15.
Dos perfumes...
Daniel vestiu a camiseta preta que havia comprado na C&A, dividindo o pagamento em três vezes no cartão . Calçou os sapatos, olhou-se no enorme espelho que sua mãe lhe dera, fazendo poses modelares para ver se estava bom assim... Estava. Tomou outro banho de perfume e saiu incensando toda a casa. Também , Marília falava o tempo inteiro que amava aquele seu cheiro , e que ele fazia com que ela, ao fechar os olhos , se imaginasse deitada em um campo repleto de flores silvestres , com borboletas coloridas voando para lá e cá, e abelhinhas zunindo inofensivas, e isso e aquilo... Depois ela o abraçava, como se quisesse empurrá-lo para dentro de si , seu ramalhete de flores colhidas, arranjado de miosótis, papoulas, alfazemas, centaureas, malmequeres, margaridas, crisântemos...
Vinte minutos depois, trânsito bom , chegaria, com sua moto Honda 250 cilindradas, à casa da moça, no bairro universitário de Castelo Branco, em João Pessoa. Ela, porém, estranhamente, ainda não havia chegado.
“Tudo bem , Dona Nice; eu espero.” Disse à mãe de Marília, que não estava nem um pouco tranquila com a demora da filha, e com “essa droga que telefone que ela não atende”.
Horas depois , depois de uma dezena de telefonemas , a notícia : Marília havia sido atropelada por um motoboy. Este, na sua irresponsabilidade e por seu medo , negou-lhe qualquer socorro; sumiu sem deixar vestígios. O corpo , agora identificado, aguardava a família no Hospital de Emergência e Trauma, na Avenida Orestes Lisboa, sem número.
A mãe da morta desmaiou; o pai amaldiçoou a todos os motoboys de João Pessoa , e do Mundo; e Daniel, desde então, não suporta mais o cheiro daquele perfume que Marília tanto amava. Sua fragrância agora tem, para ele , o cheiro acre da morte e dos dias tristes, da dor inominável , da angústia indescritível, e da saudade sem jeito.