segunda-feira, 16 de agosto de 2010

5.

“O bebê que toma o peito, você tira o peito, ele chora, está infeliz. Você lhe devolve o peito, ele se acalma. Há anos uns e outros buscaram nosso peito. Queríamos um ‘bom objeto’, como dizem os psicanalistas, que pudéssemos possuir, que nos saciasse, que fizesse que nada nos faltasse... Que azar: somos desmamados, essa história acabou, ponto final” 15. São palavras de Comte-Sponville, que fazem eco às de Schopenhauer. Por que os seios exercem tanto fascínio sobre os homens? Porque eles procuram, na parceira, aquilo que já não podem ter em suas mães. Desejam que o mundo inteiro seja colo. E com as mulheres ocorre o mesmo, em relação à segurança que desejam, no peito do macho, acolhedor.

Não é somente a beleza que buscamos – ela é somente o atrativo, a propaganda –, mas a vida. Como na Afrodite, farta de seios, tem-se a imagem da fertilidade, da abundância látea que, nos dias de maior dependência, garantem a vida ao infante, assim também os seios, no instinto primitivo adormecido, domado. Acima do desejo estético-erótico está o desejo de segurança, da saciabilidade daquela fome primitiva. Aquilo que ocorre com o bebê, ocorre também conosco: não ter um peito deixa-nos infeliz... é a tristeza. Quando o peito não nos falta, a vida está assegurada... somente o tédio, agora, nos assedia. Antes de Schopenhauer, porém, Lucrécio afirmara que “giramos sempre no mesmo círculo sem nunca poder sair... Enquanto o objeto de nossos desejos permanece distante, ele nos parece superior a todo o resto; se ele é nosso, passamos a desejar outra coisa, e a mesma sede da vida nos mantém em permanente tensão... 16” É com o mesmo sentido que Schopenhauer dirá: “Una vez satisfecha su pasión, todo amante experimenta um especial desegaño: se asombra de que el objeto de tantos deseos apasionados no le propocione más que un placer efímero, seguido de um rápido desencanto” 17.



Enquanto o objeto de nossos desejos permanece distante, ele nos parece superior a todo o resto. Flyer para a exibição de Post coitum (omne animal triste). Exhibition open: 12 to 7 PM everyday between 26 Jan – 8 Feb. Location: MHT 2F Gallery (Marie Helene de Taillac Bldg 2F in Aoyama). In this exhibition seven artists visualize their perception on sexuality from the post-sex perspective where sex is apparently no longer any taboo to reveal. The exhibition does not address the act in itself, but rather its dramatical aftermath.


Post coitum, animal triste. É aquela mesma imagem do pêndulo que representa a vida sempre oscilando, da direita para a esquerda, do sofrimento ao tédio.

Continua...

NOTAS:

15 CONTE-SPONVILLE, p. 114-5. Nas palavras de Schopenhauer: “Imagínese que el instinto tiene poco imperio sobre el ombre, o por lo menos que no se manifesta nada más que en el recién nacido, que trata de coger la teta de su madre. Pero en realidad, hay un instinto muy determinado, muy manifesto, y sobre todo muy complejo, que nos guía en la elección tan fina, tan seria, tan particular de la persona a quien a quien se ama, y la posesión de la cual se apetece” (SCHOPENHAUER, 1993, p. 52).

16 LUCRÉCIO, De rerum natura, III, v. 1082-4, Apud SCHOPENHAUER, Arthur. A arte se ser feliz. Trad. de Marion Fleischer e Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 38. Máxima 5. (Col. Breves Encontros).

17 SCHOPENHAUER, 1993, p. 47.

domingo, 15 de agosto de 2010

Do desejo e da falta

1.

Diferentemente do conceito de “Ser”, em Heidegger, o amor não é uma coisa indefinível. Aliás, por tanto ser, nós, carentes de absolutos, absolutivizamos o que é tão natural, físico, biológico. Absolutivizamos porque desejamos que aquilo que amamos seja eterno. E o amor é um desejo de felicidade, de eterna felicidade, como afirma Nietzsche por boca de Zaratustra 11. Ora, somente desejamos – algo que fica sempre adiante de nós, como perspectiva – o que ainda não temos. Assim, o desejo vem antes da felicidade; que é aquilo que, através do amor, por exemplo, pensamos poder conseguir, reter. Mas, como continuar desejando o que já se tem?

O ter o que se queria (e não o que se quer) está, no presente, como não-desejo, pois é o já realizado; não mais “existindo”, portanto, como “não-existente”, adiante de nós, perspectiva. Como o querer o que se tem – o não-desejo – pode ser querer real, desejo no não-desejo? Longe do infame joguete de palavras, parece que a resposta repousa num sempre-querer, querer do que se já tem e, por isso mesmo, nada mais querer, nada mais desejar, nada mais esperar... uma completa desesperança. O “querer algo” nunca é, realmente, “querer algo”, mas querer-si-mesmo 12.

2.

O sentido de ainda-querer, aqui, liga-se a uma permanência própria da querença na não-querença, a Vontade – que é a um só tempo, eterno retorno do mesmo. O desejo amoroso, ou o querer amar é, assim, o desejo de uma felicidade eterna. Desejo, todavia, é falta, é querença, é não ter o que se quer, e é, por fim, nas palavras de Schopenhauer, a infelicidade (ou o sofrimento) de, tendo-o, um tédio resultante do não querer o que se tem. É assim que André Comte-Sponville, interpretando essa máxima de Schopenhauer, diz: “Ora amamos quem não temos, e sofremos com essa falta: é o que se chama de um tormento amoroso; ora temos quem não nos falta e nos entediamos: é o que chamamos um casal. E é raro que isso baste à felicidade. É o que Schopenhauer, como discípulo genial de Platão, resumirá bem mais tarde, no século XIX, numa frase que costumo dizer que é a mais triste da historiada filosofia [A vida oscila pois, como um pêndulo, da direita para a esquerda, do sofrimento ao tédio]. Quando desejo o que não tenho, é a falta, a frustração, o que Schopenhauer chama de sofrimento. E quando o desejo é satisfeito? não é sofrimento, uma vez que nãodesejo. É o que Schopenhauer chama de tédio, que é a ausência da felicidade no lugar mesmo da sua presença esperada. [...] Sofrimento porque eu desejo o que não tenho e porque sofro com essa falta; tédio porque tenho o que, por conseguinte, não desejo” 13.

3.

O amor nasce do desejo de felicidade. Mas o desejo, embora potência, é falta, e a falta é sofrimento. É sofrimento porque não é nem sublime, nem alcançável – pois escapa sempre, como um gozo que momentaneamente se tem, mas que não pode ser retido, carecendo sempre de um outro, e de um outro sempre por vir. Mas esse amor, desejo de amar, não é mais que um engodo da vontade de permanência – o instinto primitivo sublimado. “É uma ilusão de voluptuosidade que faz cintilar aos olhos do homem a imagem enganadora de uma felicidade soberana nos braços da formosura que a seu ver nenhuma outra criatura humana se igualha; outra ilusão ainda, quando imagina que a posse de um único ente no mundo lhe assegura uma felicidade sem medida e sem limites” 14.

4.

A paixão que “se tem pelo Outro” – nenhuma paixão é pelo Outro, realmente –, por esse viés, revela-se como com-paixão de si-mesmo, porque também o Outro é instrumento da Vontade; e daí decorre a idéia que temos de justiça: fazendo-a ao Outro, a nós mesmos fazemos. Todo amor é compaixão, e o Outro é seu/nosso instrumento. A Vontade apresenta-se desde cedo no instinto de sobrevivência; mas, nos seres humanos, diferentemente dos animais, vai além – porque eles podem pensá-la.


NOTAS:

11 “A dor diz: ‘Passa, momento!’ / Mas quer todo o prazer eternidade – / Quer profunda, profunda eternidade!”. NIETZSCHE, Friedrich W. Assim falou Zaratustra: um livro para todos e para ninguém. Trad. de Mário da Silva. São Paulo: Círculo do Livro, 1986. p. 325.

12 Cf. SCHOPENHAUER, 1993, p. 439-60. (IV, § 62).

13 COMTE-SPONVILLE, André. A felicidade, desesperadamente. Trad. de Eduardo Bradão. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 35. A citação de Schopenhauer, utilizada por Conmte-Sponville, encontra-se em SCHOPENHAUER, 1951, p. 23: “A vida do homem oscila, como uma pêndula, entre a dor e o tédio, tais são na realidade os seus dois últimos elementos. Os homens tiveram que exprimir esta idéia de um modo singular; depois de haverem feito do inferno o lugar de todos os tormentos e de todos os sofrimentos, que ficou para o céu? Justamente o aborrecimento”.

14 SCHOPENHAUER, Arthur. El amor, las mujeres e otros ensayos. Trad. de Miguel Urquiola. Madrid: Editorial EDAF, S. A., 1993. p. 54.

Continua...

terça-feira, 10 de agosto de 2010

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...