quarta-feira, 10 de agosto de 2011

42.



Da solidão do solitário



21 de agosto de 1865, 5 horas da manhã. Richard Wagner está nas montanhas, em uma pousada que o seu amigo Luís II da Baviera lhe emprestou, longe de Munique, nas encostas do Hochkopf. Ali, longe de sua amada Cosima, escreve a seguinte nota em seu Caderno marrom – que é um diário, dedicado à amada: “Afastado de ti, aproximei-me ainda mais de tua pessoa. Sinto isso! Tu és, para mim, minha única e meu tudo. Volta e tudo ficará bem.” Não ficaria. Não ficou.
..........Exemplo da espécie, o homem treme de pavor diante da solidão – da qual é e está sempre sujeito, sujeitado. Não há nada além do Eu – mesmo quando em relação com o Outro (a quem diz amar, podendo odiar ou ser indiferente), e com o Mundo (que é onde o Eu encontra o Outro, e a si mesmo). Para fugir de tal temor, inventaram-se “coisas”: clãs, tribos, cidades, os Estados, os partidos, os deuses, as religiões, et cetera. E para fazer frente ao trágico que impera sobre tudo, que quer esmagar o Eu, a arte foi, para os gregos, inicialmente, a grande saída. Mas, o que é a arte?
..........Seja lá o que for, é ela que transfigura a desordem reinante do/no Mundo, fazendo com que a vida, embora terrível e problemática, seja suportável. No Mundo, tudo dança aos pés do acaso. Se o Outro não é invenção, mas consequência, a relação com ele, sim – bem como com as coisas que escapam às análises miúdas da nossa razão instrumental: Deus, os anjos, as entidades supralunares, et cetera. Ágape, o amor sublime, sublimado, tão eficazmente inventado como Ideal, Perfeito, foi, como afirma Nietzsche, uma dose de veneno contra Eros: “O cristianismo deu a Eros veneno para beber – ele não morreu, é verdade, mas degenerou-se em Vício.” (Além do bem e do mal, 4, 168). Contudo, e por mais que se produza o ópio cotidiano, o trágico não se vai; e nem a nossa enorme solidão; apenas esconde-se, calada – como um gato que espreita o passarinho. Na hora certa, ela pula sobre nós, e desfalecemos em suspiros e olharem compridos janela afora. E se não houver mais ópio, e nem novas mentiras aos nossos sentidos, sempre haverá alguma arma por perto, e o seu disparo – como no caso do pobre Werther; como no caso do jovem Tristão; como no caso de Romeu; como no caso do Cristo, por amor à sua Igreja... Tanto mais sublimado o amor, tanto mais mentiroso e perigoso ele é. A besta que habita em todos nós não tem nada de sublime, nada de romântico, nada de belo, nada de leal, nada de verdade senão a verdade de si-mesma, para si-mesma: sua vontade; a besta que habita em todos nós está sempre caçando a sua presa, e caça sozinha.


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