12.
Das simetrias
A perfeição é a medida exata da simetria . Dizemos “belo” àquilo que é simétrico. Ser simétrico, portanto, equivale à aceitação da ideia de um padrão absoluto a partir do qual tudo no mundo pode ser medido, mensurado, e para onde tudo retorna, respondendo como derivado, sombra, simulacro. Um esquema mental perfeito demais, para ser verdade – e o modelo do Ocidente. Mas, e exatamente como afirma o excitadíssimo e delirante Dean Moriarty (Neal Cassady), no início da segunda parte de On the road (1957), de Jack Kerouac: “Desde os gregos, tudo tem se firmado sobre bases falsas. Você não pode desbundar com essa geometria e esses sistemas geométricos de pensar.” Expressões como : “esse arranjo está lindo !”, por exemplo , afirmam a nossa crença na existência de um modelo estético a partir do qual a beleza pode ser dita mais ou menos bela . Percebendo ou não , fazemos afirmações que oscilam entre esse mais ou esse menos, dito como ausência, sem se dizer; e fazemos isso a todos os instantes, e para tudo. Assim fazendo, assumimos um platonismo que nem de longe chegamos a pensar como estrutura fundante-fundamental de nossas ideias mais , ou menos , filosóficas.
Essas crenças, não poucas vezes inconscientes, aparecem disfarçadas nas coisas mais elementares do nosso cotidiano : “O amor é lindo !”; “Você viu como ela falava alto ? Que falta de educação !”; “O dia hoje está muito quente !”, et cetera. A ideia de simetria, afincada à crença do modelo absoluto – perfeito –, esta às ordens da Vontade, à qual nos submetemos, mesmo quando conscientes de sua imperiosa tirania.
Foi levado pelas perfeições simétricas que julgava haver encontrado em Joana, que Igor casou-se com ela; apaixonado confesso. “O casal mais lindo da cidade !”, diziam os/as colunistas . “O filho desses dois vai ser uma coisa do outro mundo !”, diziam as tias velhas, segurando as suas taças cheias de Peter Brum.
Igor, porém, queria porque queria outro filho , ou filha, “para reparar as feridas que Melanie trouxera”, pensava, em mortal silêncio, com medo de estar blasfemando contra o bom Deus, que dá vida a todas as coisas.
De tanto insistir com Joana, acusando-a de racista, preconceituosa, et cetera, et cetera e tal , vieram brigas sobre brigas , tristezas sobre tristezas . No aniversário de dois anos de Melanie, e quando faltavam apenas sete dias para o terceiro aniversário de casamento dos dois , decidiram que não dava mais para viverem juntos , não daquele jeito .
Melanie ficou com a mãe , e com os avôs maternos. Igor voltou a morar com os pais , e com as tias velhas, fofoqueiras e frustradas. Essas, assimétricas que eram, nunca arranjaram casamento, e por isso davam todo o amor que tinham ao sobrinho infeliz, como se, ele, fosse o filho que não tiveram. Ademais, contentavam-se em ver novelas e dar conta da vida alheia . Na intimidade doméstica, perguntavam ao sobrinho, perplexas: “Como é que tudo pode findar assim, querido; como?”
“São as simetrias , minhas tias; são as malditas simetrias ...”, Igor respondia, bêbado e estressado.