segunda-feira, 4 de julho de 2011

28.


O Ser, a palavra e a garganta cortada


Não ter nada a dizer é, ainda assim, dizer algo, e ser a “coisa” que “nada diz”. Homens e mulheres são, essencialmente, palavras. Palavras são, mais que sinais – ou sinais de sinais (conforme diz Agostinho de Hipona no De Magistro) –, Ser. A palavra é a casa do Ser. Heidegger sabia disso – repare nos estudos que ele faz sobre Parmênides, e sobre Hölderlin –, e os semitas também, de uma perspectiva bem mais vital. Sim!, a “alma vivente” (nefesh hayyah, que existiria por ação do “Sopro” divino), tal relatado no Gênesis, alimenta-se pela “garganta” (lugar da “palavra” [como as emoções, que “moram” no coração] e da morte fácil, na degola), que também está relacionada à respiração, laringe, etc. Indo além, e em um sentido mais concreto, nefesh ainda pode ser relacionada à fome, desejo, avidez, cobiça, afã, sede de vingança, etc.; esbarrando, necessariamente, e como designação pronominal da primeira pessoa do singular, no EU (que deseja com todo o sEu ser). E daí o sentido antropopsicosociológico para a “morte social” (Norbert Elias) do indivíduo longe da comunidade (outsider) – sem voz, sem fala, sem o ouvido do Outro, ou sua atenção recíproca. Ora, mesmo na gramática, as palavras, isoladas umas das outras ou do seu grande contexto, são nada. Nada (logo algo) no sentido de desvalorado pelo conceito do ter (ou valer) que o Outro lhe atribui, lhe concede. O mais autêntico do indivíduo, portanto, é a inautenticidade do ser-para-o-outro – que acaba sendo, no final, a supervaloração do Eu, refletido no Outro, que não é mais que objeto para a Vontade de ser-si-mesmo do mesmo Eu. Acontece que, na grande disputa do viver si-mesmo, e contra os nossos desejos mais profundos, todos são objetos de todos... e ninguém deseja ser isto que se é. Mas (ah!, a velha e inevitável conjunção adversativa!) o Eu carece do nada, para que ele mesmo se reconheça como algo; e o que sente-se um nada precisa do (ou de...) “algo” que lhe poderá fazer deixar de sê-lo. Daí, por fim, o grande sentido para um poema que li, em um adesivo, no interior de um ônibus em Porto Alegre: “Até para ser nada o homem tem que entrar na fila, com hora marcada.”


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