6.
Lou Andréas-Salomé (1861-1937), que foi aluna de Freud, em um livro de 1910 – Die Erotik (O erotismo) –, expõe em grandes linhas essas noções de Vontade/amor/instinto de preservação. Lou foi, dentre outras artes, considerada responsável pelo suicídio de Paul Rée (ele atirou-se a um precipício, em 1901), por influenciar na loucura de Nietzsche (há quem conteste tudo isso, é claro) e de Reiner Maria Rilke – nome com o qual ela o rebatizou, em lugar de René, que julgava meio efeminado. Rilke também cometeria suicídio, afogando-se num rio, em 1926. Tanto a morte de um quanto as loucuras dos outros, conforme dá a parecer H. F. Peters, em My sister, my spouse – a biography of Lou Andreas-Salomé (1962), foram causadas pelo amor que todos lhe tinham, sem que pudessem possuí-la, como queriam 26 – e não existe amor sem sentimento de posse, só o ágape, mas o ágape é Idealismo. Lou, que tinha insaciável gana de liberdade, era inquebrantavelmente fiel a si mesma e, por isso, era incapaz de ser fiel a qualquer um que não a si-mesma; rejeitava a fidelidade por amor à fidelidade, pois, do contrário, trair-se-ia 27. É que o amor, para Lou, como já foi dito por toda parte aqui, é tão somente nosso instinto mais primitivo, coisa biológica que a razão explica, mesmo que queiramos complicá-lo com sublimidades extramundanas. Sim; a idealização que dele, às vezes, se faz, escapa ao seu mais intrincado fundamento – e aí o erro de amar demais, perder-se no (ou de) amor 28. “Para Lou”, diz H. F. Peters, “o amor sexual é antes de tudo uma necessidade física, como a fome ou a sede, e só pode ser bem compreendido se for considerado assim. Tendo raízes no subsolo de nossa vida, vamos encontrá-lo associado até mesmo aos processos puramente vegetativos do nosso corpo, como os sonhos. É uma força animal, pura e simples, mas no homem, animal superior, a pulsão sexual está combinada com uma influência mental que provoca uma excitação nervosa. A pulsão sexual transforma-se então em sensação. Isso leva a idealização romântica do amor e ao desejo de sua permanência. Exigimos daqueles que amamos uma fidelidade eterna” 29. Nem que tal fidelidade seja à nossa própria idéia infiel.
7.
Freud foi amigo pessoal e professor de Lou. Ela, em 1931, dedicou-lhe o livro Main dank na Freud (Minha gratidão a Freud). O pai da psicologia, mais adiante, confirmaria e ampliaria as teorias românticas de sua discípula. Teorias que já podiam ser vistas em Darwin e Schopenhauer, e nos seus contemporâneos Nietzsche e Rilke, de quem ela foi mais que uma... amiga. O amor, para Lou, é uma necessidade humana, e não tem beleza nenhuma senão esta mesmo: da vida que pulsa, que quer viver. O amor de Lou é interpretado por Peters naquela mesma noção tão schopenhauereana: “Na realidade, porém, toda necessidade humana é logo satisfeita e reclama, a grandes gritos, uma modificação. O amor realizado morre de saciedade”30. Mas, disso, já tratamos aqui.
26 Em relação a esse desejo de posse do que ama pelo objeto do seu amor, Schopenhauer diz que “hay un instinto muy determinado, muy manifesto, y sobre todo muy complejo, que nos guía en la elección tan fina, tan seria, tan particular de la persona a quien a quien se ama, y la posesión de la cual se apetece” (SCHOPENHAUER, 1993, p. 52).
27 Para tais considerações: PETERS, H. F. Lou: minha irmã, minha esposa. Trad. de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1986. p. 232.
28 A idéia de um amor de perdição, num sentido sublimado, aparece por toda a obra de Agostinho de Hipona (354-430): é perdendo-se no amor de/a Deus que, a mim mesmo, me encontro. Neste sentido, os nove primeiros livros das Confessiones – redigido de 397 a 401 – são exemplares. No sentido romântico-mundano, mas ainda mantendo a sublimidade que a obra de Agostinho consagra em um nível mais espiritual, evidentemente, o português Camilo Castelo Branco (1825-1890) fez a expressão ficar mundialmente conhecida com a novela Amor de perdição, de 1862.
29 PETERS, 1986, p. 224.
30 PETERS, 1986, p. 225.