quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

33.





Das cartas de desamor



Fernando Pessoa fala das cartas de amor, que são ridículas. As de desamor, também, em nada são mais significantes. Sabe-o bem Luiz, que viu o amor de Isadora minguar do pouco ao quase nada, e daí para a coisa nenhuma. Ela, ele desconfiava desde que a convidou para morar consigo, não fazia o tipo “moça para casar”. Isadora tinha o coração na rua, e os olhos no breu do mundo. Uma vez, decerto sem notar que dava margem às várias interpretações, ela contou de um sonho que teve, com um Zeppelin enorme, que tinha uma escada enorme que descia até a varanda do apartamento onde os dois viviam há pouco mais de seis meses. E ela subia pela escada, ignorando os perigos, por amor à liberdade que era... voar. Noutra ocasião, quando ele não quis ir a uma festa com ela, alegando estar realmente muito cansado do dia duro na repartição, ela não se fez de rogada: foi sozinha. E dançou, e bebeu, e bebeu, e dançou. Chegou muito tarde naquela noite. Ele, que tinha ficado em casa para descansar, não conseguiu. Ficou pensando se não deveria tê-la acompanhado para... vai saber. Quando ela voltou, ele ainda estava acordado, e cansado, e chato, e estressado, e perguntou o porquê de ela ter demorado tanto. Ela não disse nada além de um desdenhoso e desaforado “vivendo”. Nunca mais foi a mesma, desde aquela noite. “Será que ela se envolveu com outro cara, na festa? Se foi, e se ela é mesmo assim tão volúvel, não vale mesmo a pena estarmos juntos”, pensava, sem bem saber o que pensar. “Hoje será diferente.” Disse a si mesmo, enquanto passava pela Castelo Branco, em direção a Bancários. “Vou conversar com Isa, com calma e delicadeza; tudo vai se ajustar, como tem de ser. Eu ainda a amo tanto.”
Não demorou mais que dez minutos para que ele chegasse em casa. Ela não estava. “Talvez tenha ido ali ao Shopping Sul”, divagou. Havia um envelope sobre a mesa em que ele sempre largava a mochila, tão logo chegava. É claro que ela o havia deixado ai de propósito, sabendo que seria a primeira coisa que ele veria. E assim foi. Luiz nem deu importância. “Ela deve estar avisando que foi ali e já volta.” Foi até a cozinha, encheu um copo com água; bebeu devagar. No último gole, abriu o envelope com uma só mão, sem emoção nenhuma. Nem estava colado. Era um bilhete, escrito a mão, e perfumado.  
Leu em silêncio e...
... no silêncio, o copo escapou da sua mão, espatifando-se contra o piso escuro da cozinha. O baque seco ecoou na casa vazia.
“Não é possível!”
Teve vontade de chorar. E por mais que segurasse as lágrimas, elas teimavam em vir, enquanto ele lia e relia o bilhete de tão poucas linhas. Amassou a pequenina e frágil folha de papel cor-de-rosa.
Suspirou.
Desamassou.
Tornou a ler.
E era como se pudesse ouvir a própria voz de Isadora, lhe dizendo:

Não penses mais em mim
Seria inútil, pois nunca te amei
O que houve entre nós dois foi apenas fantasia
Nosso passado terminou como terminam todas as ilusões
Doravante seguiremos caminhos diferentes
Não me procures, seria uma desilusão a mais.

Isa.

Ah, Deus! Uma carta de “adeus”.
Ficou ali, imóvel, como se a sua alma tivesse abandonado o seu corpo e partido ao encontro de Isadora, onde quer que ela estivesse. Onde estaria?
Uma lágrima, sobre o bilhete, fez borrar a tinta porosa da caneta azul onde havia o “adeus” escrito. Ele, agora, era uma mancha enorme e indefinida... como indefinidos são todos os finais felizes ou infelizes de todas as histórias românticas de amor, em que eles  são sempre, e sem variação alguma, novo recomeço.

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Inspirado no samba-seresta “A carta”, música e letra de Iza Franco, gravada no álbum “Sanfona do povo” (1964), de Luiz Gonzaga.


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