terça-feira, 22 de novembro de 2011

7.


Da tranquilidade que antecede o estouro



O amor de Pedro por Matilda tinha a tranquilidade de quem caminha sobre uma planície eterna, sem acidentes, sem aclives, declives, sem novidades. E, talvez por isso, ele estava cansado. Pois vocês não sabem? A tranquilidade cansa, fomenta o tédio.
E foi num dia desses, de absoluta tranquilidade, que ele conheceu Milena.
A belíssima Milena, à semelhança do seu antigo e cansado amor, tinha somente a repetição de algumas letras no nome; tudo o mais era a novidade e expectativa de dias alegres, vibrantes, doces e quentes. As imagens do seu tranquilo amor, de repente, davam-se embaralhadas pelo tufão que foi a nova paixão. Afloraram, mais que nunca, os defeitos de Matilda em oposição às afrodisíacas imagens de Milena. Estava vencido. Apaixonara-se por Milena. E assim, apaixonara-se por sua própria imagem refletida no olhar magnético da moça, cheio de promessas de viço eterno. Teria de tê-la para poder ter-se a si mesmo, de um modo intenso e voluptuoso, tal qual nunca antes experimentara.
A ideia de fazer Matilda infeliz, porém, fazia-o infeliz. Como chegar para ela e dizer: “O meu amor por você acabou. Eu amo outra pessoa”? Como? Como acabar assim uma relação de tantos bons e maus momentos? Como botar um fim naquilo que um dia pensou-se eterno?
Numa noite de outubro, depois do sexo desapaixonado e metódico ao qual se habituara, Pedro respirou fundo, tomou coragem e disse, quase sussurrando:
– Ah!, Matilda, precisamos conversar sobre...
Por favor, Pedro!, tenho que lhe dizer uma coisa – ela interrompeu, assentando-se na lateral da cama.
– É sobre o nosso casamento... Olha, eu amo outra pessoa!, e acho que não posso mais viver junto de você assim, mentindo, escondendo isso. Me sinto tão suja, como agora, depois do, de... você sabe. Me perdoe por isso: pela covardia e pela franqueza da covardia. Me perdoe por eu não saber dizer isso de uma maneira mais delicada, talvez. Isso me dá nojo às vezes, sabe? Nojo de você; nojo de mim. Me perdoe, Pedro! Não me tenha mal; eu lhe peço, por favor...
Naquele instante o chão, sob os pés de Pedro, desapareceu. Como ela poderia estar fazendo isso com ele? Como poderia estar dizendo isso tudo? E ele olhou para ela como nunca antes havia olhado. Estava linda. Incrivelmente linda! Seu corpo, nu, de costas, ali em sua cama, tinha uma brancura inebriante, irresistivelmente erótica, incontrolavelmente provocante. Ele tentou tocá-la mais uma vez; uma, talvez, quem sabe, última vez. Mas ela recusou o toque, estendendo a mão para que ele não fizesse aquilo. Levantou-se depressa, vestiu a camisola preta que adorava e saiu do quarto. Pedro não acreditava que aquilo estivesse acontecendo. A sensação que percorria seu corpo era de leveza, de liberdade e de, estranhamente, tristeza. Pouco depois ela voltaria, com os cabelos molhados de um banho demorado. E já estava vestida, pronta para sair.
– Vou levar uma muda de roupa para uns dias, depois mando alguém apanhar o resto – disse, mexendo nas coisas sobre a cômoda.
.......Em seguida, segurando uma pequenina mala, sumiu do quarto e vida de Pedro, para sempre. Desde então, ele sequer suporta ouvir a voz de Milena ao telefone, seja convidando-o para o cinema ou para outro programa em que os dois tenham de estar sozinhos. Na memória de Pedro, como em um retrato colorido, há lugar apenas para as costas nuas de Matilda, e sua voz dizendo “adeus!, vê se se cuida”. E em seu coração, como num filme de Leni Riefenstahl, tudo é branco e preto; tudo é deserto e desolação. 




  

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