27.
De um Amor que transcende
as falas... de amor
N’O banquete,
de Platão – que Schopenhauer entende ser a principal obra sobre o tema do Amor,
embora com desvios e limitações1 –, os amores
são caminhos para o sublime, para a Ideia sublimada.
O banquete não é propriamente um diálogo; é, antes, uma série de discursos sobre
a origem, ações, funções e marotagens de Eros: às vezes divino, às vezes humano.
Por isso que os discursos são “irregulares e pitorescos, em que o sério e até sublime se sucede ao cômico e mesmo à farsa”2.
As várias faces do Amor, conforme a tradição, pontuam os discursos dos
personagens – pelo menos aqueles que foram julgados mais importantes, e
lembrados por Aristodemo e Apolodoro3
–, até que chega a vez de Sócrates.
Realizado na casa de Agatão – que comemorava um prêmio
conquistado4 –, o primeiro a discursar
é Fedro. Invocando a autoridade de Hesíodo, Fedro afirma que Amor é um dos
deuses mais antigos, um dos mais reverenciados e poderosos. Sem genitores,
teria nascido depois de Caos e Terra5.
É o Amor quem transforma jovens comuns em heróis, uma vez que eles têm vergonha de parecerem tolos
ou covardes diante daqueles ou daquelas a quem amam.
A vergonha os cobre sobretudo quando, na
execução do reprovável, a vista dos erastas os atinge. Se fosse possível dar
vida a uma cidade ou a um exército de formado de erastas e de erômenos, não
haveria maneira melhor de conviverem do que absterem-se de toda ação reprovável
e cultivarem admiração mútua. Um eronta preferiria muitas vezes morrer a ser
visto pelo desejado a abandonar o posto ou a entregar as armas; o testemunho
dos outros lhe seria mais humilhante.6
“Dai-me um exército de enamorados e poderei conquistarei o mundo”, ele
dizia7. E: “O que Homero afirmou, que ‘uma
divindade inspira ardor a certos heróis’, isso outorga Eros de si mesmo aos
erontas. Sem dúvida, só os erontas se dispõem a morrer uns pelos outros, quer homens,
quer mulheres.8”
Para respaldar o que afirma, Fedro cita três casos conhecidos: Alceste, que se
dispôs a morrer no lugar do seu marido, Admeto, rei de Feres, na Tessália:
E a esse respeito a filha de Pélias,
Alceste, dá aos gregos uma prova cabal em favor dessa afirmativa, ela que foi a
única a consentir em morrer pelo marido, embora tivesse este pai e mãe, os
quais ela tanto excedeu na afeição do seu amor que os fez aparecer como
estranhos ao filho, e parentes apenas de nome; depois de praticar ela esse ato,
tão belo pareceu ele não só aos homens mas até aos deuses que, embora muitos
tenham feito muitas ações belas, foi a um bem reduzido número que os deuses
concederam esta honra de fazer do Hades subir novamente sua alma, ao passo que
a dela eles fizeram subir, admirados do seu gesto; é assim que até os deuses
honram ao máximo o zelo e a virtude no amor.9
Orfeu, que foi ao Hades em busca de Eurídice:
A Orfeu, o filho de Eagro,
eles [os deuses] o fizeram voltar sem o seu objetivo, pois foi um espectro o
que eles lhe mostraram da mulher a que vinha, e não lha deram, por lhes parecer
que ele se acovardava, citaredo que era, e não ousava por seu amor morrer como
Alceste, mas maquinava um meio de penetrar vivo no Hades.10
E, por fim, Aquiles – que mesmo sendo advertido por sua
mãe, Tétis, de que matar Heitor significaria também a sua própria morte, a
preferiu, por amor a Pátroclo, a quem vingou.11
Em Fedro, o Amor tem uma natureza educativa: pela transformação
que faz no amante – de fraco em forte, de comum a excelente, de excelente a
divino. Na educação do corpo e da mente, com vistas ao bem da pólis – como
aparecerá depois em Platão –, os ecos desse discurso, embora as diferenças,
ainda reverberam. Ademais, o próprio Fedro será personagem de outro diálogo com
Sócrates12, em que dois temas são
principais: o amor e a retórica – tudo convergindo, como n’O banquete (já veremos), para a Ideia do belo, do bem... o Sumo
Bem.13
Depois de Fedro, o discurso é de Pausânias. Esse, procurando corrigir
a Fedro, afirma não haver apenas um Amor, mas dois. Também é preciso “distinguir
entre o amor terreno [Pandêmia, a Popular] e o amor divino [Urânia, a Celeste] –
a atração entre dois corpos, de um lado, e, de outro, a afinidade entre duas
almas. O amor vulgar do corpo cria asas14
e foge ao passar o viço da mocidade. Mas o nobre amor da alma é perpétuo.15” Há, pois, o amar (humano) e o Amor (divino).
O amor divino (a Urânia Celeste) é verdadeiro, nobre, eterno; o amor terreno (a
Afrodite Pandêmia) é falso e fugaz, ligado mais às belezas do corpo que às da
alma16. Há, no amor, assim, uma hierarquia –
o discurso de Pausânias, como já fica evidente, não será ignorado por Sócrates,
mais tarde.
Em seguida vem Erixímaco, que apresenta uma teoria cósmica
do amor. Nela, dentre outras, o amor é responsável pela saúde dos corpos, as
harmonias musicais, as revoluções astronômicas, a adivinhação, etc. “Grande e
admirável é o deus [Amor], e a tudo se estende ele, tanto na ordem das coisas
humanas como entre as divinas.17” Assim,
depois de elogiar o discurso de Pausânias – pela dupla natureza do amor –, e
tomando como ponto de partida a medicina (Erixímaco era médico), ele afirma que
“a natureza dos corpos, com efeito, comporta esse duplo Amor; o sadio e o
mórbido são cada um reconhecidamente um estado diverso e dessemelhante, e o
dessemelhante deseja e ama o dessemelhante”18, ou seja: aquilo que lhe é próprio. A
saúde, na doença, deseja a saúde; e a doença, na
saúde, o seu contrário. Deste modo, o amor supõe uma harmonia, e a medicina é
uma arte que é “capaz de fazer com que os elementos mais hostis no corpo fiquem
amigos e se amem mutuamente”19. Tal
harmonia, seja na adversidade ou diversidade dos elementos do/no mundo,
demonstram que o amor – como a Vontade, em Schopenhauer – está em tudo,
mantendo o que há, por união ou separação, por vida ou morte, por excesso ou
escassez. Outras artes, como a música e literatura, por exemplo, são tão
assimiláveis à medicina que “nada mais versam senão sobre a conservação e a
cura do Amor”20. O Amor, como também as
outras afecções, é cura e doença.21
O comediógrafo Aristófanes, em seu discurso, tem uma explicação irretocável
sobre os efeitos do Amor sobre os pobres amantes: “Nos tempos antigos”, diz
ele,
andavam os dois sexos unidos
num único corpo. Esse corpo era redondo como uma bola, tinha quatro mãos,
quatro pés e duas faces. Movia-se com assombrosa rapidez, utilizando-se dos
oito membros que tinha, como se fossem os raios de uma roda, numa série
contínua de saltos mortais. A força dessa raça de homens-mulheres era tremenda,
e sua ambição sem limites. Assim planejaram escalar os céus e atacar os deuses
quando Júpiter teve uma feliz ideia: “Dividamo-lo em dois”, disse ele, “e eles
terão, assim, apenas metade da força que têm, e nós, o dobro de sacrifícios”.
E dito isso, o deus separou os
dois sexos, e desse dia em diante as duas metades daquele corpo outrora unido,
vêm se consumindo no ardente desejo de se reunirem novamente, para serem, como
antes, um só. E é esse anseio pela reunião dos sexos que chamamos amor.22
Agatão, que era o anfitrião, também discursa, chamando a atenção de
todos para a causa, e não apenas para
os efeitos do Amor... sobre os
amantes:
Eu então quero primeiro dizer como devo
falar, e depois falar. Parece-me com efeito que todos os que antes falaram, não
era o deus que elogiavam, mas os homens que felicitavam pelos bens de que o
deus lhes é causador23; qual
porém é a sua natureza, em virtude da qual ele faz tais dons, ninguém o disse.
Ora, a única maneira correta de qualquer elogio a qualquer um é, no discurso,
explicar em virtude de que natureza vem a ser causa de tais efeitos aquele de
quem se estiver falando.24
Mais adiante, Sócrates elogiará tal princípio, defendido por Agatão25. Ele, em verdade, representa uma nova
e decisiva etapa na progressão dos discursos. “Embora não vá acertar na
definição da natureza do Amor, Agatão traz à baila o problema, possibilitando
assim a refutação socrática26 e a
definição platônica27.28” Depois do discurso de Aristófanes,
qualquer outro corria o risco de tornar-se enfadonho. Mesmo assim, e apesar de
tudo, Agatão sustenta – não sem uma boa dose de extravagância, jocosidade e
fantasia29 – muito bem as suas
posições, prendendo a atenção dos convidados, ao mesmo tempo em que procura provar
as perfeições do Amor – que é o mais jovem dos deuses30 e, entre eles, o mais feliz, mais belo
e melhor, a todos submetendo, deuses e homens31.
A posição de Agatão, no entanto, não deixe de ter uma natureza “romântico”-idealista.
Isso, é claro, parece o gancho natural para que Sócrates, afinal, faça o seu
discurso.
O amor é um tema central da filosofia; ela que se define como “amor à
sabedoria”, e não “possuidora” dela. Antes de iniciar seu discurso –
afirmando-se “terrível nas questões do amor” e “nada saber” sobre o que deveria
elogiar32 –, a ironia socrática soa como uma captatio benevolentiæ,
na retórica; mas, é não. Seja como for, e para falar sobre o tema comum a todos
os convivas, ele avisa que seu discurso é reprodução do que aprendeu junto à
Diotima:33
[...] o discurso que sobre o Amor eu ouvi
um dia, de uma mulher de Mantinéia, Diotima, que nesse assunto era entendida e
em muitos outros [...], o discurso então que me fez aquela mulher eu tentarei
repetir-vos, a partir do que foi admitido por mim e por Agatão, com meus
próprios recursos e como eu puder. É de fato preciso, Agatão, como tu
indicaste, primeiro discorrer sobre o próprio Amor, quem é ele e qual a sua
natureza e depois sobre as suas obras.34
Sócrates escolhe Agatão – o jovem premiado e brilhante que arrancou
aplausos imodestos dos seus convidados35
– como interlocutor, a quem pergunta: “O Amor é amor de nada ou de algo?” De
algo, Agatão responde36. Há,
pois: o que ama, o objeto amado e o amor – tríade que será lembrada por Agostinho de Hipona,
relacionando-a à doutrina da Trindade cristã37.
O erasta, por ação Eros, é “o que deseja aquilo de que carente, sem o que não
deseja, se não for carente”38. O
amor, antes de tudo, é falta, necessidade, insuficiência e, ao mesmo tempo,
desejo de conquistar e conservar aquilo que foi conquistado. A conquista do
objeto amado não aplaca a vontade, nem o desejo e, menos ainda, a falta de... Desejo
é falta, e falta é sofrimento.
Quando alguém diz: “Eu, mesmo sadio,
desejo ser sadio, e mesmo rico, ser rico, e desejo mesmo isso que tenho”,
poderíamos dizer-lhe: “Ó homem, tu que possuis riqueza, saúde e fortaleza, o
que queres é também no futuro possuir esses bens, pois no momento, quer queiras
quer não, tu os tens; observa então se, quando dizes “desejo o que tenho
comigo”, queres dizer outra coisa senão isso: “quero que o que tenho agora
comigo, também no futuro eu o tenha.”39
Em segundo lugar, o Amor procura aquilo que julga belo; e assim
fazendo, procura mesmo é pelo Bem, pelo seu próprio bem: “Não é com efeito o
que é seu, penso, que cada um estima, a não ser que se chame o bem de próprio e
de seu, e o mal de alheio; pois nada mais há que amem os homens senão o bem”40, e “é o amor amor de consigo ter
sempre o bem.”41
Em terceiro lugar, o Amor é desejo de eternidade, de imortalidade,
“como demonstra o instinto de gerar, próprio de todos os animais”42 – asserção que será requisitada por
Schopenhauer, ao falar sobre o instinto sexual, sobre o amor, sobre a posse43: “Com esse processo, o mortal
participa da imortalidade tanto no corpo como em todos os outros aspectos,
embora o imortal esteja situado em outro nível. Não há, portanto, nada de
estranho no fato de cada um dos seres admirar o seu rebento. A imortalidade
provoca esse zelo, esse erotismo.44” Mas,
nas palavras de Huisman: “Eros não poderia ser de essência divina: ele é δαίμων
(daimon), intermediário entre o
divino e o humano. Sendo desejo de imortalidade, de beleza, ele inspira nos
corpos a sede de se perpetuar pela procriação, nas almas o desejo de
eternidade.”45
Há, por fim, tantas formas de Amor quantas são as belezas do/no Mundo
– da sensível à beleza da sabedoria – e todas elas, a seu modo, apontam para o sublime, com destaque
àquela que, por meio da filosofia, pode elevar o erasta à Ideia: do belo em si,
da beleza em si, etc46. Tal
amor, no discurso de Sócrates, importa-se mais com a beleza da alma que a do
corpo.47
Deve-se
notar que Sócrates [...] reúne suas intuições esparsas para leva-las a um grau
superior de compreensão. Por elevação progressiva aos graus de abstração
(diríamos, de idealização), o amor permite assim que a alma tenha acesso à
contemplação pura da Ideia do belo, do belo em
si.48
A doutrina platônica do amor, presente n’O banquete – o primeiro tratado
filosófico do gênero – e no Fedro
contém uma análise positiva da afecção e, de modo engenhoso e novo, um modelo
metafísico para as noções (todas) de amor, sublimando-as, elevando-as a
degraus, inferiores ou superiores, na escalada para o Amor Ideal, ou o Bem. Não
é por acaso que, tanto o modelo do seu diálogo quanto as ideias nele contidas,
seriam tomadas e retomadas ao longo da história das ideias, da História da
Filosofia. O romantismo ocidental é inteiramente e destacadamente devedor de
Platão, e sua maior vítima.49
1 “De todos os
filósofos”, Schopenhauer afirma, “foi Platão que mais se dedicou ao tema do
amor sexual, sobretudo no Banquete e Fedro. Mas, o que ele diz sobre o
assunto não passa de mitos, fábulas e anedotas, e refere-se, na sua maior
parte, à pederastia.” (SCHOPENHAUER, Arthur. O instinto sexual. São Paulo: Edições INEDOS, 1951. p. 41).
2
HUISMAN, Denis. O banquete. In: _____. Dicionário
de obras filosóficas. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 24.
3
Platão é o narrador invisível, que conta as memórias de Apolodoro (a pedido de
Glauco), que teria ouvido os relatos de Aristodemo e se certificado, com o
próprio Sócrates de que eles eram fidedignos. Sócrates, por sua vez, contará,
de memória, o que ouviu de Diotima.
4
Agatão (ou Agaton) havia conquistado o primeiro lugar em uma competição de
dramas para o teatro, em 416, no arcontado de Eufemo. Para comemorar, convidou
os seus melhores amigos a um banquete em sua casa – Sócrates é, naturalmente, o
convidado mais ilustre, sentando-se à sua direita. Aí, cada um (da esquerda para a direita), por sugestão de Erixímaco, fará um discurso elogiando o Amor.
5
Com uma citação de: HESÍODO, Teogonia,
116 ss. Depois Fedro cita Parmênides (séc. V a.C.), afirmando que “bem antes de
todos os deuses [a Justiça] pensou em Amor” (em: SIMPLÍCIO, Física, 39, 18 [O banquete, 178b]). Diz, por fim, que também Hesíodo concorda com
Acusilau (Genealogista natural de Argos, do século VI a.C., que escreveu várias
genealogias de deuses e de homens ilustres): Assim, ele diz, “de muitos lados
se reconhece que Amor é entre os deuses o mais antigo.” (O banquete, 178c). PLATÃO. O banquete. In: _____. Diálogos. 2. ed. São Paulo: Abril
Cultural, 1983. (Col. Os Pensadores).
6
O banquete, 178e, 179a. PLATÃO. O banquete. Porto Alegre: L&PM,
2012. (Col. L&PM Pocket, 711).
7
Como na interpretação de THOMAS, Henry; THOMAS, Dana Lee. Vida de grandes filósofos. Porto Alegre: Editôra Globo, 1958. p. 9.
8
O banquete, 179b. (2012).
9
O banquete, 179 b-d. (1983). Como
aparece na tragédia, homônima, de Eurípedes – o
mais antigo drama de Eurípedes, que sobreviveu, e o único anterior à Guerra do
Peloponeso. Cf. EURIPIDE. Alceste.
Paris: Les Belles Lettres, 1926, p. 43-101. v. 1.
10
O banquete, 179d. (1983).
11
O banquete, 179d-180a.
12
O Fedro, posterior a’O banquete. As datas dos diálogos de
Platão são motivos de muitas controvérsias. A redação d’O banquete, por exemplo, teria sido por volta de 385 a.C. A do Fedro costuma aparecer entre 375 e 370
a.C. Com relação à problemática, ver: SCHLEIERMACHER, Friedrich D. E. Introdução aos diálogos de Platão. Belo
Horizonte: Editora UFMG; Departamento de Filosofia – FAFICH/UFMG, 2002. p.
27-76.
13
“O ponto de partida do diálogo [Fedro]
é um discurso do retor Lísias, a quem o jovem Fedro devota desmedida admiração.
a esse discurso, Sócrates opõe um arrazoamento sobre o mesmo tema, a saber:
valerá mais conceder favores a quem nos ama ou a quem não nos ama? (Esse
diálogo, evidentemente, deve ser situado no contexto cultural grego, em que a
homossexualidade desempenhava papel muito especial). Como, em seu discurso,
Lísias escolhia (paradoxalmente) a segunda resposta, Sócrates vai defender a
primeira. Mas Sócrates não poderia satisfazer-se em somar um discurso a outro
discurso. Sua reflexão sobre o amor passará, portanto, por uma análise da alma
humana. Aqui se encontra a célebre imagem da atrelagem alada: a alma é
comparável ao conjunto formado pelo cocheiro e seus dois cavalos, um dócil e
outro bravio. Essa imagem leva Platão a uma alegoria do conhecimento, da vida
virtuosa, da própria filosofia. [...] Assim como O banquete, cujo prolongamento indispensável constitui, Fedro
articula uma reflexão sobre o amor e a filosofia com a Ideia de belo.”
(HUISMAN, 2000, p. 223).
14
Ou “alça ele o seu voo”, como na Ilíada
(II, 71), que é de onde Pausânias retira a referência, aludindo a Oneiros – o
Sonho personificado –, que se apresenta a Agamenon.
15
O banquete, 183d-e. Aqui, novamente,
uso a interpretação de Henry e Dana L. Thomas (THOMAS; THOMAS, 1958, p. 9).
16
“O Amor de Afrodite Pandemônia é realmente popular e faz o que lhe ocorre; é a
ele que os homens vulgares amam. E amam tais pessoas, primeiramente não menos
as mulheres que os jovens, e depois o
que neles amam é mais o corpo que a alma, e ainda dos mais desprovidos de
inteligência, tendo em mira apenas o efetuar o ato [sexual], sem se preocupar
se é decentemente ou não; daí resulta então que eles fazem o que lhes ocorre,
tanto o que é bom como o seu contrário.” (O
banquete, 181b [1983]).
17
O banquete, 186b. (1983).
18
O banquete, 186b. (1983).
19
O banquete, 186d. (1983). Ou: “A medicina,
portanto, como estou dizendo, é toda ela dirigida nos traços deste deus, assim
como também a ginástica e a agricultura; e quanto à música, é a todos evidente,
por pouco que se lhe preste atenção, que ela se comporta segundo esses mesmos
princípios.” (O banquete, 187a.
[1983]).
20
O banquete, 188b. (1983).
21
O livrinho de Ovídio (43
a.C.-c.17/8 d.C.), Os remédios
para o amor, parece desenvolver esse tema: “O Amor, ao ler o título e o
nome deste pequenino livro, disse: ‘É a guerra, estou vendo a guerra que estão
preparando contra mim’. Pare, Cupido, de condenar seu poeta como um criminoso,
eu que, tantas vezes, sob o seu comando, carreguei o estandarte que você me
confiou.” Ele diz, no prefácio. E diz mais: “Venham às minhas aulas, jovens
enganados, que no amor só encontraram decepções. A mesma mão lhes trará a
ferida e o remédio.” (OVÍDEO. Os remédios para o amor. In: A arte de amar. Porto Alegre: L&PM, 2001. [Col. L&PM
Pocket, 248]). Como em Erixímaco, o amor, para
Ovídeo, é uma doença.
22
THOMAS; THOMAS, 1958, p. 9-10. N’O
banquete, 189c-193e.
23
Elogiando as ações dos homens, movidos pelo Amor (ou por Amor), os oradores
esqueceram que era ao próprio Amor que deveriam elogiar.
24
O banquete, 194e-195a (1983).
25
“Realmente, caro Agatão, bem me parece iniciar teu discurso, quando dizias que
primeiro se devia mostrar o próprio amor, qual a sua natureza, e depois as suas
obras. Esse começo, muito admiro.” (O
banquete, 199c [1983]).
26
O banquete, 189d-204c.
27
O banquete, 201c-204a.
28
SOUZA, José Cavalcante de. Notas. In: PLATÃO. O banquete. In:
_____. Diálogos.
2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p. 27. (Col. Os Pensadores). Nota 79.
29
Como quando ele diz que a constituição do Amor é úmida: “Pois não seria ele
capaz de se amoldar de todo jeito, nem de por toda alma primeiramente entrar,
desapercebido, e depois sair, se fosse ele seco.” (O banquete, 196a [1983]). E como ele mesmo diz, ao final do
discurso: “Esta é minha contribuição, Fedro, ao que está sendo discutido,
oferenda a Eros, mistura de brinquedo e seriedade. Exigir mais excederia a
minha capacidade.” (O banquete, 197e
[2012]).
30
“E uma grande prova do que digo ele [o Amor] próprio fornece, quando em fuga
foge da velhice, que é rápida evidentemente, e que em todo caso, mais rápida do
que devia, para nós se encaminha. De sua natureza Amor a odeia e nem de longe
se lhe aproxima. Com os jovens ele está sempre em seu convívio e ao seu lado.”
(O banquete, 195b [1983]).
31
O banquete, 197b.
32
Antes, ele dissera “em nada mais ser entendido senão nas questões do amor” ((O banquete, 177d [1983]), ou, como na
tradução de Donaldo Schüler: “... afirmo que entendo de assuntos eróticos e de
nenhuma outra matéria” (O banquete,
177d [2012]). Agora, ao iniciar o seu discurso: “Refleti então que estava evidentemente
sendo ridículo, quando convosco concordava em fazer na minha vez, depois de
vós, o elogio do Amor, dizendo ser terrível nas questões do amor, quando na
verdade nada sabia do que se tratava, de como se devia fazer qualquer elogio.”
(O banquete, 198d. [1983]).
33
Não entro no mérito da questão referente à legitimidade (ou não) do discurso de
Diotima, que pode ser mera invenção de Sócrates, a fim de desviar uma fala que
seria imediatamente sua, para outra – de uma autoridade (no tema) que ele afirma
reconhecer – como também Parmênides (séc. V a.C.) faz, atribuindo à Deusa
(Justiça) o seu grande poema Sobre a
natureza. Importa, por hora, o conteúdo do tal discurso, e suas
implicações. Convém dizer, entretanto, que a metáfora da revelação parmenidiana,
por sua vez, provém de Homero (primeiro verso da Ilíada), a quem o eléata conhece muito bem, juntamente com Hesíodo.
A Deusa, a quem ele deve a sua revelação – que é ho daímon (“a divindade”), é a própria Diké, aquela que o “atrai” à sua morada, e é Moira (“Destino”) e Ananké (“Necessidade”) e Alétheia (“Verdade”) –, somente tem a
afinidade de Afrodite, enquanto mãe de Eros: “Como primeiro (daimon) concebeu
antes de todos os deuses eros...” (Frag. B 13, na tradução de Emmanuel Carneiro
Leão. Em: PARMÊNIDES. Acerca da nascividade. In: Os pensadores originários: Anaximandro, Parmênides, Heráclito. 3.
ed. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 53. [Col. Pensamento Humano]). O recurso, como
se vê, pode ser o da “via indireta”, na autoridade de uma (outra) autoridade.
Mas pode ser que não seja.
34
O banquete, 201d. (1983).
35
“Ao que me contou Aristodemo”, Apolodoro diz, “o discurso de Agaton levantou
uma tempestade de aplausos. Os convivas estavam convictos de que a expressão do
jovem correspondia às características da divindade reverenciada.” (O banquete, 198a [2012]).
36
O banquete, 199e. (1983).
37 “Pois “não há amor
onde nada é amado.” (De Trin., IX, 2.2). Mas, que é o amor ou a Caridade (αγάπη, charitas)
senão o amor do Bem? “O amor, porém, supõe alguém que
ame e alguém que seja amado com amor. Assim, encontram-se três realidades: o
que ama, o que é amado e o mesmo amor. O que é, portanto, o amor, senão uma
certa vida que enlaça dois seres, ou tenta enlaçar, a saber: o que ama e o que
é amado?” (De Trin., VIII, 10.14). O amado (quod amatur)
é amado por aquele que ama (amans), e ambos estão unidos no amor (amor),
formando a unidade trinitária. Um modelo perfeito para a Trindade cristã.
Outras tríades, sempre ascendentes (da “coisa” à Ideia), e de forte influência socrático-platônica,
aparecem por toda a parte da De Trinitate:
AGOSTINHO, Santo. A Trindade. 2. ed. Paulo:
Paulus, 1994. (Col. Patrística, 7).
38 O
banquete, 200b. (1983).
39 O
banquete, 200d. (1983).
40 O
banquete, 205e. (1983).
41 O
banquete, 206a. (1983).
42 ABBAGNANO, Nicola. Amor. In: _____.
Dicionário de filosofia. 2. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 39.
43 “Por mais desinteressada e ideal
que pareça essa admiração por uma pessoa amada, o alvo real é a concepção de um
novo indivíduo de determinada natureza. Prova-se isto pelo fato de que o amor
sexual não se contenta com o sentimento recíproco, mas exige a posse, isto é, o
gozo físico. A certeza de ser amado não compensa a privação da posse de quem se
ama, e em tais casos, muitos já se suicidaram.” (SHOPENHAUER, 1951, p. 44).
44 O
banquete, 208b. (2012).
45 HUISMAN,
2000, p. 25. “Quando então alguém, subindo a partir do que aqui é belo [o
pronome τῶνδε, aqui, aponta para a
“ideia do belo”], através do correto amor aos jovens, começa a contemplar
aquele belo, quase que estaria a atingir o ponto final. Eis, com efeito, em que
consiste o proceder corretamente nos caminhos do amor ou por outro se deixar
conduzir: em começar do que aqui é belo e, em vista daquele belo, subir sempre,
como que servindo-se de degraus, de um só para dois e de dois para todos os
belos corpos, e dos belos corpos para os belos ofícios, e dos belos ofícios
para as belas ciências ate que das ciências acabe naquela ciência, que de nada
mais é senão daquele próprio belo, e conheça enfim o que em si é belo.” (O banquete, 211b-c. [1983]).
46 O banquete, 210a ss. “Feito o exame das
diversas formas da atividade amorosa (procriação, poesia, legislação), Diotima
as considera com estágios preliminares do supremo ato do amor, que é a
conquista da ciência do belo em si.” (SOUZA, 1983, p. 41. Nota 138). A relação
com a progressividade do conhecimento, como pode ser visto na alegoria da caverna,
é flagrante: “Agora, meu caro Glauco, é preciso
aplicar [...] esta imagem que dissemos atrás e comparar o mundo que nos cerca
com a vida da prisão na caverna, e a luz do fogo que ilumina com a força do
Sol. Quanto à subida à região superior e à contemplação dos seus objetos, se a
considerares como a ascensão da alma para a mansão inteligível, não te
enganarás quanto à minha idéia, visto que também tu desejas conhecê-la. Só Deus
sabe se ela é verdadeira. Quanto a mim, a minha opinião é esta: no mundo inteligível,
a idéia do bem é a última a ser apreendida, e com dificuldade, mas não se pode
apreendê-la sem concluir que ela é a causa de tudo o que de reto e belo existe
em todas as coisas.” (Rep., VII, 517 b/c; PLATÃO. A
República. São Paulo: Nova Cultural, 1996. (Col. Os Pensadores).
47 “Por trás da
aparência física (Sócrates era feio), é a alma que se deve considerar.”
(HUISMAN, 2000, p. 25).
48 HUISMAN,
2000, p. 25. A temática é retomada no Fedro,
quando Sócrates procura mostrar os caminhos pelo qual o amor sensível chega ao amor pela sabedoria (a filosofia), e o
transe erótico à virtude divina, afastando o erasta das vias comuns, auxiliado
pela dialética (Fédon, 265b, ss.).
49 “A principal
consequência dessa concepção [a metafísica platônica, sua teoria do
conhecimento] para o desenvolvimento da filosofia é que, na medida em que a
tarefa filosófica passa a se definir como teoria, contemplativa, especulativa,
dirigida assim para uma realidade abstrata e ideal, a reflexão filosófica
afasta-se progressivamente do mundo de nossas experiência imediata e concreta
[como ocorria entre os pré-socráticos], passando a ser vista como contemplação
e meditação. Isso ocorrerá de fato com algumas correntes do platonismo no
período do helenismo, especialmente
com o neoplatonismo e, em alguns
casos, com o platonismo cristão [o de
Agostinho, entre os principais]. Daí se origina o sentido vulgar que o termo ‘platônico’
possui ainda hoje, com a conotação de ‘contemplativo’, como na expressão ‘amor
platônico’.” (MARCONDES, Danilo. Iniciação
à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 2. ed. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. p. 57).