16.
Do modo com que se trata o amado, a amada
Na crônica “Análises ”, no livro Filandras (Record, 2002), Adélia Prado conta a história de Diolinda, “por quem João Jeremias foi a vida inteira apaixonado”. Ah!, e quem não sabe? No papel, tudo cabe; ou, como no provérbio português: “Papel aceita tudo.” Devidamente reafirmado por outro, popular entre os ingleses: “A mocidade e a folha de papel em branco guardam qualquer impressão. ” A verdade, porém, pode andar bem longe, e de modo dissimulado.
“João Jeremias foi a vida inteira apaixonado [por Diolinda]?” Não foi, não! Realizada a paixão , Jeremias não sabia como tratar a mulher que , desde cedo , soube se impor sobre a situação conjugal, assumindo uma posição antes ignorada por ele. Sabedora do amor de Jeremias, e da sua frouxidão , Diolinda se aproveitava: tudo era chato , tudo era feio , tudo era ruim; tudo o que ele fazia, com a mais cândida e melhor das intenções era, para ela, nada.
Uma vez , quando Jeremias, atendendo ao desejo da mulher – que disse preferir que ele a chamasse de Nair, Maria Nair –, chamou-a de Nairinha, assim, no carinho diminutivozinho, não deu certo : Diolinda “ficou enfurecida, pondo em ridículo a paixão dele, que se recolheu a nunca mais ousou...”
“Mulher , mansa ou brava , quer marido firme . Marido tem que proibir alguma coisa , nem que seja do tipo : ‘quero minha correia dependurada neste prego e ninguém me tire ela daqui’. Porque senão as mulheres ficam muito infelizes e começam a ter maus pensamentos de querer ficar viúvas, de sumir no mundo , de dar os filhos pra avó criar , essas coisas . Natureza de mulher é de obedecer , de admirar , de servir , natureza de formiga , de abelha operária e gata no borralho , senão , meu Deus , não sobra espaço pra ela virar Cinderela”. Palavras da Adélia.