terça-feira, 1 de novembro de 2011

61.


Da morte e do morrer, e do Grande Significado


Vida nenhuma, de nenhum indivíduo, pode ser tirada. Caso fosse, ele ainda haveria de ser, sem a vida – que lhe seria imputada como falta. Sim!, ser, é ser consciência. O indivíduo, não sendo, nada tem que lhe possa ser subtraído. É matéria na matéria; e só. Algo somente pode ser subtraído do que é (que sabe que é), mesmo após a subtração. Eu, se não sou, nada sei da vida que me falta. Que sou, portanto? Novamente: consciência. O que isto que dizer? Que a Vida mesmo é, mas não pertence; na condição de “propriedade”. Portanto: posso perder um amor, posso perder um amigo, mas não posso perder a Vida. Não posso perder o que não me pertence. Posso acabar com a vida que há em mim, mas não como a Vida. Viver é sentir-se, saber-se: eu sou o que sei de mim e, daí, do Outro, e do Mundo. O “sentir”, porém, e como ensina Alberto Caeiro, “é estar distraído.” De fato: a nossa vida é fenômeno da Vida, que não é nossa e nem de ninguém - fenômeno. Dizer o fenômeno é procurar dar significado ao fenômeno – mas, que significado ele teria senão ser si-mesmo? No mundo (excetuando-se o fato de que podemos pensar sobre nos mesmos), também somos coisas – coisas que pensam-se a si mesmas como mais que coisas - e daí as metafísicas, as sublimações, os idealismos. Não nos basta ser homem; não nos basta ser mulher. Não!, procuramos por um significado real do ser – isto é: o sentido de estarmos vivos; seus para quês. Mas, ah!, não há tal significado; não ha outro sentido senão o pensar sobre o sentido.

Porque o único sentido oculto das cousas
É elas não terem sentido oculto nenhum.
É mais estranho do que todas as estranhezas
E do que os sonhos de todos os poetas
E os pensamentos de todos os filósofos,
Que as cousas sejam realmente o que parecem ser
E não haja nada que compreender.

Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: –
As cousas não têm significação: têm existência.
As cousas são o único sentido oculto das cousas.

        É, novamente, Caeiro (Fernando Pessoa). É, naturalmente, uma desconstrução deste nosso racionalismo ocidental – que defende o engavetamento metódico do sensível, ou a departamentalização de tudo o que se sabe haver: em reinos, em categorias, em classes, em gêneros, em grupos, et cetera. Tal sensualismo fenomênico, adequado ao poema, “exige um estudo profundo, uma aprendizagem de desaprender.” Coisa que, por estar evidentemente contra a estrutura das academias, não lhes interessa. Um dito, mesmo mal dito, é melhor que dito nenhum. E é assim que a Vida, por meio da “nossa vida”, e através de todas as coisas que lhe são necessárias, é avaliada como boa ou não: pela ética, pela estética, pela religião – recursos da própria Vida (ou da Vontade), no fito de manter-se a si mesma. Vida é uma coisa; consciência de Vida, outra; viver, particularidade individual. Quem pensa a vida, começa a não viver. Viver é estar distraído.


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