35.
Contra os críticos de(nas) arte(s)
Crítico de arte (ou de artes) é aquele que, grosso modo, e à mesma, pouco ou nada faz; mas pensa que faz, criticando os que fazem, realmente. E alguns chegam a ganhar muito bem para “falar muito mal” – ou o contrário – deste ou daquele artista, conforme a tendência dominante do mercado cultural (ou Indústria Cultural) de cada região, estado, pais (cf. Theodor W. Adorno, Ueber Fetischchrakter in der Musik und die Regression des Hoerens [Sobre o caráter fetichista da música e a regressão da audição], ensaio de 1938)*. Ora, a boa arte ou a arte ruim (é caro dizer), nada mais são que adequações ao “gosto” individual e à ideia que, em cada indivíduo, é irremediavelmente subjetiva, sem parâmetro definido por “qualquer” ponto estético-fixo, número áureo, eixo comum, et cetera. Quem pode medir o que é o belo, o feio? Somente Eu, para mim; você, para você. E mesmo assim, por qual parâmetro? Nenhum! Vladimir Mayakovsky, repetindo os antigos poetas, os trágicos gregos, dizia que “a arte não é um espelho para refletir o mundo, mas um martelo para forjá-lo.” Sentido que, antes, em Nietzsche, já havia sido defendido naquele que seria o seu primeiro livro escrito, o Die Geburt der Tragödie oder Griechentum und Pessimismus, escrito em 1872. C. S. Lewis, mais tarde, usará a mesma metáfora de Mayakovsky, em The problem of pain (1940), colocando o homem no lugar do mundo, e no lugar da arte, o sofrimento. Enfim, e com as insistentes exceções, parece que os pensadores estão sempre andando por este caminho, e os críticos, por outro. Mas, qual? Eles não sabem, por certo. Novamente se cai na falta de parâmetros – ou então se volta ao pouco válido “eu acho...”. Não há também, ao menos que eu saiba, um curso universitário de... “Crítica da/s Arte/s”. E mesmo que houvesse, pelo que se nota na atualidade. Resultado: os mais aptos a tratar sobre arte, não são artistas. Paradoxo? E se um artista crítica negativamente a arte de outro, um terceiro poderá dizer que ele faz isto porque, em sua própria arte, vê-se frustrado. E talvez outro, ainda, aponte-lhe o feito como... “falta de ética profissional”, exibicionismo, inveja do (se houver) sucesso alheio. Ironia?
O grande problema dos críticos, problema mesmo, é que alguns acreditam realmente que têm uma leitura abalizada sobre isto ou aquilo, de modo a ser recebida por pessoas de igual verve intelectual, bom gosto não duvidoso, sagacidade apurada; e há, inclusive, grupos que se associam com a finalidade de ganharem força, respaldo popular. Entre os que apreciam as artes – julgando-as divinas ou não, conforme os seus gostos – e os que acreditam portadores dos meios de divinizá-las ou demonizá-las, há diferenças. E a diferença entre uns e outros é que, os críticos, evidentemente, acreditam-se mestres da balança, do jeito extensivo. Quem tem razão é o maestro Artur da Távola (in memoriam), dizendo que, “na história, não se registram os nomes dos críticos, mas dos criticados”. A pergunta que faço, para não ir tão longe: como, porém, criticar os críticos sem criticá-los? Não sei a resposta ao paradoxo gritante; mas penso que, de algum modo, e pelo exposto, mantenho-me a salvo na intransponível individualidade. E, melhor que ser o crítico de arte, é ser o artista.
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* Theodor Wiesengrund-Adorno (1903-1969) nasceu em Frankfurt, Alemanha. Aí fez os seus primeiros estudos, e tempos depois, na universidade da mesma cidade, obteve o título de doutor em Filosofia (1923), com uma tese sobre Edmund Husserl (1959-1938). Em Viena, estudou composição musical com Alban Berg (1885-1935), considerado, pela crítica especializada, um dos maiores expoentes da revolução musical do século XX.