quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

27.




De uma sorte bem merecida



Zé Gomes, distrito de Exú, é uma cidadezinha bucólica, cravada no interior semiárido do Estado de Pernambuco. Foi aí que eu nasci e fui criado, até os dez anos.
Como é comum nas pequeninas cidades, os rapazes de lá sonhavam com a vida nas cidades grandes, aquela que viam na TV; e as moças sonhavam com esses rapazes, que ousavam transpor aquelas fronteiras de isolamento e imobilidade, e que retornavam em épocas festivas e alegres. Com as exceções comuns, eles eram vistos como se fossem uns príncipes em seus cavalos, mesmo que não fossem brancos, e nem cavalos. Desejavam que eles, se se apaixonassem por alguma delas, e ao voltarem às cidades de onde vinham, levassem-na consigo, como às vezes se dá nas histórias da carochinha, contadas de outro modo. Era, enfim, uma maneira de fugir dali, daquele fim do mundo. O casamento era um passe certo e seguro para um futuro mais venturoso. Através dele, podia-se escapar de, por exemplo, um fracasso maternal, e social. “Não basta ter um filho”, algo lhes dizia, reclamando urgências, “é preciso que o filho tenha um pai; e se for um que valha a pena, melhor ainda.”
Lígia era uma dessas meninas, e pensava bem assim.
De um namoro breve e tumultuado com Miguel, que viera visitar a família – que não aprovava a relação dos dois, por julgar que ela não o amava de verdade, e que queria apenas livrar-se do domínio dos pais e ir embora para a cidade grande –, viu aí a sua chance de ser feliz; e mesmo que não fosse com o abençoado. Contra tudo e todos, Miguel e Lígia combinaram de ir à Crato e, de lá, fugirem para São Paulo. A despeito dos conselhos de todos, foi o que fizeram.
Achando-se em São Paulo, Lígia conheceu vários homens, e rapidamente ganhou a fama de fácil”, de uma dessas que dá para qualquer um. E ela dava. E dava muito. E foi de uma cama à outra que ela chegou em Alberto, por quem enamorou-se, e com quem foi morar. Alberto era dono de um pequenino restaurante self-service, ao qual dera o nome de “Tempero da Patroa”. O negócio, na época, parecia estar dando muito certo; e as chances de ascensão social eram praticamente inequívocas. Bastava esperar.  
Miguel, no auge da decepção e da vergonha de haver sido corneado, procurou esquecer as mágoas na cachaça, nas raparigas e, depois, nos braços macios e quentes da fogosa Aparecida, com quem teve dois filhos. Casou-se com ela, depois do segundo.
Decorrido um ano, e havendo caído nas graças do patrão, foi promovido a gerente comercial, na matriz da empresa em que trabalhava há quase de dez anos. Receberia duas vezes mais, e teria a sua tão sonhada estabilidade financeira. A sorte, enfim, pareceu-lhe sorrir. Estava muito feliz. Sentia-se jovem e poderoso. O mundo era belo.  
Lígia, por esse mesmo tempo, viu-se obrigada a voltar à Zé Gomes, acompanhando o, agora, nervoso, barrigudo e pouco amável Alberto. Este, desejando fugir das ameaças de morte que lhe vinham fazendo diariamente, por causa de umas dívidas que contraíra em seu malfadado empreendimento gastronômico, concluiu que Zé Gomes era o lugar ideal para esconder-se de todos os que o ameaçavam. “Afinal”, pensava, lembrando-se dos tantos testemunhos de Lígia, “aquilo ali é um lugar esquecido por Deus; o fim do mundo; o lugar onde o Judas perdeu as botas; onde o vento faz a curva.” “Em Zé Gomes”, dizia à mulher, aliviado, e sem se importar se ela concordava ou não, “nunca seremos encontrados; ficaremos sãos e salvos, por toda a vida.”
“Por toda a vida...” Lígia não conseguia dormir. Era muito tempo. E se tentasse uma nova sorte? Não, não era uma boa ideia. Ela agora tinha as crianças, e uma barriga de mais outra que não demoraria em vir; também não era mais tão nova, e nem bonita. Achou-se feia e cansada. “Quem haveria de querer esse estrupício que me tornei?” Pensava, resignada, aguentando a sua sorte bem merecida.
E a vida seguia.


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