39.
Da noção poética
Na Praça da Alfândega, em Porto Alegre , Drummond conversa com Quintana:
– E agora, José? – Diz o mineiro de Itabira do Mato Dentro, referindo-se a não eleição do gaúcho de Alegrete à Academia Brasileira de Letras.
– Todos esses que aí estão atravancando o meu caminho, eles passarão... eu passarinho! – Responde Quintana, jocoso.
Nisso, ironia das ironias, vem uma pomba – dessas que ficam aí pelas praças, comendo o milho das prefeituras e cagando sobre os transeuntes do passeio público e sobre as estátuas que, estatuadas, nada podem senão aguentar a sorte que lhes coube – e faz sua obra bem no ombro do poeta de Sapato florido, que dispara, praguejando a vivente:
– Maltratar os poetas é indício de mau caráter; ora bolas! – E, rindo-se de si mesmo, acrescenta: – Deveria haver, como queria Bandeira, um céu para os passarinhos, e uma Sacha que os cuidasse.
Drummond, que ama as aves e sabe bem do inexiste senso moral das mesmas, fica de pé e oferece um lenço bordado de vagonite ao amigo, dizendo-lhe:
– Mas o pardalzinho morreu, não foi? Não lhe bastou ter o amor da menina. O Amor... – teologizou – O amor nunca se basta. Amor com amor não se paga; amor é estado de graça.
– O meu amor é belo como um barco! – Responde Quintana, voltando a estatuar-se.
Estão assim até hoje, em um papo que somente os dois compreendem.