sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

17.



Dos excessos



Joelza não perdia um capítulo daquela novela. Maldita novela! Quando o galã, estrela principal, depois de tantos transtornos e sofrimentos, finalmente conseguiu encontrar a suaalma gêmea”, Joelza quase morre aos prantos, tão grande a emoção. Mas quando ele a beijou, recitando mil poemas e fazendo duas mil promessas de amor eterno, Joelza teve um estranho, muito estranho, acesso de ciúmes, misturado com frustração.
– Que bosta é isso, gente?! Tá tudo errado! Não era p’ra ser assim, esse final.
Praguejava, irritada, limpando o nariz choroso e apontando para a TV, igual torcedor fanático brigando com o juiz que rouba seu time.
Eduardo, que era forçado a ver a novela inteirinha, do começo ao fim – senão Joelza não lhe dava atenção, ou, se desse, não prestava, porque ficava um porre, insuportável –, percebeu a cena de ciúme e, já no limite da chateação, estourou:
Que é que há, hem, Jojoca?! Está com ciúmes do cara, é?
Mas é que ela não merece ele, Duduuu. Olha como eles são contrastantes! Depois de tudo o que ela aprontou, do modo como o desprezava... E agora, olha isso!, olha isso: toooda derretida. Ah!, ele merece coisa muito melhor...
– Tipo quem, Joelza? Você?
– Ah, Dudu! Vai à merda! Que merda!
Quer saber de uma coisa? Vá à merda você, minha amiga! Sua baranga tresloucada!
E Eduardo saiu da sala, bufando. Não bateu a porta, porém. Nem se despediu da mãe da moça que estava lá, enfiada na cozinha. Como pode suportar isso por tanto tempo? Como poderia suportar isso por mais tempo ainda?
Mais do que depressa aceitou que, aquele tempo todo, esteve enganando-se a si mesmo, enganando Joelza e o bucho que era a senhora sua mãe. Esta, em relação a ele, sempre se portou de modo frio e indiferente, desde o início do namoro, que durava mais de um ano e meio.
O final da novela foi assim: a estrela principal se casando com a outracomo são, geralmente, os finais das novelas –, e um monte de gente, numa cena cafona de festa de casamento, celebrando a feliz união do “príncipe com a princesa”, mantendo a tradição idiota das histórias infantis em que os dois “vivem felizes para sempre”. A novela que virou a vida de Joelza, porém, não terminou ainda.
Depois que perdeu Eduardo – que começou a sair com Juliana, sua ex-melhor amiga, e com quem se casaria, oito meses depois –, as cenas começaram a passar muito lentas, em longos, chatos e tediosos capítulos. No seu mundo, antes tão firme e sólido, tudo dança em suspensão e incertezas.

* * * * *

Moral da história: o mundo real é uma bosta mesmo; mas, prefira-o.
Moral da história (2): sua vida é sua melhor novela, viva-a; seja seu personagem principal.


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