quinta-feira, 29 de março de 2012

51.





Da nossa pressa de viver



Magdala me chamava de Passarinho, enquanto eu voava pelo azul dos olhos dela. Amava a sensação, como quem ama a beatífica promessa de um amor perdido que foi achado. Mas, ah!, como estão perdidos os que pensam haver encontrado algum amor no amor de (ou por) uma mulher! Se amar bastasse”, diz Albert Camus, nO mito de Sísifo (1942), as coisas seriam simples. Quanto mais se ama, mais se consolida o absurdo”. 
Uma noite a encontrei, completo acaso, depois de estarmos em festas diferentes. Tanta gente, e estávamos sozinhos, no final. Foi entre as despedidas que nos beijamos. Primeiro beijo. Último beijo. Caso que não é para ser, tipo romance de verão, dado no inverno.
Em julho de 2011, Magdala completou 23 anos, entre os gatos e as estradas. Quando agosto chegou, o carteiro lhe trouxe um bilhete, de outro que também a amava, a seu modo. Nele, com a data do dia 28, estava assim:

Magdala,
É preciso celebrar. Somos bonitos e jovens demais. Nada é mais urgente.

Quem assinava era Bonifácio Segundo, meu bom e querido amigo.
Em setembro do mesmo ano, encontrei Magdala em Campina Grande, na casa de Nabila, juntamente com Hil e Aislan. Era um dia para festa e celebração; e foi. Mas não éramos mais os mesmos daquela noite, e nem seríamos. Depois, não a encontraria mais. Ela se fez dia; eu, noite. Ou o contrário, que dá no mesmo.
Em novembro, eu e Nabila estávamos na casa de Bonifácio e Anna Vivi, lá em Bancários, e nos lembrávamos do tal bilhete, ou tentávamos lembrar: de como era bonito, e do que dizia, e de como a juventude tem mesmo essa pressa de viver contra a terrível verdade do ditado de Teógnis: “Choremos a juventude e a velhice também, pois a primeira foge e a segunda sempre vem.” É o novo que se impõe, lançando-se às distâncias que, nós, vamos tendo cada vez mais dificuldades em acompanhar. Daí viria a nossa pressa de viver, dizíamos; e o carpe diem, e o tempus fugit. Os deuses bem-aventurados, mesmo os mais jovens, também são velhos. Deuses que são, têm o peso dos séculos, e da imortalidade. A juventude do homem, não. É coisa certa em sua incerteza temporal, na transitoriedade que reclama urgências. Corre, menina! Corre, menina! Se não é agora, nunca. Daí que, quando amam, os jovens exalam “tanta formosura que os sóis e os deuses morrem de vergonha”, diz Eduardo Galeano em “O amor”, primeiro texto do livro Mulheres, de 1998. Mais adiante, n’“Os negrores e os sóis”, ele conta de uma amiga que, embora não o conhecesse tão bem, uma vez ligou, tarde da noite, para contar que estava apaixonada, que “finalmente tinha encontrado o que havia estado buscando sem saber que buscava e que precisava contar para alguém e que desculpasse o incômodo e que ela tinha descoberto que era possível dividir as coisas mais profundas e queria contar porque é uma boa notícia, não? e não tenho a quem contá-la e pensei. [...] Agora mesmo, me disse ela”, ele conclui, repetindo as palavras da amiga, “morro de vontade de ir na rua, tocar corneta, abraçar as pessoas, gritar que eu amo e que nascer é uma sorte.”
Ai de ti, juventude! Ai de vós, apaixonados! E o velho Teógnis, coberto de razão.
Aquela que é considerada a primeira grande obra-prima do cineasta sueco, Ingmar Bergman, estampa a “Juventude” (Sommarlek) em seu título. Lançado em 1951, porém, o filme tem, hoje, exatos 60 anos. 60 anos! O título está aí; a essência do conceito, não.  É que o tempo, como aparece no final de outro filme (Irreversible, de 2002, com roteiro e direção do franco-argentino Gaspar Noé), a tudo destrói: Le temps detruit tout. Sim, pois toda modificação é também uma forma de destruição.
Magdala, Nabila, Bonifácio, Ana Laura, Carla, Yuri, Aurora, Nádia, Hil, Aislan, Felipe, Anna Vivi, Anna Cristina, Hugo, Márcio, Rafael, Tiago, Alecrim, Tahiane, Andréia... Enquanto não chega o dia em que poderemos pagar as nossas contas apenas com a exibição da nossa beleza, é preciso celebrar. Somos bonitos e jovens demais. Nada é mais urgente!


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