sexta-feira, 18 de junho de 2010

Porque alguém se mete a escrever

Por Ninguém da Silva - Maxima Imoralia, Ano VIII, Nº 8, 2009

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Patativa Moog é teólogo, Mestre em História da Filosofia (UFPB) e Doutor em Teologia (EST-IEPG), com pesquisa na na área de Filosofia da Religião. Sua pesquisa é voltada às questões da ética e da moral no pensamento de Agostinho de Hipona, relacionando-as à formação cultural e moral do Brasil durante o período colonial (1500-1808). Seu anteprojeto de Mestrado para a UFPB, no entanto, levava o seguinte título: O conceito de Verdade em Sören Kierkegaard e Martin Heidegger, denunciando seu claro interesse e envolvimento com a Filosofia Contemporânea. Ligado à arte, Patativa compõe e toca em uma banda de rock “alternativo”; idolatra todos os filmes de Werner Herzog e Akira Kurosawa; devora HQs e lê tudo o que pode de Arthur Schopenhauer, Friedrich Nietzsche, Machado de Assis e Charles M. Schulz. Ninguém foi enviado pelo editor da revista Maxima Imoralia para conversar com Patativa sobre as suas intenções e motivações com a publicação de Arte, amor, liberdade... Quem precisa disso?

Ninguém (N). Então, Patativa, este é o seu primeiro livro?

Patativa (P). Na verdade, não; (ele escreveu quatro livros antes deste, e um cordel) mas é como se fosse.

N. Por quê?

P. Porque eu não respondo mais pelos outros; pelo que escrevi, pelas afirmações que fiz, enfim...

N. Que afirmações?

P. Por que não tratamos sobre o livro atual? (risos)

N. Pois bem: do que se trata o “livro atual”? (risos)

P. Ele, na verdade, é a junção de três artigos que fiz durante o meu doutoramento em filosofia e teologia na PUC e na EST, respectivamente... em Porto Alegre e em São Leopoldo; são também, principalmente os textos fragmentados do último artigo, retalhos de conversas e discussões com amigos teólogos, filósofos, pesquisadores.

N. E porque agora decidiu publicá-los?

P. Primeiro porque os textos já são registrados; depois porque eles, hoje, me dizem muito, e penso que podem dizer muito para outras pessoas também. Sou da opinião de que o conhecimento só tem sentido se for partilhado. São temáticas que estão, diferentemente das grandes linhas da minha pesquisa, voltadas aos problemas mais comuns do nosso cotidiano. Pensei que eles não deveriam ficar mais esquecidos em minha “gaveta”; sempre que eu os via era como se eles gritassem: liberdade!, liberdade! (risos)

N. E porque três artigos? Há alguma “linha comum” entre eles; é isso?

P. Sim; foi exatamente isso. Embora os três difiram na estética, no grande contexto, se coadunam num sentido mais amplo, e dinâmico. No primeiro, Sorry, no art today, por exemplo, falo da grande sacada dos gregos para poderem, como disserta Nietzsche em Die Geburt der Tragödie oder Griechentum und Pessimismus (O nascimento da tragédia ou Helenismo e Pessimismo), suportar o trágico que perpassa o mundo, como, antes, Schopenhauer já apontara ao colocar a música num status elevadíssimo. A arte, aí, nos arma com a coragem de encarar a morte, e até zombar de seu império: vivendo, simplesmente. A arte é a grande sacada dos gregos, e é a nossa também, ainda hoje, por herança – mas isso traz alguns questionamentos seríssimos, e eu os aponto aí, no primeiro artigo/capítulo. Também discordo fundamentalmente daquela idéia de massificação da arte, propagada pelo Andy Warhol que dizia que, por tal artifício, in the future everyone will be famous for fifteen minutes. Não basta ter uma câmera nas mãos para ser um fotógrafo; não basta saber tocar um instrumento para ser um músico, ou um compositor. Falo da essência mesma da coisa, sabe? Aquilo que o artista tem que o distingue de uma pessoa, digamos... comum.

N. Os fundamentos?

P. Sim; os fundamentos. No segundo artigo, O conceito de amor em Arthur Schopenhauer: um bocadilho de filosofice para não-filósofos, falo disso que é tão essencial ao ser humano que ele simplesmente não tem como escapar ao seu toque, não tem como evitá-lo: o amor. Mas não se trata do amor dos românticos, ou do Romantismo; como aquele que é iconizado pelo Werter de Goeth. Você vê que, em relação ao primeiro capítulo, a questão agora se volta contra a idéia do Real, de um “fundamento” metafísico do bom, do belo, do sublime, et cetera. Faço isso em reveleia ao movimento romântico. Esse amor ideal, romântico, como procurei mostrar, é uma máscara cultural, uma coisa da civilização ocidental, predominantemente cristã. “Casar por amor”, por exemplo, é uma invenção de dois séculos, apenas. Botei isso em uma música minha, para a Madalena Moog; e usei o título de um livro do suíço Alain de Botton para ela, “O movimento romântico”, mesmo discordando do autor em algumas das suas teses. Trato sobre o amor apoiando-me em Schopenhauer, que foi o grande mentor de Nietzsche em muitas das suas idéias; e também em Freud, Lou-Salomé e outros autores que dizem o que me convêm... (risos) O amor, seja qual for e da maneira que for demonstrado, é ação da Vontade, nos lançando de encontro ao outro, com vistas à concepção, a geração de um outro ser. O amor só é enquanto demonstração: “Amor não existe. Só as provas de amor”; não há amor na teoria, como também a Vontade; algo mais ou menos assim, como nessa frase do Mr. Guillaume, personagem de Jean Marais no filme Stealing Beauty (1996), de Bernardo Bertolucci. Sei que falar em “Vontade de vida” é uma redundância, mas o acréscimo à Vontade, ao menos de modo didático, serve às pessoas menos familiarizadas com Schopenhauer, ou com a sua Filosofia. E é para essas pessoas que destino este livro, como um contributo à compreensão do mundo, retirando suas mascaras... É uma singela ambição, digamos, filosófica.

N. Certamente! E o último artigo, ou melhor: capítulo; do que trata?

P. Ah! Esse aí, A mínima fala; é uma análise mais informal e provocativa dos conceitos que aponto nos dois anteriores, e em outros conceitos que não desenvolvi em lugar nenhum, ainda... e por isso o subtítulo: escousses provocativos a todo discurso filosófico-teológico que deseja-se levado à sério. Me mantenho, aí, no eixo da filosofia e da teologia, que é para onde aponto a minha metralhadora giratória; mas sem a intenção de ferir ninguém, e nem sistemas doutrinários. Ainda acredito que é mais importante ter uma boa pergunta do que respostas prontas que, grosso modo, não têm fundamentos coerentes. Como no caso da doutrina majoritária que...

N. Que “doutrina majoritária” seria esta?

P. Ah! Isso é meio que um “modo de dizer”. (risos) Falo isso pensando na edução dos nossos sentidos, na grande falácia dos educadores preguiçosos que se conformam em repetir o dito, estabelecido, como se isso fosse natural e... bom. Penso, e ainda mais, nas mídias que, por todos os lados, nos sopram conceitos e modos de ver, de ler, de ser no mundo. Contrário a isso, “nos interessa o que não foi impresso, mas continua sendo escrito à mão, escrito à luz de velas...”, como diz uma letra do Gessinger (Humberto Gessinger, líder da banda Engenheiros do Hawaii), chupada de um livro do Scliar (Moacyr Scliar, O exército de um homem só, de 1973).

N. Você falou de diferenças estéticas, ou estilísticas... entre os capítulos. Que diferenças são essas?

P. Pois foi; falei mesmo. Falei? (risos)

N. Falou! (risos)

P. Isso foi natural... pelo processo criativo que cada um exigiu, e por sua particularidade. No primeiro, que eu redigi como se fosse um longo discurso, há uma ausência premeditada de notas de rodapé, embora eu referencie as citações no final, creditando aos autores consultados as suas contribuições. No segundo capítilo, o único que é realmente mais acadêmico – fiz o texto para cumprir exigências de uma matéria horrivelmente lecionada pelo prof. Dr. Eduardo Luft, na PUC de Porto Alegre... Schopenhauer, dentre os filósofos alemães, é o mais claro e objetivo, e este camarada pretendia torná-lo tão hermético quanto um Hegel ou um Heidegger... absurdo! Utilizo notas de rodapé; mas, juntamente com as referências bibliográficas, joguei tudo para o final, para que o texto ficasse mais limpo, literário. No último capítulo, por vingança e por convicção, avacalho com os dois modelos anteriores, usando fragmentos e textos curtos, como a sobremesa depois do prato principal. Não quero dizer com isso que o último capítulo tenha menos proteínas que os outros; bem ao contrário, penso que ele resuma boa parte o que pretendo, mais adiante, em obras mais elaboradas, trazer à luz: uma filosofia pop, ou da melhor adequação, que é como pretendo, talvez, definí-la.

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