17.
Dos excessos
Joelza não perdia um capítulo daquela novela . Maldita novela! Quando o galã , estrela principal , depois de tantos transtornos e sofrimentos, finalmente conseguiu encontrar a sua “alma gêmea ”, Joelza quase morre aos prantos, tão grande a emoção. Mas quando ele a beijou, recitando mil poemas e fazendo duas mil promessas de amor eterno , Joelza teve um estranho , muito estranho, acesso de ciúmes, misturado com frustração .
– Que bosta é isso, gente?! Tá tudo errado! Não era p’ra ser assim, esse final.
Praguejava, irritada, limpando o nariz choroso e apontando para a TV, igual torcedor fanático brigando com o juiz que rouba seu time.
Eduardo, que era forçado a ver a novela inteirinha, do começo ao fim – senão Joelza não lhe dava atenção, ou , se desse, não prestava, porque ficava um porre, insuportável –, percebeu a cena de ciúme e, já no limite da chateação, estourou:
– Que é que há, hem, Jojoca?! Está com ciúmes do cara , é?
– Mas é que ela não merece ele, Duduuu. Olha como eles são contrastantes! Depois de tudo o que ela aprontou, do modo como o desprezava... E agora, olha isso!, olha isso: toooda derretida. Ah!, ele merece coisa muito melhor ...
– Tipo quem , Joelza? Você ?
– Ah, Dudu! Vai à merda! Que merda!
– Quer saber de uma coisa ? Vá à merda você , minha amiga ! Sua baranga tresloucada !
E Eduardo saiu da sala, bufando. Não bateu a porta, porém. Nem se despediu da mãe da moça que estava lá, enfiada na cozinha. Como pode suportar isso por tanto tempo? Como poderia suportar isso por mais tempo ainda?
O final da novela foi assim: a estrela principal se casando com a outra – como são , geralmente , os finais das novelas –, e um monte de gente, numa cena cafona de festa de casamento, celebrando a feliz união do “príncipe com a princesa”, mantendo a tradição idiota das histórias infantis em que os dois “vivem felizes para sempre”. A novela que virou a vida de Joelza, porém, não terminou ainda.
Depois que perdeu Eduardo – que começou a sair com Juliana, sua ex-melhor amiga, e com quem se casaria, oito meses depois –, as cenas começaram a passar muito lentas, em longos, chatos e tediosos capítulos . No seu mundo, antes tão firme e sólido, tudo dança em suspensão e incertezas.
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Moral da história: o mundo real é uma bosta mesmo; mas, prefira-o.
Moral da história (2): sua vida é sua melhor novela, viva-a; seja seu personagem principal.