domingo, 10 de julho de 2011

33.



Eu, Nietzsche e Lou



Nossas percepções individuais são os únicos meios que dispomos para falar sobre o Mundo, na experiência do Eu ante o objeto amado, ou odiado – que dizemos “nosso”, de um modo ou de outro. E o que é a verdade do Outro senão as suas próprias percepções, mesmo aquelas que são ditas na primeira, na segunda ou na terceira pessoa. A máxima do egoísmo é também a máxima da verdade experiencial: “O mundo gira em torno de mim.” E não é assim para todos? É. Sou, para mim mesmo, planície ou abismo – dependendo sempre da ocasião. Enquanto não encaramos o abismo da completa solidão do Eu, tememos esse vazio inominável que todos, em todos os lugares, por medo ou por ignorância, chamam por tantos e tão variados nomes... o Sagrado. “Encare o abismo e o abismo começará a lhe encarar também!” E como haveria de ser diferente? Mesmo Nietzsche, armado com uma filosofia da liberdade, construída à base de marteladas, foi também, ele mesmo, um criador de ídolos; sendo o maior deles a sua própria projeção, divinizada – como disse Lou Andreas-Salomé em: Nietzsche em suas obras (Friedrich Nietzsche in seinen Werken), escrito em 1894, e respaldada pelo próprio. Ela que, talvez, conforme um biógrafo seu (H. F. Peters), pode ter parte na loucura amorosa do pensador alemão. Ela que, no muito que escreveu, recomendou, em um poema:

........Ouse, ouse... ouse tudo!!
........Não tenha necessidade de nada!
........Não tente adequar sua vida a modelos,
........nem queira você mesmo ser um modelo para ninguém.
........Acredite: a vida lhe dará poucos presentes.
........Se você quer uma vida, aprenda... a roubá-la!
........Ouse, ouse tudo! Seja na vida o que você é, aconteça o que acontecer.
........Não defenda nenhum princípio, mas algo de bem mais maravilhoso:
........algo que está em nós e que queima como o fogo da vida!!

........Ela que, por fim, e ainda conforme Peters, não sabia ser fiel a mais ninguém senão a si mesma. A liberdade requerida, para mim ou para o Outro, é o cúmulo do egoísmo. E não basta a divisão metódica (egoísmo psicológico, egoísmo ético”) ou o neologismo forçado (“egotismo”), usado por Miguel de Unamuno e George Santayana. Vale menos ainda, o termo, em seu sentido vulgar; tal introduzido pelo alemão Christian Wolff, ao falar sobre a “seita dos egoístas” – surgida pouco antes de ele lançar seus Vernünftige gedanken von Gott, der Welt und der Seele des Menschen, em 1718. Esqueça tais sentidos, e mais outros que porventura possam ser lembrados. Sem classificação aparente, tudo cabe no Eu, por um ou outro viés. Dele, não somente é impossível fugir como, também, pensar no Outro senão com o nosso estranhamento, nossa reserva (que tantos negam, dizendo que, não), nosso cuidado: para o nosso sorriso franco ou àquele outro, dissimulado; para a nossa atração ou repulsa – coisas que sempre se confundem (co-fundem) em alguma parte do caminho: como a fome e a saciedade, o sono e a vigília, a excitação e o tédio.


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