizá-la. Marcaram um café, uma conversa. Encontraram-se na casa dela mesmo, já que nada os impedia; nada. E qual não foi sua surpresa ao ver como a “sua Alice”, outrora tão linda e tão perfeita, estava assim, agora, irreconhecível: gorda, muito gorda; feia, velha, um bucho intragável. A vida, sem sombra de dúvida, lhe havia maltratado, e maltratado muito.
No pequenino diálogo que tiveram, como têm os bons amigos que se reencontram depois de muito tempo, Alice lhe dizia a todo instante, como a desafiar o seu humor: “Nossa, Aristeu! Você não mudou nada, menino; nadinha!” Ele, sem poder dizer o mesmo, somente pensava, agradecido: “Meu Deus! Meu bom Deus!, do que foi que me livrastes!”
No amor, repare só que coisa estranha: quem perde, quase sempre ganha; como dizem Edu Lobo e Cacaso, na letra de “Lero-lero”, no disco “Camaleão”, gravado em 1978. 

* * * * *

Moral da história: o tempo tem o curioso poder de cicatrizar feridas, desfazendo as ilusões de um amor que se pensou eterno. No final, em sua velha casa, habitam os fantasmas e os retalhos rotos que não podem ser costurados na arqueologia sentimental do novo, que se impõe.
Moral da história (2): o amor romântico sonha com eternidades. A vida real, sem máscaras, oferece apenas momentos, o agora-mesmo, e a certeza dos retalhos que sobrarão.


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