terça-feira, 30 de novembro de 2010

11.


Do Vazio e do discurso do Vazio


“O discurso perfeito é inexprimível, a ação perfeita é inação, o saber do sábio é superficial”, dito por um corcunda a Confúcio, conforme narrado por Liezi no Tratado do vazio perfeito. O taoísmo em sua origem é fascinante! Quem faz dele uma religião ou lhe dá propriedades mágico-metafísicas é que lhe estraga, expondo-o, “traduzindo-o” ou, melhor, traindo-o – como também outros fazem ao budismo, ao cristianismo, et cetera. Tradição → tradução → traição. As religiões têm esse poder: destruir a beleza do poético com o discurso das ações – afinal, o que é o discurso que prega a inação (como no caso acima) senão uma ação? – ou de uma suposta objetividade hermenêutica. O Tao, o perfeito Tao, não pode jamais ser dito – uma das primeiras lições do/no Tao Te Ching (ou “O Livro do Caminho e da sua Virtude”), no capítulo 1: “O Tao de que se pode falar não é o verdadeiro e eterno Tao. / O nome que pode ser dito não é o verdadeiro nome. / O que não tem nome é a origem do Céu e da Terra / E o nomear é a mãe de todas as coisas”. Princípio que também, em seu modelo mais cristão, aparece na teologia apofática (ou “negativa”) de Dionísio, Pseudo-Areopagita, no século V. O silêncio (ou o vazio), para ser silêncio (ou o vazio, para ser vazio), não pode nem ao menos ser silêncio, ser vazio, embora só sabido se anunciado, e mesmo como não-ser... E daí também a poesia, e o seu necessário paradoxo: falar do Sagrado é sempre teoposesia. Em suma: religião e pensamento são incompatíveis, paradoxais. Não por acaso Kierkegaard dizia que “a fé começa onde o pensamento termina”. E precisava dizer mais?




quinta-feira, 25 de novembro de 2010

10.


Contra Descartes


Viver é tomar partido; deixar de viver, também. Melhor ficar no meio termo, com Aristóteles, Buda ou o Cristo... Mas o equilíbrio, assim como o bom senso, é a coisa menos partilhada entre os homens.



segunda-feira, 22 de novembro de 2010

9.


Dos nomes divinos


Deus, com suas centenas de nomes em centenas de religiões, é tão importante como Sentido-Mor para o indivíduo solitário que fita o céu estrelado, ou vê o horizonte distante e sente o que é ante o grandioso do/no Mundo, da/na natureza – da qual também faz parte –, que, se não existisse, teria que ser inventado. E o que, senão a fé, garante que não é assim? O desejo de Deus, da relação com o divino, Transcendenz, pode ser, ou nada mais ser, que a Vontade que ele seja. É preciso ter muita fé para não ter fé alguma, e aceitar a não-fé como fé-em-si-mesma, construto conceitual que nomeio o grande Vazio inominável. Seja como for, a fé é, sem qualquer dúvida, muito útil para aquele ou aquela que precisa de quem tem fé.



quinta-feira, 18 de novembro de 2010

8.


Fidelidade à terra


Aristóteles se opôs ao seu mestre, Platão, colocando a natureza em oposição às Idéias; a terra em oposição ao céu. E o fez muito bem. Afinal, que conhecemos do céu, ou das Idéias ditas... “puras”? Nós, os amantes da opinião. Ícaro alça voo. Édipo continua perdido em seu reflexo.



quarta-feira, 17 de novembro de 2010

7.


Lição de anatomia


No Livro I da Física, Aristóteles diz que as crianças chamam todos os homens de pais, e todas as mulheres de mães; só depois é que elas os distinguem. E eu digo, aqui, que as crianças deveriam permanecer nas barrigas das suas mães.



segunda-feira, 8 de novembro de 2010

6.


Da utilidade da História


A História (ou a memória histórica) só tem utilidade quando alimenta mais do que a luxuosa curiosidade, e quando fomenta mais do que o ócio criativo. Não é que a inutilidade seja inútil, mas esse status já pertence à Filosofia. A História, porém, merece o status de necessária quando serve ao presente e quando, acima de tudo, desvela os alicerces do que já é agora, mas que, ao futuro, no futuro, não tem que permanecer como um palácio murado, como as doutrinas das Igrejas, das ortodoxias seculares. A História só é útil quando não é história, mas visão fundamentada, não sagrada, “fim da história” – devir devindo, intempestivo. Não por acaso, no prefácio de Vom Nutzen und Nachtheil der Historie für das Leben, de 1874, Nietzsche utilize-se de uma sentença de Goethe que reza: “De resto, detesto tudo o que só serve para me instruir sem aumentar minha atividade ou animá-la diretamente”. O que vem depois, dito por ele mesmo, e como ele mesmo o diz, é um Ceterum censeo (“considero o resto”, “estimo o resto”) à História. É o exemplo do passado retomado no presente e a projetar-se para o futuro: ação histórica, construção revolucionária. E embora a História não seja “fato jornalístico”, serve também como denúncia do tempo, presságio do (ou para o) futuro. Como ocorre na celebrada visão de Walter Benjamin (1892-1940), em suas Teses sobre a Filosofia da História (1940), quando ele descreve um quadro do suíço/alemão Paul Klee (1879-1940), o Angelus Novus. O próprio Benjamin, no ano seguinte à sua descrição apocalíptica – viviam-se os abalos da assinatura do pacto germânico-soviético –, estaria fazendo parte dos montes de ruínas e pilhas de cadáveres que com tanta lucidez profetizara. Marx dizia “que a história não se repete senão como farsa, ao que caberia acrescentar que a arte não retoma sua aura senão como fuga. O que antes era moderno agora se tornou pastiche, simulação, impostura: um gesto repetitivo” (Nicolau Sevcenko, 1995). E isso não é uma justificação do termo “pós-moderno”, na História. Aliás, e para não irmos tão longe, ainda é preferível ver a História como possibilidade crítica e construtiva do mundo, pelo viés indireto da narrativa direto-indireta, e não obstante os pré-conceitos dos historiadores. E é por isso que eu ainda prefiro crer, como Maurice Sachot, que “uma mesma história, vista de outro modo, torna-se uma outra história”. Eu creio contra a esperança.


sábado, 6 de novembro de 2010

5.


Das diferenças entre Ciência e Filosofia


Entre a ciência e a filosofia existem diferenças que devem ser consideradas: a ciência vive no presente, com o rosto engessado para o nascente; o passado em nada, ou quase nada, lhe interessa; a filosofia, ao contrário, alimenta-se do passado como um continuum... e olha para o poente, e para o nascente... à luz de velas, amarrando-se entre um e outro ponto. Qual a utilidade em, para um físico ou o astrônomo de hoje, reler Newton, Galileu? Que filósofo não leria Platão, ou Aristóteles?


quinta-feira, 4 de novembro de 2010

4.

Contra Ésquilo

O tempo não passa, nunca; nós é que passamos. O tempo é como uma vitrine que nos contempla e nos segue, tão logo vemos, aí, nossa imagem refletida. Numa ordem aleatória ao nosso querer e aos nossos sentidos, quando nos movemos, ignoramos que a vitrina também se move, e pensamos que ela fica ali... Pode-se perguntar à mulher amada, como já vi nalgum lugar: “Quanto de olhos, de pele e de ossos já se me desprenderam desde a última vez que te vi?” Ela não terá respostas; ninguém terá. O tempo em si-mesmo, é atemporal, mas não é eterno. Somente nós, temporais, o sentimos e, tolos, pensamos em... eternidades. Como podemos pensar que algo como o amor ou a felicidade podem ser perfeitos se não forem eternos? Como o amor ou a felicidade, o tempo não tem lugar na eternidade e, com ela, não pode se confundir (co-fundir)... e isso é assim porque, não havendo quem o perceba, ou quem fale em horas, dias, meses, séculos, o que ele é? O tempo só há para quem lho percebe. O tempo é minha percepção consciente, e também a sua. Ésquilo, no Prometeu acorrentado, na epígrafe para Da vontade da natureza, em toda a sua sabedoria não compreendia isso muito bem, pois dizia: “Mas o tempo que corre fará com que tudo apareça em plena luz”. A linguagem comum, como o senso, é cheia de trincheiras, de aclives e declives, de enganos consensuais. Ora, como a luz, nós é que corremos e, para o tempo, nos perdemos para adiante e para trás; e só assim podemos nos perceber neste pré-sente. E nunca temos o passado, ou futuro, porque isso não há. Todo mundo sabe: ou este não existe mais, ou aquele ainda não veio. Mas, nós, sim, sempre estamos devindo. Ser é perceber-se in, in-der-Welt-sein, e o resto não existe.



Você ainda vai ter um ou “Eu vejo um museu de grandes novidades...” Anúncio da Volkswagen para o Passat Surf, de 1978. Versão destinada ao público jovem, com poucos equipamentos e aparência esportiva. Seguia a tendência criada pelos Dodge 1800 SE e Dart SE. Entre os equipamentos oferecidos a mais (em relação a versão básica) possuía apenas bancos altos e vidros verdes. O revestimento dos bancos e laterais era feito em cores vivas. Externamente, contava com pára-choques, frisos, maçanetas e retrovisores em preto, além de rodas pintadas de cinza grafite. O motor era o 1.5.





quarta-feira, 3 de novembro de 2010

3.

Dos antagonismos reinantes

O progresso da humanidade anda de mãos dadas com a sua ruína; e o contrário dá no mesmo. Em suma: não há muita escolha; Moira manda.




terça-feira, 2 de novembro de 2010

2.

O sentido das coisas

Passamos a vida toda em busca do sentido das coisas; mas, quem disse que as “coisas” têm algum sentido, ou têm que ter? Outras vezes pensamos que são as coisas que dão, ou que podem dar, algum sentido à vida. De um e de outro modo, nos equivocamos. Se formos sinceros com nós mesmos – e com a nossa consciência –, descobriremos que não há e nem nunca houve sentido algum, e nem precisa haver. Se eu não existo, nada, para mim, existe – e nem mesmo Deus. “Sei que sem mim Deus não pode viver um instante sequer. Se eu for aniquilado, também seu espírito tem de necessariamente extinguir-se”, dizia o místico Angelos Silesius, cheio de razão. A não ser que consideremos o não-sentido como já sendo algum, ou a própria vida enquanto unidade reflexivo-individual, moral (nisso, Kierkegaard e Wittgenstein concordam)... O sentido, nesse caso, seria procurar um sentido. Todavia: pensar a vida como um valor moral autônomo (Kant e os antimetafísicos) e ainda assim com uma finalidade (os teólogos cristãos) é, sem rodeios, um paradoxo gritante – e o contrário dá no mesmo. É verdade: o mundo todo é feito desses paradoxos. O sentido só existe, mesmo, naquilo que nós atribuímos funções, predicamos valores... como os metais preciosos, as obras de arte, o dever moral, as ideologias políticas, as doutrinas religiosas, o “amor romântico”, etc. O vazio, o nada, isso será, por fim, sua casa, a sua única e última morada.

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