28.
Dos efeitos e das causas
Enquanto conversava com Dafne, depois de um sexo incrivelmente bom, Matheus, em clara e efusiva ebulição hormonal, confessou, entusiasmado: “Ai, ai, Dafne! Não tenho medo de dizer que te amo. Te amo.” O modo que falava era como o de alguém que se liberta de um peso enorme. O peso de dizer, convicto e urgente: “eu te amo!” Era tão difícil dizer aquilo e, naquele instante sacrossanto do prazer carnal, parecia tão fácil. Enfim: estava dito. Pronto.
Mas Dafne gelou. E, por instantes, não disse nada. Nem mesmo o clássico e quase insignificante: “eu também.”
Ela não esperava por aquilo. Não àquela hora, e nem assim. É fácil “amar a alguém” durante os dois primeiros minutos post coitum, antes que apareça o animal triste. Mas, e mesmo que fosse com um tal “amor”, do orgasmo e do êxtase relaxante, da contração quieta dos sentidos, ele não era bem-vindo. Amor? Não; agora, não. Relembrou em segundos a sua história com Matheus.
Quando começaram a sair, era o que bastava. Não esperava por isso tudo. Aliás, não esperava nada. Ficaria com ele por uns tempos, e depois diria adeus, quando fosse a hora de dizer adeus. Tudo estivera ótimo até ali? Sim. Mas ela não estava, realmente, interessada em romances, em propriedades (“eu sou tua, você é meu”) e adições (“eu e você = nós”); queria as estradas, e o que a curva revelasse depois do depois. Estacionar agora, não. O amor romântico é uma prisão; e ela queria as liberdades dos voos que não tivera, ainda. Ele, porém, apaixonado, e idiota, nem de longe parecia haver notado isso nela. O amor, se não é cego, cega. Matheus não havia, decerto, e pelo que dava a entender, pensado que poderia levar esta coisa assim, com ela: data marcada, destino traçado e breve. Leve, leve, muito leve. Ele tinha a alma abrigada em uma casa própria; ela, a dela, em hotéis plantados pelas estradas.
“Oh, Matt!” Disse-lhe, olhando-o nos olhos. “Uma vez você disse que queria que eu sempre te falasse a verdade; que preferia mil vezes uma amarga verdade a uma doce mentira; não foi?”
Ele teve que concordar.
“Então?”, ela continuou. “Acho que você gosta mais de mim do que eu de você. É sempre assim, para um ou outro. Sinto como se estivesse te sacaneando, entende? Você merece alguém que também te ame. Eu não te amo. Quer dizer: não como você me ama, diz amar. Gosto de você. E gosto muito. Não acho justo mentir sobre isso. E não poderia dizer que também te amo sem estar mentindo. Não!, você não merece isso. Olha, logo vai chegar uma hora em que te direi adeus, e que a gente precisa seguir por outros caminhos. E você tem de saber se quer continuar comigo assim, nessas condições. Se achar que ainda vale a pena”.
Matheus não sabia o que dizer.
Dentro dele, porém, como um prédio enorme que é implodido, algo desabou. A estrutura que parecia sólida e firma, tornara-se pó, poeira e ruína. Por sobre os escombros, uma somatória confusa de frustração, raiva e desencantamento, e um céu muito cinza, e vazio. Não havia espaço para um sorriso, e chorar não era o caso. Sentia um estranho frio na barriga. Aquele que costumam descrever como se borboletas voassem dentro dela. Era o menino solitário no canto da janela, no desenho de Edward Gorey. Nada havia para ser dito; nada. Estava desarmado.
Ao confessar o seu amor, coisa que lhe pareceu muito simples – e ela fazia que fosse assim –, não pensou jamais que ouviria aquilo tudo: contra as sua flores, uma tesoura de ferro e verbos conjugados na primeira pessoa. A dela, evidentemente. Ah!, o amor é o amor do Eu, nunca do “nós”.
Não, não deveria dizer nada; não naquela hora. Tinha de pensar, e pensar muito. Assim não falaria bobagens ou quaisquer coisas das quais viesse, depois, talvez muito tarde, achar-se arrependimento. Nunca, antes, havia sido tão emotivamente honesto; nunca, antes, tão irracional; e nunca, antes, sofrera tanto por... amar.
* * * * *
Moral da história: o objeto mais amado é, muito certamente, aquilo que nos traz as maiores dores e danos. Seja realista: espere pelo pior.
Moral da história (2): o pior sempre vem. Isso não é uma exceção, é uma regra.