22.
Dos antídotos do tempo
Dos amores de Aristeu, Alice foi o que mais lhe trouxe dores, aflições e uma somatória enorme de noites mal dormidas. É que nada dói tanto quanto um amor não correspondido. Aos olhos apaixonados de Aristeu, ela era a pessoa mais linda e perfeita deste Mundo, e dos outros mundos também. Agraciada pela natureza, Alice tinha longos, louros e ondulados cabelos , e um rosto angelical que, certamente, provocaria a inveja de Penélope, ou de Helena, ou de qualquer outra dessas beldades que aparecem nas histórias antigas. Ao menos era o que Aristeu acreditava, de tão apaixonado que estava. O sorriso de Alice, a um só tempo , era plácido como o de um anjo, e sensual, doce e quente, como de uma meretriz .
“Ela sorri para mim, Patativa”, contava, embasbacado, “e eu me desmancho todo. ”
Distante de Carmem e do poder entorpecedor da sua prodigiosa sedução , Aristeu voltou a pensar e sofrer por Alice, a quem via esporadicamente, aos acasos da sorte, ou do azar, quando era ou havia de ser, por aí. Sua moral, porém, dizia-lhe, torturando-o, recriminando-o: “Fique na sua , idiota! Ela agora é uma mulher casada. ”
Uma paixão mal resolvida é, conforme a vasta literatura romântica, uma cicatriz permanentemente aberta, seja no corpo ou na alma . Um grande amor nunca parte sem deixar estragos, e nunca retorna sem causá-los.
Aristeu somente conseguiria a cura para tal doença depois de muito tempo; quando, por causa do seu ofício, teve de ir morar em Recife, onde conheceu Marília, com quem casou e teve dois filhos .
Sete anos se passaram até que ele, de volta a João Pessoa , desejou rever Alice, paixão antiga. “Somente para saber como ela andava, e pelos velhos tempos ”, pensava. Não foi difícil localizá-la. Marcaram um café, uma conversa. Encontraram-se na casa dela mesmo, já que nada os impedia; nada. E qual não foi sua surpresa ao ver como a “sua Alice”, outrora tão linda e tão perfeita, estava assim, agora, irreconhecível: gorda , muito gorda; feia , velha, um bucho intragável. A vida, sem sombra de dúvida , lhe havia maltratado, e maltratado muito .
No pequenino diálogo que tiveram, como têm os bons amigos que se reencontram depois de muito tempo , Alice lhe dizia a todo instante, como a desafiar o seu humor: “Nossa, Aristeu! Você não mudou nada, menino; nadinha!” Ele, sem poder dizer o mesmo , somente pensava, agradecido: “Meu Deus ! Meu bom Deus!, do que foi que me livrastes!”
No amor, repare só que coisa estranha: quem perde, quase sempre ganha; como dizem Edu Lobo e Cacaso, na letra de “Lero-lero”, no disco “Camaleão”, gravado em 1978.
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Moral da história: o tempo tem o curioso poder de cicatrizar feridas , desfazendo as ilusões de um amor que se pensou eterno . No final , em sua velha casa, habitam os fantasmas e os retalhos rotos que não podem ser costurados na arqueologia sentimental do novo, que se impõe.
Moral da história (2): o amor romântico sonha com eternidades . A vida real , sem máscaras , oferece apenas momentos , o agora-mesmo, e a certeza dos retalhos que sobrarão.