segunda-feira, 11 de outubro de 2010

3.

Essas noções da Vontade/amor/instinto de preservação, mais adiante, serão desenvolvidas por Freud – quando ele trata sobre o inconsciente, por exemplo22. Nas palavras de Roberto Rodríguez Aramayo: “El concepto schopenhaueriano de voluntad es tan sencillo como complejo al mismo tiempo. Es caracterizado como lo radical, la naturaleza o esencia íntima de las cosas, el ser em sí del mundo. Se trata del corazón mismo del universo, del magma que late bajo la Naturaleza, de algo que, ‘considerado puramente em sí, constituye um apremio inconsciente, ciego e irresistible’. Esta última definición, tan emparentada com la libido freudiana, bastaría para prerguntarse si acaso nos encontramos ante un pionro de las indagaciones psicoanalíticas, máxime teniendo em cuenta el interés demostrado por los hipnóticos y la vida onírica, esto es, los dos primeros caminos recorridos por Freud en su intento por atisbar el inconsciente. La cuestión parece clara incluso para el proprio padre del psicoanálisis, quien llegó a reconocerlo com estas palabras: ‘Sólo una minoría entre los hombres se ha dado clara cuenta de la importancia decisiva que supone para la ciencia y para la vida la hipótesis de procesos psíquicos inconscientes. Pero nos apresuramos a renombrados filósofos, ante todo a Schopenhauer, el gran pensador cuya ‘voluntad’ inconsciente puede equipararse a los instintos anímicos del psicoanálisis, y que atrajo la atención de los hombres con frases de inolvidable penetración sobre la importancia, desconocida aún, de sus impulsos sexuales’”23.

Freud era casado com Martha Bernays (1861-1951), com quem vivia muito bem. A única coisa que Freud detestava era a religião (a judaico-cristã, em particular) e os Estados Unidos. Conhecido como “o pai da psicologia” – que significa, literalmente, “falar sobre (ou estudar) a alma” –, Freud acreditava ser possível compreender e tratar certas doenças mediante a análise da alma, ou da mente. Ateu proclamado, ele acreditava que as pessoas eram constituídas de mente e corpo, e só24; sendo a mente uma parte do corpo. Isso quer dizer que um problema mental pode, de várias maneiras, atingir o corpo; e o tratamento mais adequado para o tal problema pode não ser aquele que é administrado diretamente ao corpo, mas à mente. Freud, por isso, comparou o seu trabalho à arqueologia: ele escavava a mente humana em busca de coisas ali enterradas, encobertas. E foi assim que ele desenvolveu as teorias do inconsciente e do complexo de Édipo.

Numa viagem que fez a Paris (1885-86), com a finalidade de observar os trabalhos de Jean-Martin Charcot (1825-1893) – que havia descoberto que, sob o efeito da hipnose, poderia fazer sumir os sintomas dos seus pacientes histéricos, como também, caso quisesse, poderia fazer tais sintomas aparecerem em pessoas saudáveis –, Freud se convenceu de que o problema de muitos daqueles pacientes (como a paralisia, por exemplo) não eram físicos, mas mentais. Ele, todavia, não adotaria a hipnose como tratamentoembora tenha se utilizado dela por um curto período. Permitindo que as pessoas falassem, simplesmente, Freud desenvolveu o método da livre associação: por meio do que dizem, as pessoas, inconscientemente, revelam algo sobre a raiz (ou o fundamento) dos seus problemas.

4.

Caso famoso desse método é o do “homem dos ratos”. O tal homem, muito gordo, decidiu que tinha de perder peso. Deixou de comer doces, passou a correr ao sol e escalar montes até ficar exaurido. Acontece que a palavragordo”, em alemão, é “dick”; e Dick era o apelido de Richard, um primo seu, americano. O “homem dos ratostinha ciúmes de Dick, que demonstrava demasiado interesse por uma garota que era o amor da sua vida. Assim, livrar-se da gordura significava, para ele, livrar-se de Dick. Fazendo dieta, ele não castigava a si mesmo, mas a Dick, seu oponente.

5.

Nós também, inconscientemente, fazemos isto o tempo todo: o Outro, que nos oprime, nós o punimos em nós mesmos. É assim que, quando você ouve uma canção de amor ou chora por um amor que perdeu, ou por aquele amor que nem mesmo chegou a serseu”, você está se (auto)comiserando, punindo o Outro que está em você – na saudade dolorida ou no ódio reprimido, recalcado. O mesmo acontece quando alguém está bebendo para, embriagado, esquecer de um problema qualquer. Essa “fuga”, ou punição do Outro, em nós mesmos, acontece de muitas e variadas maneiras. Mas acontece que, mesma a nossa autopunição é fundada (ou fundamentada) no amor-próprio, o que seria outro nome para o instinto de preservação, a Vontade de permanência – é a competição da Vontade pelo estabelecimento da melhor espécie, do mais apto. Mais adiante, ainda tratando sobre a influência da “teoria do amor” de Schopenhauer sobre Freud, Rodriguez dirá: “Otra cosa es que al pionero se le quiera ver como a una musa. Eso es algo a lo que Freud no parecía muy dispuesto, como apunta en su Autobiografía. ‘Las amplias coincidencias del psicoanálises con la filosofía de Schopenhauer, el cual no sólo reconoció la primacía de la afectividad y la extraordinaria significación de la sexualidad, sino también el mecanismo de la represión, no pueden atribuirse a mi conocimiento de sus teorías, pues no he leído a Schopenhauer sino en una época muy avanzada ya de mi vida’. Freud prefiere declararse ignorante y confessar un déficit de lecturas, antes que renunciar a la gloria de atribuirse un descubrimiento. Saliendo al paso de las afirmaciones que señalan a Schopenhauer como una notable influencia de la teoría psicoanalítica, no dejará de admitir su parentesco intelectual, pero insistiendo en lo hecho de que no conocía previamente su pensamiento y, por lo tanto, no lê guió en unos descubrimientos que no desea compartir”25.

Continua...


22 Abbagnano, por exemplo, ao tratar sobre o inconsciente e a sexualidade, em Freud, afirma que: “É ponto pacífico que a grande descoberta de Freud tenha sido a do inconsciente, isto é, dos fatores psíquicos que não afloram à consciência e por isso permanecem fora do campo atual da consciência, embora atuem às escondidas dentro dele. Ma já em 1869 Eduardo von Hartmann publicara uma Filosofia do inconsciente que teve enorme sucesso na cultura alemã e foi seguida por numerosas obras até os primeiros anos do século vinte. Hartmann (que declarava expressamente depender de Schelling e Schopenhauer) via no inconsciente o princípio absoluto da vida humana em todas as suas manifestações. (ABBAGNANO, Nicola. O inconsciente e a sexualidade (Freud). In: A sabedoria da filosofia. 2. ed. Trad. de Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes, 1991. p. 32. (Col. Tempo e Religião).

23 ARAMAYO, Roberto Rodríguez. Estúdio preliminar. In: SCHOPENHAUER, Arthur. Metafísica de las costumbres. Introd. Trad. e notas de Roberto Rodríguez Aramayo. Madrid: 1993. p. XXII-III. (Col. Classicos del Pensamiento). Para a citação de Freud, ver: FREUD, Sigmund. Una dificultad del psicoanálisis. In: Obras completas. Trad. de Luis López-Ballesteros. Madrid: Biblioteca Nueva, 1972-75. v. 7, p. 2436.

24 Na verdade, Schopenhauer já identificara, como vimos (cf. nota nº 2), o eu ao corpo (eu-corpo), e o corpo ao mundo (corpo-mundo), e concluíra, partindo dos sentimentos imediatos deste último, “que a essência íntima de cada coisa é a Vontade”. Assim, em relação ao eu/corpo, “Schopenhauer está partindo da própria subjetividade egótica como os demais filósofos do idealismo alemão, embora lhe imprima dimensão novíssima de tratamento, ao acrescentá-la de sua qualidade corpórea. A inversão que este passo imprimiu ao idealismo não foi sequer percebida por seus contemporâneos, e ainda hoje se coloca a Nietzsche e a Freud como os promotores desta descoberta decisiva para o pensamento. A verdade é que no contexto da crítica de Schopenhauer ao idealismo, seria só a partir desta identificação entre eu-corpo e corpo-mundo, cristalizada na metáfora renascentista do microcosmo, que o escrito filosófico ver-se-ia investido da força iniludível de uma necessidade interior que, a partir daí, lhe marcaria o tom, ou melhor, a forma própria do pensar” (MAIA-FLICKINGER, 1996, p. 541). Schopenhauer, uma geração antes de Darwin e 60 anos antes de Freud ou Nietzsche, foi, de fato, o primeiro a apontar as razões inconscientes e biológicas para o amor.

25 ARAMAYO, 1993, p. XIII.

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