46.
Das vantagens do ser idiota
“Se uma pessoa é diferente, é fatal que se torne solitária”, Huxley (Aldous) escreveu isto para o seu Admirável mundo novo, de 1932. Em um reino de idiotas, um sábio seria a pessoa mais infeliz do mundo. Acontece que sabedoria não traz felicidade, mas solidão, e a antipatia dos idiotas que, grosso modo, sabem ser bem felizes com o bem pouco de que dispõem – que não inclui, naturalmente, o pensamento sobre a justiça sempre ausente, e “aquele outro” que subtrai o seu bendito sono pelas madrugadas. Que vale mais, pois: ser o sábio ou o idiota? Certa vez, santo Agostinho, andando pelas ruas de Hipona e refletindo sobre o que seria a verdadeira eudaimonía, pensou se aquele bêbado que via, ali, à sua frente, feliz da vida, não estava, neste mundo, muito melhor que ele. Constatou que, dado à temporalidade do efeito do álcool e da ressaca que haveria de vir, o tal homem não poderia realmente estar feliz, somente alegre. Ele, porém, peregrino que era neste vale de lágrimas, no permanente serviço dispensado à Igreja, embora fustigado pelo labor intelectual e pela lida diária em favor dos outros e de si mesmo, para que todos eles chegassem às bem-aventuranças eternas, ao lado de Deus, era – só podia ser – mais feliz que o beberrão, pobre miserável. Mas, e se não houver esta recompensa prometida pela religião cristã para o mundo post mortem? – alguém poderia colocar a questão, e a colocaria muito bem –, quem, no tempo presente, estaria em melhor situação? O problema, a partir daí, e assim posto, entra na disputa conceitual que requer uma resposta que não a da fé, somente; uma que responda: o que é felicidade, afinal? É; felicidade é mesmo uma palavra muito comprida. Imagine se você fosse obrigado a repetir: “eu sou feliz!”, por sessenta e duas mil vezes, imagine... Quando parasse, veria que, agora – sim, sim, oh, sim! –, era mesmo muito feliz. Huxley também disse isto, com um outro sentido: “Sessenta e duas mil repetições fazem uma verdade.” Vai que é, não é?!