quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

27.






De um Amor que transcende as falas... de amor




N’O banquete, de Platão – que Schopenhauer entende ser a principal obra sobre o tema do Amor, embora com desvios e limitações1 –, os amores são caminhos para o sublime, para a Ideia sublimada.
O banquete não é propriamente um diálogo; é, antes, uma série de discursos sobre a origem, ações, funções e marotagens de Eros: às vezes divino, às vezes humano. Por isso que os discursos são “irregulares e pitorescos, em que o sério e até sublime se sucede ao cômico e mesmo à farsa”2. As várias faces do Amor, conforme a tradição, pontuam os discursos dos personagens – pelo menos aqueles que foram julgados mais importantes, e lembrados por Aristodemo e Apolodoro3 –, até que chega a vez de Sócrates.
Realizado na casa de Agatão – que comemorava um prêmio conquistado4 –, o primeiro a discursar é Fedro. Invocando a autoridade de Hesíodo, Fedro afirma que Amor é um dos deuses mais antigos, um dos mais reverenciados e poderosos. Sem genitores, teria nascido depois de Caos e Terra5. É o Amor quem transforma jovens comuns em heróis, uma vez que eles têm vergonha de parecerem tolos ou covardes diante daqueles ou daquelas a quem amam.

A vergonha os cobre sobretudo quando, na execução do reprovável, a vista dos erastas os atinge. Se fosse possível dar vida a uma cidade ou a um exército de formado de erastas e de erômenos, não haveria maneira melhor de conviverem do que absterem-se de toda ação reprovável e cultivarem admiração mútua. Um eronta preferiria muitas vezes morrer a ser visto pelo desejado a abandonar o posto ou a entregar as armas; o testemunho dos outros lhe seria mais humilhante.6

“Dai-me um exército de enamorados e poderei conquistarei o mundo”, ele dizia7. E: “O que Homero afirmou, que ‘uma divindade inspira ardor a certos heróis’, isso outorga Eros de si mesmo aos erontas. Sem dúvida, só os erontas se dispõem a morrer uns pelos outros, quer homens, quer mulheres.8” Para respaldar o que afirma, Fedro cita três casos conhecidos: Alceste, que se dispôs a morrer no lugar do seu marido, Admeto, rei de Feres, na Tessália:

E a esse respeito a filha de Pélias, Alceste, dá aos gregos uma prova cabal em favor dessa afirmativa, ela que foi a única a consentir em morrer pelo marido, embora tivesse este pai e mãe, os quais ela tanto excedeu na afeição do seu amor que os fez aparecer como estranhos ao filho, e parentes apenas de nome; depois de praticar ela esse ato, tão belo pareceu ele não só aos homens mas até aos deuses que, embora muitos tenham feito muitas ações belas, foi a um bem reduzido número que os deuses concederam esta honra de fazer do Hades subir novamente sua alma, ao passo que a dela eles fizeram subir, admirados do seu gesto; é assim que até os deuses honram ao máximo o zelo e a virtude no amor.9

Orfeu, que foi ao Hades em busca de Eurídice:

A Orfeu, o filho de Eagro, eles [os deuses] o fizeram voltar sem o seu objetivo, pois foi um espectro o que eles lhe mostraram da mulher a que vinha, e não lha deram, por lhes parecer que ele se acovardava, citaredo que era, e não ousava por seu amor morrer como Alceste, mas maquinava um meio de penetrar vivo no Hades.10

E, por fim, Aquiles – que mesmo sendo advertido por sua mãe, Tétis, de que matar Heitor significaria também a sua própria morte, a preferiu, por amor a Pátroclo, a quem vingou.11  
Em Fedro, o Amor tem uma natureza educativa: pela transformação que faz no amante – de fraco em forte, de comum a excelente, de excelente a divino. Na educação do corpo e da mente, com vistas ao bem da pólis – como aparecerá depois em Platão –, os ecos desse discurso, embora as diferenças, ainda reverberam. Ademais, o próprio Fedro será personagem de outro diálogo com Sócrates12, em que dois temas são principais: o amor e a retórica – tudo convergindo, como n’O banquete (já veremos), para a Ideia do belo, do bem... o Sumo Bem.13 
Depois de Fedro, o discurso é de Pausânias. Esse, procurando corrigir a Fedro, afirma não haver apenas um Amor, mas dois. Também é preciso “distinguir entre o amor terreno [Pandêmia, a Popular] e o amor divino [Urânia, a Celeste] – a atração entre dois corpos, de um lado, e, de outro, a afinidade entre duas almas. O amor vulgar do corpo cria asas14 e foge ao passar o viço da mocidade. Mas o nobre amor da alma é perpétuo.15” Há, pois, o amar (humano) e o Amor (divino). O amor divino (a Urânia Celeste) é verdadeiro, nobre, eterno; o amor terreno (a Afrodite Pandêmia) é falso e fugaz, ligado mais às belezas do corpo que às da alma16. Há, no amor, assim, uma hierarquia – o discurso de Pausânias, como já fica evidente, não será ignorado por Sócrates, mais tarde.
Em seguida vem Erixímaco, que apresenta uma teoria cósmica do amor. Nela, dentre outras, o amor é responsável pela saúde dos corpos, as harmonias musicais, as revoluções astronômicas, a adivinhação, etc. “Grande e admirável é o deus [Amor], e a tudo se estende ele, tanto na ordem das coisas humanas como entre as divinas.17” Assim, depois de elogiar o discurso de Pausânias – pela dupla natureza do amor –, e tomando como ponto de partida a medicina (Erixímaco era médico), ele afirma que “a natureza dos corpos, com efeito, comporta esse duplo Amor; o sadio e o mórbido são cada um reconhecidamente um estado diverso e dessemelhante, e o dessemelhante deseja e ama o dessemelhante”18, ou seja: aquilo que lhe é próprio. A saúde, na doença, deseja a saúde; e a doença, na saúde, o seu contrário. Deste modo, o amor supõe uma harmonia, e a medicina é uma arte que é “capaz de fazer com que os elementos mais hostis no corpo fiquem amigos e se amem mutuamente”19. Tal harmonia, seja na adversidade ou diversidade dos elementos do/no mundo, demonstram que o amor – como a Vontade, em Schopenhauer – está em tudo, mantendo o que há, por união ou separação, por vida ou morte, por excesso ou escassez. Outras artes, como a música e literatura, por exemplo, são tão assimiláveis à medicina que “nada mais versam senão sobre a conservação e a cura do Amor”20. O Amor, como também as outras afecções, é cura e doença.21
O comediógrafo Aristófanes, em seu discurso, tem uma explicação irretocável sobre os efeitos do Amor sobre os pobres amantes: “Nos tempos antigos”, diz ele,

andavam os dois sexos unidos num único corpo. Esse corpo era redondo como uma bola, tinha quatro mãos, quatro pés e duas faces. Movia-se com assombrosa rapidez, utilizando-se dos oito membros que tinha, como se fossem os raios de uma roda, numa série contínua de saltos mortais. A força dessa raça de homens-mulheres era tremenda, e sua ambição sem limites. Assim planejaram escalar os céus e atacar os deuses quando Júpiter teve uma feliz ideia: “Dividamo-lo em dois”, disse ele, “e eles terão, assim, apenas metade da força que têm, e nós, o dobro de sacrifícios”.
E dito isso, o deus separou os dois sexos, e desse dia em diante as duas metades daquele corpo outrora unido, vêm se consumindo no ardente desejo de se reunirem novamente, para serem, como antes, um só. E é esse anseio pela reunião dos sexos que chamamos amor.22

Agatão, que era o anfitrião, também discursa, chamando a atenção de todos para a causa, e não apenas para os efeitos do Amor... sobre os amantes:

Eu então quero primeiro dizer como devo falar, e depois falar. Parece-me com efeito que todos os que antes falaram, não era o deus que elogiavam, mas os homens que felicitavam pelos bens de que o deus lhes é causador23; qual porém é a sua natureza, em virtude da qual ele faz tais dons, ninguém o disse. Ora, a única maneira correta de qualquer elogio a qualquer um é, no discurso, explicar em virtude de que natureza vem a ser causa de tais efeitos aquele de quem se estiver falando.24

Mais adiante, Sócrates elogiará tal princípio, defendido por Agatão25. Ele, em verdade, representa uma nova e decisiva etapa na progressão dos discursos. “Embora não vá acertar na definição da natureza do Amor, Agatão traz à baila o problema, possibilitando assim a refutação socrática26 e a definição platônica27.28” Depois do discurso de Aristófanes, qualquer outro corria o risco de tornar-se enfadonho. Mesmo assim, e apesar de tudo, Agatão sustenta – não sem uma boa dose de extravagância, jocosidade e fantasia29 – muito bem as suas posições, prendendo a atenção dos convidados, ao mesmo tempo em que procura provar as perfeições do Amor – que é o mais jovem dos deuses30 e, entre eles, o mais feliz, mais belo e melhor, a todos submetendo, deuses e homens31. A posição de Agatão, no entanto, não deixe de ter uma natureza “romântico”-idealista. Isso, é claro, parece o gancho natural para que Sócrates, afinal, faça o seu discurso.  
O amor é um tema central da filosofia; ela que se define como “amor à sabedoria”, e não “possuidora” dela. Antes de iniciar seu discurso – afirmando-se “terrível nas questões do amor” e “nada saber” sobre o que deveria elogiar32 –, a ironia socrática soa como uma captatio benevolentiæ, na retórica; mas, é não. Seja como for, e para falar sobre o tema comum a todos os convivas, ele avisa que seu discurso é reprodução do que aprendeu junto à Diotima:33

[...] o discurso que sobre o Amor eu ouvi um dia, de uma mulher de Mantinéia, Diotima, que nesse assunto era entendida e em muitos outros [...], o discurso então que me fez aquela mulher eu tentarei repetir-vos, a partir do que foi admitido por mim e por Agatão, com meus próprios recursos e como eu puder. É de fato preciso, Agatão, como tu indicaste, primeiro discorrer sobre o próprio Amor, quem é ele e qual a sua natureza e depois sobre as suas obras.34

Sócrates escolhe Agatão – o jovem premiado e brilhante que arrancou aplausos imodestos dos seus convidados35 – como interlocutor, a quem pergunta: “O Amor é amor de nada ou de algo?” De algo, Agatão responde36. Há, pois: o que ama, o objeto amado e o amor – tríade que será lembrada por Agostinho de Hipona, relacionando-a à doutrina da Trindade cristã37. O erasta, por ação Eros, é “o que deseja aquilo de que carente, sem o que não deseja, se não for carente”38. O amor, antes de tudo, é falta, necessidade, insuficiência e, ao mesmo tempo, desejo de conquistar e conservar aquilo que foi conquistado. A conquista do objeto amado não aplaca a vontade, nem o desejo e, menos ainda, a falta de... Desejo é falta, e falta é sofrimento.

Quando alguém diz: “Eu, mesmo sadio, desejo ser sadio, e mesmo rico, ser rico, e desejo mesmo isso que tenho”, poderíamos dizer-lhe: “Ó homem, tu que possuis riqueza, saúde e fortaleza, o que queres é também no futuro possuir esses bens, pois no momento, quer queiras quer não, tu os tens; observa então se, quando dizes “desejo o que tenho comigo”, queres dizer outra coisa senão isso: “quero que o que tenho agora comigo, também no futuro eu o tenha.”39

Em segundo lugar, o Amor procura aquilo que julga belo; e assim fazendo, procura mesmo é pelo Bem, pelo seu próprio bem: “Não é com efeito o que é seu, penso, que cada um estima, a não ser que se chame o bem de próprio e de seu, e o mal de alheio; pois nada mais há que amem os homens senão o bem”40, e “é o amor amor de consigo ter sempre o bem.”41     
Em terceiro lugar, o Amor é desejo de eternidade, de imortalidade, “como demonstra o instinto de gerar, próprio de todos os animais”42 – asserção que será requisitada por Schopenhauer, ao falar sobre o instinto sexual, sobre o amor, sobre a posse43: “Com esse processo, o mortal participa da imortalidade tanto no corpo como em todos os outros aspectos, embora o imortal esteja situado em outro nível. Não há, portanto, nada de estranho no fato de cada um dos seres admirar o seu rebento. A imortalidade provoca esse zelo, esse erotismo.44” Mas, nas palavras de Huisman: “Eros não poderia ser de essência divina: ele é δαίμων (daimon), intermediário entre o divino e o humano. Sendo desejo de imortalidade, de beleza, ele inspira nos corpos a sede de se perpetuar pela procriação, nas almas o desejo de eternidade.”45
Há, por fim, tantas formas de Amor quantas são as belezas do/no Mundo – da sensível à beleza da sabedoria – e todas elas, a seu modo, apontam para o sublime, com destaque àquela que, por meio da filosofia, pode elevar o erasta à Ideia: do belo em si, da beleza em si, etc46. Tal amor, no discurso de Sócrates, importa-se mais com a beleza da alma que a do corpo.47

Deve-se notar que Sócrates [...] reúne suas intuições esparsas para leva-las a um grau superior de compreensão. Por elevação progressiva aos graus de abstração (diríamos, de idealização), o amor permite assim que a alma tenha acesso à contemplação pura da Ideia do belo, do belo em si.48

A doutrina platônica do amor, presente n’O banquete – o primeiro tratado filosófico do gênero – e no Fedro contém uma análise positiva da afecção e, de modo engenhoso e novo, um modelo metafísico para as noções (todas) de amor, sublimando-as, elevando-as a degraus, inferiores ou superiores, na escalada para o Amor Ideal, ou o Bem. Não é por acaso que, tanto o modelo do seu diálogo quanto as ideias nele contidas, seriam tomadas e retomadas ao longo da história das ideias, da História da Filosofia. O romantismo ocidental é inteiramente e destacadamente devedor de Platão, e sua maior vítima.49






1 “De todos os filósofos”, Schopenhauer afirma, “foi Platão que mais se dedicou ao tema do amor sexual, sobretudo no Banquete e Fedro. Mas, o que ele diz sobre o assunto não passa de mitos, fábulas e anedotas, e refere-se, na sua maior parte, à pederastia.” (SCHOPENHAUER, Arthur. O instinto sexual. São Paulo: Edições INEDOS, 1951. p. 41).
2 HUISMAN, Denis. O banquete. In: _____. Dicionário de obras filosóficas. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 24.
3 Platão é o narrador invisível, que conta as memórias de Apolodoro (a pedido de Glauco), que teria ouvido os relatos de Aristodemo e se certificado, com o próprio Sócrates de que eles eram fidedignos. Sócrates, por sua vez, contará, de memória, o que ouviu de Diotima. 
4 Agatão (ou Agaton) havia conquistado o primeiro lugar em uma competição de dramas para o teatro, em 416, no arcontado de Eufemo. Para comemorar, convidou os seus melhores amigos a um banquete em sua casa – Sócrates é, naturalmente, o convidado mais ilustre, sentando-se à sua direita. Aí, cada um (da esquerda para a direita), por sugestão de Erixímaco, fará um discurso elogiando o Amor.
5 Com uma citação de: HESÍODO, Teogonia, 116 ss. Depois Fedro cita Parmênides (séc. V a.C.), afirmando que “bem antes de todos os deuses [a Justiça] pensou em Amor” (em: SIMPLÍCIO, Física, 39, 18 [O banquete, 178b]). Diz, por fim, que também Hesíodo concorda com Acusilau (Genealogista natural de Argos, do século VI a.C., que escreveu várias genealogias de deuses e de homens ilustres): Assim, ele diz, “de muitos lados se reconhece que Amor é entre os deuses o mais antigo.” (O banquete, 178c). PLATÃO. O banquete. In: _____. Diálogos. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Col. Os Pensadores).
6 O banquete, 178e, 179a. PLATÃO. O banquete. Porto Alegre: L&PM, 2012. (Col. L&PM Pocket, 711).
7 Como na interpretação de THOMAS, Henry; THOMAS, Dana Lee. Vida de grandes filósofos. Porto Alegre: Editôra Globo, 1958. p. 9.
8 O banquete, 179b. (2012).
9 O banquete, 179 b-d. (1983). Como aparece na tragédia, homônima, de Eurípedes – o mais antigo drama de Eurípedes, que sobreviveu, e o único anterior à Guerra do Peloponeso. Cf. EURIPIDE. Alceste. Paris: Les Belles Lettres, 1926, p. 43-101. v. 1.
10 O banquete, 179d. (1983).
11 O banquete, 179d-180a.
12 O Fedro, posterior a’O banquete. As datas dos diálogos de Platão são motivos de muitas controvérsias. A redação d’O banquete, por exemplo, teria sido por volta de 385 a.C. A do Fedro costuma aparecer entre 375 e 370 a.C. Com relação à problemática, ver: SCHLEIERMACHER, Friedrich D. E. Introdução aos diálogos de Platão. Belo Horizonte: Editora UFMG; Departamento de Filosofia – FAFICH/UFMG, 2002. p. 27-76.
13 “O ponto de partida do diálogo [Fedro] é um discurso do retor Lísias, a quem o jovem Fedro devota desmedida admiração. a esse discurso, Sócrates opõe um arrazoamento sobre o mesmo tema, a saber: valerá mais conceder favores a quem nos ama ou a quem não nos ama? (Esse diálogo, evidentemente, deve ser situado no contexto cultural grego, em que a homossexualidade desempenhava papel muito especial). Como, em seu discurso, Lísias escolhia (paradoxalmente) a segunda resposta, Sócrates vai defender a primeira. Mas Sócrates não poderia satisfazer-se em somar um discurso a outro discurso. Sua reflexão sobre o amor passará, portanto, por uma análise da alma humana. Aqui se encontra a célebre imagem da atrelagem alada: a alma é comparável ao conjunto formado pelo cocheiro e seus dois cavalos, um dócil e outro bravio. Essa imagem leva Platão a uma alegoria do conhecimento, da vida virtuosa, da própria filosofia. [...] Assim como O banquete, cujo prolongamento indispensável constitui, Fedro articula uma reflexão sobre o amor e a filosofia com a Ideia de belo.” (HUISMAN, 2000, p. 223).
14 Ou “alça ele o seu voo”, como na Ilíada (II, 71), que é de onde Pausânias retira a referência, aludindo a Oneiros – o Sonho personificado –, que se apresenta a Agamenon.
15 O banquete, 183d-e. Aqui, novamente, uso a interpretação de Henry e Dana L. Thomas (THOMAS; THOMAS, 1958, p. 9).
16 “O Amor de Afrodite Pandemônia é realmente popular e faz o que lhe ocorre; é a ele que os homens vulgares amam. E amam tais pessoas, primeiramente não menos as mulheres  que os jovens, e depois o que neles amam é mais o corpo que a alma, e ainda dos mais desprovidos de inteligência, tendo em mira apenas o efetuar o ato [sexual], sem se preocupar se é decentemente ou não; daí resulta então que eles fazem o que lhes ocorre, tanto o que é bom como o seu contrário.” (O banquete, 181b [1983]).
17 O banquete, 186b. (1983).
18 O banquete, 186b. (1983).
19 O banquete, 186d. (1983). Ou: “A medicina, portanto, como estou dizendo, é toda ela dirigida nos traços deste deus, assim como também a ginástica e a agricultura; e quanto à música, é a todos evidente, por pouco que se lhe preste atenção, que ela se comporta segundo esses mesmos princípios.” (O banquete, 187a. [1983]).
20 O banquete, 188b. (1983).
21 O livrinho de Ovídio (43 a.C.-c.17/8 d.C.), Os remédios para o amor, parece desenvolver esse tema: “O Amor, ao ler o título e o nome deste pequenino livro, disse: ‘É a guerra, estou vendo a guerra que estão preparando contra mim’. Pare, Cupido, de condenar seu poeta como um criminoso, eu que, tantas vezes, sob o seu comando, carreguei o estandarte que você me confiou.” Ele diz, no prefácio. E diz mais: “Venham às minhas aulas, jovens enganados, que no amor só encontraram decepções. A mesma mão lhes trará a ferida e o remédio.” (OVÍDEO. Os remédios para o amor. In: A arte de amar. Porto Alegre: L&PM, 2001. [Col. L&PM Pocket, 248]). Como em Erixímaco, o amor, para Ovídeo, é uma doença.
22 THOMAS; THOMAS, 1958, p. 9-10. N’O banquete, 189c-193e.
23 Elogiando as ações dos homens, movidos pelo Amor (ou por Amor), os oradores esqueceram que era ao próprio Amor que deveriam elogiar.
24 O banquete, 194e-195a (1983).
25 “Realmente, caro Agatão, bem me parece iniciar teu discurso, quando dizias que primeiro se devia mostrar o próprio amor, qual a sua natureza, e depois as suas obras. Esse começo, muito admiro.” (O banquete, 199c [1983]).
26 O banquete, 189d-204c.
27 O banquete, 201c-204a.
28 SOUZA, José Cavalcante de. Notas. In: PLATÃO. O banquete. In: _____. Diálogos. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p. 27. (Col. Os Pensadores). Nota 79.
29 Como quando ele diz que a constituição do Amor é úmida: “Pois não seria ele capaz de se amoldar de todo jeito, nem de por toda alma primeiramente entrar, desapercebido, e depois sair, se fosse ele seco.” (O banquete, 196a [1983]). E como ele mesmo diz, ao final do discurso: “Esta é minha contribuição, Fedro, ao que está sendo discutido, oferenda a Eros, mistura de brinquedo e seriedade. Exigir mais excederia a minha capacidade.” (O banquete, 197e [2012]).
30 “E uma grande prova do que digo ele [o Amor] próprio fornece, quando em fuga foge da velhice, que é rápida evidentemente, e que em todo caso, mais rápida do que devia, para nós se encaminha. De sua natureza Amor a odeia e nem de longe se lhe aproxima. Com os jovens ele está sempre em seu convívio e ao seu lado.” (O banquete, 195b [1983]).
31 O banquete, 197b.
32 Antes, ele dissera “em nada mais ser entendido senão nas questões do amor” ((O banquete, 177d [1983]), ou, como na tradução de Donaldo Schüler: “... afirmo que entendo de assuntos eróticos e de nenhuma outra matéria” (O banquete, 177d [2012]). Agora, ao iniciar o seu discurso: “Refleti então que estava evidentemente sendo ridículo, quando convosco concordava em fazer na minha vez, depois de vós, o elogio do Amor, dizendo ser terrível nas questões do amor, quando na verdade nada sabia do que se tratava, de como se devia fazer qualquer elogio.” (O banquete, 198d. [1983]).
33 Não entro no mérito da questão referente à legitimidade (ou não) do discurso de Diotima, que pode ser mera invenção de Sócrates, a fim de desviar uma fala que seria imediatamente sua, para outra – de uma autoridade (no tema) que ele afirma reconhecer – como também Parmênides (séc. V a.C.) faz, atribuindo à Deusa (Justiça) o seu grande poema Sobre a natureza. Importa, por hora, o conteúdo do tal discurso, e suas implicações. Convém dizer, entretanto, que a metáfora da revelação parmenidiana, por sua vez, provém de Homero (primeiro verso da Ilíada), a quem o eléata conhece muito bem, juntamente com Hesíodo. A Deusa, a quem ele deve a sua revelação – que é ho daímon (“a divindade”), é a própria Diké, aquela que o “atrai” à sua morada, e é Moira (“Destino”) e Ananké (“Necessidade”) e Alétheia (“Verdade”) –, somente tem a afinidade de Afrodite, enquanto mãe de Eros: “Como primeiro (daimon) concebeu antes de todos os deuses eros...” (Frag. B 13, na tradução de Emmanuel Carneiro Leão. Em: PARMÊNIDES. Acerca da nascividade. In: Os pensadores originários: Anaximandro, Parmênides, Heráclito. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 53. [Col. Pensamento Humano]). O recurso, como se vê, pode ser o da “via indireta”, na autoridade de uma (outra) autoridade. Mas pode ser que não seja.     
34 O banquete, 201d. (1983).
35 “Ao que me contou Aristodemo”, Apolodoro diz, “o discurso de Agaton levantou uma tempestade de aplausos. Os convivas estavam convictos de que a expressão do jovem correspondia às características da divindade reverenciada.” (O banquete, 198a [2012]).
36 O banquete, 199e. (1983).
37 “Pois “não há amor onde nada é amado.” (De Trin., IX, 2.2). Mas, que é o amor ou a Caridade (αγάπη, charitas) senão o amor do Bem? “O amor, porém, supõe alguém que ame e alguém que seja amado com amor. Assim, encontram-se três realidades: o que ama, o que é amado e o mesmo amor. O que é, portanto, o amor, senão uma certa vida que enlaça dois seres, ou tenta enlaçar, a saber: o que ama e o que é amado?” (De Trin., VIII, 10.14). O amado (quod amatur) é amado por aquele que ama (amans), e ambos estão unidos no amor (amor), formando a unidade trinitária. Um modelo perfeito para a Trindade cristã. Outras tríades, sempre ascendentes (da “coisa” à Ideia), e de forte influência socrático-platônica, aparecem por toda a parte da De Trinitate: AGOSTINHO, Santo. A Trindade. 2. ed. Paulo: Paulus, 1994. (Col. Patrística, 7).
38 O banquete, 200b. (1983).
39 O banquete, 200d. (1983).
40 O banquete, 205e. (1983).
41 O banquete, 206a. (1983).
42 ABBAGNANO, Nicola. Amor. In: _____. Dicionário de filosofia. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 39.
43 “Por mais desinteressada e ideal que pareça essa admiração por uma pessoa amada, o alvo real é a concepção de um novo indivíduo de determinada natureza. Prova-se isto pelo fato de que o amor sexual não se contenta com o sentimento recíproco, mas exige a posse, isto é, o gozo físico. A certeza de ser amado não compensa a privação da posse de quem se ama, e em tais casos, muitos já se suicidaram.” (SHOPENHAUER, 1951, p. 44).
44 O banquete, 208b. (2012).
45 HUISMAN, 2000, p. 25. “Quando então alguém, subindo a partir do que aqui é belo [o pronome τῶνδε, aqui, aponta para a “ideia do belo”], através do correto amor aos jovens, começa a contemplar aquele belo, quase que estaria a atingir o ponto final. Eis, com efeito, em que consiste o proceder corretamente nos caminhos do amor ou por outro se deixar conduzir: em começar do que aqui é belo e, em vista daquele belo, subir sempre, como que servindo-se de degraus, de um só para dois e de dois para todos os belos corpos, e dos belos corpos para os belos ofícios, e dos belos ofícios para as belas ciências ate que das ciências acabe naquela ciência, que de nada mais é senão daquele próprio belo, e conheça enfim o que em si é belo.” (O banquete, 211b-c. [1983]).
46 O banquete, 210a ss. “Feito o exame das diversas formas da atividade amorosa (procriação, poesia, legislação), Diotima as considera com estágios preliminares do supremo ato do amor, que é a conquista da ciência do belo em si.” (SOUZA, 1983, p. 41. Nota 138). A relação com a progressividade do conhecimento, como pode ser visto na alegoria da caverna, é flagrante: “Agora, meu caro Glauco, é preciso aplicar [...] esta imagem que dissemos atrás e comparar o mundo que nos cerca com a vida da prisão na caverna, e a luz do fogo que ilumina com a força do Sol. Quanto à subida à região superior e à contemplação dos seus objetos, se a considerares como a ascensão da alma para a mansão inteligível, não te enganarás quanto à minha idéia, visto que também tu desejas conhecê-la. Só Deus sabe se ela é verdadeira. Quanto a mim, a minha opinião é esta: no mundo inteligível, a idéia do bem é a última a ser apreendida, e com dificuldade, mas não se pode apreendê-la sem concluir que ela é a causa de tudo o que de reto e belo existe em todas as coisas.” (Rep., VII, 517 b/c; PLATÃO. A República. São Paulo: Nova Cultural, 1996. (Col. Os Pensadores).
47 “Por trás da aparência física (Sócrates era feio), é a alma que se deve considerar.” (HUISMAN, 2000, p. 25).
48 HUISMAN, 2000, p. 25. A temática é retomada no Fedro, quando Sócrates procura mostrar os caminhos pelo qual o amor sensível chega ao amor pela sabedoria (a filosofia), e o transe erótico à virtude divina, afastando o erasta das vias comuns, auxiliado pela dialética (Fédon, 265b, ss.).
49 “A principal consequência dessa concepção [a metafísica platônica, sua teoria do conhecimento] para o desenvolvimento da filosofia é que, na medida em que a tarefa filosófica passa a se definir como teoria, contemplativa, especulativa, dirigida assim para uma realidade abstrata e ideal, a reflexão filosófica afasta-se progressivamente do mundo de nossas experiência imediata e concreta [como ocorria entre os pré-socráticos], passando a ser vista como contemplação e meditação. Isso ocorrerá de fato com algumas correntes do platonismo no período do helenismo, especialmente com o neoplatonismo e, em alguns casos, com o platonismo cristão [o de Agostinho, entre os principais]. Daí se origina o sentido vulgar que o termo ‘platônico’ possui ainda hoje, com a conotação de ‘contemplativo’, como na expressão ‘amor platônico’.” (MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. p. 57).


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