36.
Da indecisão quanto ao querer
Zaratustra observou uma mulher que carregava um enorme vaso d’água nos ombros. Os homens que o escutavam notaram que ele, com os olhos, a acompanhava em seu pequenino trajeto: do poço à taberna, que distava pouco mais de vinte metros da praça. A mulher, talvez pelo excesso de peso, e na metade do percurso, esvaziou parte do conteúdo. Ao fazê-lo, porém, parece que esvaziou demais, pois fez uma cara engraçada, de frustração e descontentamento. Mas seguiu adiante.
Todos esperavam que Zaratustra fizesse algum comentário àquela cena, mas ele não disse nada. Sua atenção, agora, estava no menino que brincava com um velho e esquelético cão.
– Não nos dirá nada sobre a mulher e sobre o ocorrido? – Alguém perguntou, incitando-o. Outros riram, esperando que o eremita se pronunciasse.
– Acaso Zaratustra é um tagarela do teatro cômico? Porque falaria de tudo, como se as palavras fossem a erva que nasce pelos campos? Por que teria um discurso pronto sobre tudo, e disposição para derramá-lo sobre os idiotas? Nada tenho a vos dizer. – Declarou, indolente.
Todos ficaram contrariados. Zaratustra parecia não corresponder, de uma ou de outra forma, ao tipo de sábio que eles desejavam. E foi aí, enquanto trocavam olhares incógnitos, que ele lhes disse, repentinamente:
– Por que necessitais de um doutrinador? Zaratustra é, acaso, um doutrinador? Precisa de discípulos sobre os quais esvazie a sua doutrina? Não é Zaratustra uma planta antes da semente? Não são as suas palavras podadeiras antes dos galhos? Quem, além dos sábios, necessita de alguma sabedoria? Pode a água derramada retornar ao vaso?
Os homens, ao que parece, irritaram-se com Isso. Pois foram embora, praguejando baixinho, e sem saberem exatamente do que o velho eremita estava falando. “Pode a água derramada retornar ao vaso?”, rum!
Encontrando-se sozinho, Zaratustra virou-se para um asno que pastava por ali, depressivo, ruminando.
– Esses homens – disse ao animal, que lhe ignorava por completo – são como aquela mulher que conduzia o vaso, e como todas as mulheres, e como todos os homens: não têm o que querem e, quando têm, não têm certeza se é isso mesmo o que querem. E quando têm certeza de que, sim, é o que desejam, já não sabem mais o que fazer com isso.
O asno, naturalmente, nada lhe disse.