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Claude Lévi-Strauss, o antropólogo e filósofo francês que morreu em Paris no dia 30 de outubro de 2009, dedicou parte da sua vida (1935 a 1939) a estudar certos aspectos da cultura indígena brasileira, país que dizia amar; país da Rita Lee, que vestia tanto as calças Lee (criadas pelo americano Henry David Lee, em 1889) quanto o “Blue Jeans” criado em 1872, pelo teuto-americano Levi Strauss, que nada tem a ver com o primeiro Strauss, e menos ainda com o compositor alemão, Richard Strauss – criador do poema sinfônico Also sprach Zarathustra, Op. 30, baseado na obra, homônima, de Nietzsche, e que ficou conhecidíssimo depois de aparecer como tema de abertura no filme 2001: a space odyssey, de Kubrick.
Do segundo Strauss, que nunca fez um poema que se respeite, e nem pensou sobre os primeiros habitantes deste país de papagaios, bananas e macacos, era a marca Levi’s. Na década de 1950, a Levi’s usava uma publicidade que propunha, com suas calças, “Dá ao homem algo da mulher, e à mulher, algo do homem”. Uma proposta que, andrógena, parece propor uma equiparidade genérica, unindo os sexos numa peça só, unissex.
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Essa feminilidade do masculino e masculinidade do feminino foi o primeiro tema/capítulo da sessão “Sexo explícito”, no livro Contra natura: ensaio de psicanálise e antropologia surreal, de 1999, de Oscar Cesarotto. Aí, e à pergunta: “Qual é o papel da feminilidade dentro da sexualidade feminina?”, Cesarotto responde: “Que uma mulher seja feminina não é redundância, porque poderia assim não ser. Como se sabe, algumas mulheres são femininas em maior ou menor grau que outras. As outras são os reflexos nos quais cada uma delas pode medir seu narcisismo. Alienadas naquelas distintas delas, todas as mulheres rivalizam com sua semelhantes, invejando a performance alheia, sempre melhor. Ao mesmo tempo, todas e cada uma são capazes de se acreditar inteiras e sem mácula nenhuma. Estes transitivismos têm a sua origem numa identificação primitiva, maternal e arcaica (Alma Meter), cuja alteridade deve ser, necessariamente, outra coisa que elas procuram para além do espelho, porque uma comparação exclusiva entre mulheres não dá lugar a certeza alguma.” É, não dá não!
É por isso que, aos homens, mas não com exclusividade, cabe a tarefa do cortejo, que fazem-no com olhares, com flores, com chocolates, et cetera. Se, por um lado, o travestismo feminino consignado pelas calças Levi’s promoveu aquela tal equiparidade, por outro, o cortejo masculino ainda confirma a fêmea cortejada – o contrário daria no mesmo –, elegendo-a dentre tantas, aceitando-a como uma diferente que, igual ao cortejador sobre outros aspectos (o da moda ou dos gostos, por exemplo), complementa-o. A teoria parece boa, e nítida; mas a prática não é tão nítida assim.
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Há, hoje mais que antes, uma crise de gêneros; fala-se, inclusive, numa “crise do macho”; mas há, também, embora pareça um discurso machista, uma “crise da fêmea” – com o fito de ganhar espaços, algumas mulheres têm se masculinizado, perdido o norte do que seria uma “relação familiar”... que também está em crise por causa dessas crises anteriores. Cada dia é mais fácil perceber que a propaganda que prometia “dar ao homem algo da mulher, e à mulher, algo do homem”, como não é costume às propagandas, não era enganosa. Isso é fácil de notar, por exemplo, na mudança geográfica que houve na colocação do zíper nas peças da Levi’s e, por seu sucesso, em tudo o que era jeans. Se, antes, nas peças femininas, o zíper vinha fixado na lateral, com o progresso do feminismo (ou o declínio do machismo) ele seria deslocado para a entreperna, anulando aquela diferença do sexo mirado, feito alvo.
Tais mudanças da/na moda, no vestuário feminino, denunciam, além das mudanças sexistas, a adequação do corpo à cultura, como mecanismo de encobrimento e propaganda. Não é à toa que o Marquês de Sade, um dos pioneiros da revolução sexual e um dos primeiros a ter uma visão moderna da homossexualidade, na sua La philosophie dans le boudoir, de 1795, faz a seguinte notação: “Sem dúvida, o costume de vestir-se teve dois únicos motivos: a inclemência do ar e a coqueteria das mulheres; estas acharam que perderiam rapidamente todos os efeitos do desejo se não os previniam antes de deixá-los nascer. Perceberam que a natureza não as tinha criado sem defeitos, e se asseguram de ter todos os meios de agradar, ocultando estes defeitos com adornos; o pudor não foi, portanto, uma virtude, senão uma das primeiras consequências da corrupção, um dos primeiros recursos da esperteza das mulheres.”
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De fato: o erotismo reclama a beleza como condição, pré-condição; a beleza, para o erótico – para o desejo, portanto -, precisa de certo encobrimento; que senão vem o “acostumar-se com ela” e, aí, seu suplício, seu cadafalso. O órgão reprodutor, em si, não é coisa bonita. E embora ele seja buscado com afinco, antes, o que se vê, não é ele mesmo, mas o rosto do seu dono ou da sua dona, seus adereços e, às vezes, seu dote: propaganda. Leonardo da Vinci, no seu Diário - que poderíamos chamar de uma biografia psicanaliticamente orientada -, faz a mesma constatação: “O ato da cópula e os membros de que se serve são de uma fealdade tão grande que se não houver a delicadeza dos rostos, os enfeites dos participantes e o ímpeto desenfreado, Natura perderia a espécie humana.” Assim, e para não irmos tão longe, concluímos: o desejo sexual e os seus mecanismos (a moda, o engodo, o disfarce, et cetera) são como os enfeites do véu de Maya; o pudor é a demonização da Natura (Tabu), para que se pense no “antinatural” como coisa sublimada, real, e, assim, ele seja inconscientemente mantido como aquele buraco da fechadura, e a frase acima, provocativa: Não olhe!
Do amor romântico, do amor ao conhecimento, da cultura e da moral cristã-ocidental e da Verdade de/em tudo isso, para a moderna Modernidade, o Die Welt als Wille und Vorstellung, escrito em 1818, ainda é resposta e fundamento. De fato: tudo o que Nietzsche, Lou-Salomé e Freud dirão sobre o amor, depois de Schopenhauer, é mera repetição e acréscimo. Schopenhauer: essencial.
Fim do Artigo 2. A seguir (em fragmentos) o Artigo 3, final.