quinta-feira, 10 de novembro de 2011

2.


Dos vinhos 


De conformidade com o provérbio latino, in vino veritas, “a verdade está no vinho”. O mesmo é dito por Balzac, nos Esplendores e misérias das cortesãs: “Corentin chamou Derville de parte e disse-lhe: – In vino veritas! A verdade está debaixo das rolhas”.
Pois foi assim que Carlos Eduardo, numa festa de final de ano, depois de anos e anos de solidão e de amoroso silêncio, mediante os efeitos inebriantes do néctar dos deuses, declarou à Maria Estela, de joelhos, no meio sala, entre os convivas:
Eu te amo, Maria Estela; sempre te amei!”
O povo amigo, igualmente alterado, desabou em assovios e aplausos de “arre! finalmente!”, e danou-se a repetir, com palmas desencontradas: “Beija! Beija! Beija!...”
Era evidente que o Carlos, in natura, não teria coragem de fazer o que fazia ali, aquela cena toda. E Estela sabia que ele, apesar do porre, falava sério e tinha lucidez suficiente para compreender as implicações decorrentes do fato dado. Todos na sala, os que assistiam a cena “hollywoodiana”, sabiam que Estela também nutria o mesmo sentimento em relação ao confessante que esperava uma resposta favorável ao seu amor de tanto guardado. Estela, todavia, corada de vergonha ante a cena tão cafona, conseguiu mesmo foi deixar a sua taça cair, manchando a ponta do tapete. E todos que esperavam ouvir um “eu também te amo”, ouviram apenas uma voz tristonha e melancólica que dizia por entre os dentes:
“Levante daí, Carlos! Você está ridículo!”
E a festa, claro, não foi mais a mesma. É, in vino veritas, de um jeito ou de outro. Estava claro que Estela, se não estivesse sóbria, não falaria assim ao homem da sua vida; o mesmo homem que, no dia seguinte, e nos dias subsequentes, passaria a evitá-la, como o Diabo à cruz. É que o Carlos Eduardo, além da vergonha do horroroso vexame, nutria agora uma crescente antipatia àquela que, de modo tão frio, o rejeitara.   


LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...