3. Escousses estético-analíticos
40.
Da estética e do fundamento da “ideia de estética”
Estética, que é a “teoria do belo”, vem do grego aisthesis, que significa “faculdade de sentir”, “compreensão pelos sentimentos, pela intelecção” e, ainda, “percepção totalizante”. Trata-se, portanto, da teoria da percepção dos padrões distintivos entre um e outro valor e, logo, da percepção hierárquica dos sentidos. Aplicada à(s) arte(s), a estética faz juízo do seu objeto, classificando-o conforme o valor da percepção crítico-individual que considera o tempo, o espaço, os valores simbólico-objetivos (custo, técnica, público destino, outros...) et cetera. Sendo a “beleza” um termo dos mais subjetivos, o valor da estética aplicado à(s) arte(s) gera conflitos insolúveis: o que é lindo, para A, pode ser um horror, para B. Alguns autores – e vou com os tais –, afirmam que a arte escapa a todos os conceitos, sendo percebida apenas intuitivamente (uma espécie de tribunal interno), e fruída ao critério de cada um, do gosto individual (que, outro, pode questionar; se se leva em conta os níveis qualitativo-quantitativos como: educação, classe social, afinidades com o tema, et cetera). Não obstante – e esta é, certamente, a maior das antinomias aplicadas à(s) arte(s) –, os valores existem (mesmo que os critérios sejam questionáveis); e existem para que seja possível fazermos uma distinção elementar entre o que seja um poste de luz elétrica na via urbana e um poste de luz elétrica nalguma instalação nalguma exposição nalgum salão de artes; e existem para que, eu e você, por algum mecanismo íntimo, possamos saber o que, em se tratando de arte(s), pode ser, ao menos para nós, um luxo ou um lixo. Mesmo que o valor de uma obra esteja consignado ao nosso juízo (ou a aceitação de um juízo externo), parece que, sim: há “um valor” – que pode facilmente ser notado em seus tantos contrapontos. Em Awful art (Scholastic Ltd., 1997), Michael Cox conta que, certa vez, em Paris, durante um jantar dos futuristas (grupo de poetas e artistas surgido no começo do século XX), o italiano Fillippo Tomasso Marinetti, poeta e líder do grupo, teria afirmado: “Toda arte antiga deve ser destruída, e da forma mais violenta possível.” No diálogo imaginado (embora ocorrido, de outro modo) por Cox, Marinetti, empolgadíssimo, fala aos amigos:
..........MARINETTI – Até destruirmos a arte do passado não pode haver arte
..........moderna. Temos que ir ao Louvre!
..........OUTRO – Isso! Vamos apreciar a arte!
..........MARINETTI – Apreciar não, seu doidão! Vamos até o Louvre... queimar
..........a arte! Queimem o Louvre! Queimem o Louvre!
..........OUTRO – Vai ser a fogueira mais artística que já se viu!
..........Somente depois de morto, há quase cem anos, foi que as telas de Vincent van Gogh começaram a ter o valor que, hoje, têm. Tudo teria começado na casa de leilões Christie’s, em Londres, quando uma de suas pinturas de girassóis foi vendida por cerca de 42 milhões de dólares. Meses depois, um bilionário australiano pagaria mais de 50 milhões de dólares pela tela Íris. E as reproduções desses mesmos quadros enfeitam, agora, milhares de casas por todo o mundo. Mas o seu autor, o pobre Vincent, para não morrer de fome, alimentava-se frequentemente de biscoitos de marinheiro (farinha de trigo, água e sal) e ovos, e só. Uma vez, no desespero, comeu suas tintas, tentando envenenar-se. É que suas pinturas, com pinceladas enérgicas, grossas camadas de tintas coloridas e pulsantes, estavam muito à frente do seu público, no final do século XIX, que às considerava grosseira, espalhafatosa e de extremo mau gosto. As mesmas que, agora, são consideradas geniais – avaliadas entre 65 e 85 milhões de dólares, mesmo a mais singela dentre elas. Na grande História da Arte, e com frequência, o Tempo não é amigo do artista genial; e nem os seus críticos.
..........“Isto não é bonito, não é bom!” Por qual critério diríamos? Por qual parâmetro? O pergunta pelo fundamento do valor estético. Ah!, isso sempre independe dos consensos acerca do que, inescapavelmente, seja mera percepção da nossa individualidade estética. Mesmo assim, a arte, como a História (que precisa ser dita), precisa ser vista, avaliada. No final das contas, o grande problema não é o da estética, mas do seu fundamento, e da verdade/realidade de “tal fundamento”.