segunda-feira, 31 de dezembro de 2012


29.






De como Eros foi cuspido (Parte 2)*



“Todo o homem de hoje2, em quem a estatura moral e o relevo intelectual não sejam de pigmeu ou de charro, ama, quando ama, com o amor romântico. O amor romântico é um produto extremo de séculos sobre séculos de influência cristã3; e, tanto à sua substância, como quanto à sequência do seu desenvolvimento, pode ser dado a conhecer a quem não o perceba comparando-o com uma veste, ou traje, que a alma ou a imaginação fabriquem4 para com ele vestir as criaturas, que acaso apareçam, e o espírito ache que lhes cabe.
“Mas todo o traje, como não é eterno, dura tanto quanto dura; e em breve, sob a veste do ideal que formámos, que se esfacela, surge o corpo real da pessoa humana, em quem o vestimos.5
O amor romântico, portanto, é um caminho de desilusão. Só o não é quando a desilusão, aceite desde o princípio, decide variar de ideal constantemente, tecer constantemente, nas oficinas da alma, novos trajes, com que constantemente se remove o aspecto da criatura, por eles vestida.”
*****
“Nunca amamos alguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém. É a um conceito nosso – em suma, é a nós mesmos – que amamos.6
“Isto é verdade em toda a escala do amor. No amor sexual buscamos um prazer nosso dado por intermédio de um corpo estranho. No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma ideia nossa. O onanista é abjecto7, mas, em exacta verdade, o onanista é a perfeita expressão lógica do amoroso. É o único que não disfarça nem se engana.
“As relações entre uma alma e outra, através de coisas tão incertas e divergentes como as palavras comuns e os gestos que se empreendem, são matéria de estranha complexidade8. No próprio acto em que nos conhecemos, nos desconhecemos. Dizem os dois ‘amo-te’ ou pensam-no e sentem-no por troca, e cada um quer dizer uma ideia diferente, uma vida diferente, até, porventura, uma cor ou aroma diferente, na soma abstracta de impressões que constitui a atividade da alma.9
“Estou hoje lúcido como se não existisse. Meu pensamento é em claro como um esqueleto, sem os trapos carnais da ilusão de exprimir. [...]”





* Os textos que seguem (dois fragmentos) são transcrições de: PESSOA, Fernando. Autobiografia sem factos. In: _____. Livro do desassossego: composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 136-7 [§ 111 e 112]. As notas são minhas, e os itálicos. 
2 O livro do desassossego começou a ser escrito em 1913 – que foi quando apareceu, publicada, a prosa “Na Floresta do Alheamento”. Os dois trechos, transcritos acima, fazem parte do conjunto de fragmentos ao qual Bernardo Soares (Fernando Pessoa) chamou de Estética da abdicação (trecho 105 a 114), dentro da “Autobiografia sem fatos”. Pessoa trabalharia no Livro até sua morte (30 de novembro de 1935), deixando-o como podemos ver: incompleto, fragmentário; podendo ser lido a partir de qualquer parte.
3 É na intenção de provar essa máxima, máxima, principalmente através da literatura (histórica, romântica, filosófica e teológica), que o conjunto de textos até então apresentados existe. Outras intenções – como a exposição da insustentabilidade de certos dogmas e fundamentalismos, tanto na teologia (principalmente) como nalgumas escolas do pensamento dito liberal – aparecem naturalmente, mesmo ao leitor menos atento.
4 É a fantasia, a máscara moral da cristandade ocidental. A que foi colocada sobre o sexo (como já mostrei e ainda mostrarei) é a maior e mais evidente de todas. Em relação às concepções cristãs, principalmente as de Agostinho de Hipona, por seu alcance na formação moral do Ocidente – sobre o corpo e o sexo –, teólogas modernas, de orientação feminista, têm apontado, às vezes anacronicamente, as falhas de tais concepções doutrinárias. Uma delas, Uta Ranke-Heinemann, valendo-se de um texto fragmentado da obra de Fredrich Heer (HEER, Fredrich. Gottes erste Liebe: Die Juden im Spannungsfeld der Geschichte. Esslingen, 1981. p. 69-71), afirma que Agostinho, “como muitos neuróticos, [...] separa de forma radical o amor da sexualidade”. (RANKE-HEINEMANN, Uta. Eunucos pelo reino de Deus: mulheres, sexualidade e a Igreja Católica. 3. ed. Rio de Janeiro: Record / Rosa dos Tempos, 1996. p. 88-9). A perspectiva de Ranke-Heinemann é também equivocada: é romântica, é típica daquele Romantismo que marca o jovem Werter, na obra de J. W. Goethe (1749-1832). Ademais, a autora parece querer manter aquela união mística entre o amor romântico e o Desejo, ignorando-o como “mero” artifício da Vontade – uma opção do sentimento, não da razão (cf. SCHOPENHAUER, Arthur. Metafísica de las costumbres. Madrid: 1993. [Col. Classicos del Pensamiento]). Um dos principais equívocos de tais teólogas – como se isso já não fosse um equívoco – é o modo como elas se armam com a “paixão da causa”, numa hermenêutica assumidamente sexista, cega às questões maiores. De todo modo, e contra o modo apressado (e anacrônico) de tais juízos, o renomado agostinólogo italiano, Agostinho Trapè, afirma que, ultimamente, “está na moda [...] falar mal sobre esse ponto – e não somente esse – do bispo de Hipona” (TRAPÈ, Agostinho. S. Agostino: l’uomo, il pastore, il mistico. Fossano: Editrice Esperienze, 1976. p. 227). Todavia, e não obstante a leitura apaixonada de Ranke-Heinemann sobre a “sexualidade em Agostinho”, é estranho que tanto se associe a moral cristã à sexualidade, como se isso encerrasse a maior parte dos seus “problemas”. Uma leitura coerente sobre o tema da moral sexual, em Agostinho, pode ser vista em: BROWN, Peter. Agostinho: sexualidade e sociedade. In: _____. Corpo e sociedade: o homem, a mulher e a renúncia sexual no início do cristianismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1990. p. 318-51.
5 Uma posição claramente antimetafísica, ou realista – como é tão comum de se notar na alma perturbada de Bernardo Soares, ou na poesia de Alberto Caeiro. A sentença: “Os deuses são a encarnação do que nunca poderemos ser” (PESSOA, 1999, p. 340 [§ 375]), no Livro do desassossego, poderia perfeitamente estar em Feuerbach.  
6 Como em Alberoni: “O indivíduo loucamente apaixonado é como o convertido que deixa casa, filhos, tudo pela fé. Ou como o terrorista que mata, mas por razões idealistas. O prazer não possui essa dignidade ética. O erotismo masculino [...] é absolutamente o inverso da ética. Esta impõe que se considere o outro ser humano como fim e jamais como meio. O objeto do desejo erótico masculino, ao contrário, é meio, como o alimento, como a água, como a cama para quem tem sono. Tudo o que serve para satisfazer uma necessidade é meio. Até mesmo a reciprocidade, no erotismo masculino, é egoísta. O prazer da mulher é desejado em vista do próprio prazer.” (ALBERONI, Franscesco. O erotismo: fantasias e realidades do amor e da sedução. São Paulo: Círculo do Livro, [s.d.]. p. 49).
7 Na história bíblica (Gênesis 38, 4-10), Onã – e daí a palavra onanismo –, sempre que tem relações com a viúva de seu irmão, para lhe suscitar descendência (como era costume entre os hebreus da época), retira o membro da vagina da mulher, deixando que o sêmen caia ao chão; “já que o filho não será meu”, pensa. A prática, no sentido, equivale ao ato da masturbação, em que não há a fertilização de um par.
8 Quando trata sobre “A relação intelectual” entre os casais, Pierre Weil destoa de Pessoa e, em uma somatória de banalidades, percorre o caminho fácil do senso comum: “Os parceiros gostam cada vez mais um do outro [quando] encontram opiniões em acordo e sintonia com o que pensam e sentem, sobre assuntos e motivações os mais diversos, tais como política, religião, arte, música, filosofia da vida, hobbies etc...” (WEIL, Pierre. Amar e ser amado: a comunicação no amor. 16 ed. Petrópolis: Vozes, 1986. p. 66). Nem de longe ocorre ao autor que, no outro, é o nosso reflexo o que vemos e amamos. E por isso, também, logo deixamos de amar – no sentido erótico sensual –, porque nos cansamos da masturbação, queremos o corpo de outro, e não apenas o nosso (veja a nota acima). Por esse dilema é que Pessoa diz: “O amor romântico é um caminho de desilusão.” E não é, quando na ilusão dos interstícios da/na referida procura: “Só o não é”, ele diz, “quando a desilusão, aceite desde o princípio, decide variar de ideal constantemente, tecer constantemente, nas oficinas da alma, novos trajes, com que constantemente se remove o aspecto da criatura, por eles vestida.” (PESSOA, 1999, p. 137 [§ 111]). Por fim: “No amor sexual buscamos um prazer nosso dado por intermédio de um corpo estranho.” (PESSOA, 1999, p. 137 [§ 112]). O outro, com ou sem a nossa ética, qualquer que seja ela, é o nosso objeto, e sempre em função de nós mesmos.
9 De fato, e como afirma em outra parte (fazendo coro a Sócrates e Kierkegaard): “A ironia é o primeiro indício de que a consciência se tornou consciente. E a ironia atravessa dois estádios: o estádio marcado por Sócrates, quando disse ‘sei só que nada sei’, e o estádio marcado por Sanches, quando disse ‘nem sei se nada sei’. O primeiro passo chega àquele ponto em que duvidamos de nós dogmaticamente, e todo o homem superior o dá e atinge. O segundo passo chega àquele ponto em que duvidamos de nós e de nossa dúvida, e poucos homens o têm atingido na curta extensão já tão longa do tempo que, humanidade, temos visto o sol e a noite sobre a vária superfície da terra. Conhecer-se é errar, e o oráculo que disse ‘Conhece-te’ [a ti mesmo] propôs uma tarefa maior que a de Hércules e um enigma mais negro que o da Esfinge.” (PESSOA, 1999, p. 165 [§ 149]).


quinta-feira, 27 de dezembro de 2012


28.






De como Eros foi cuspido (Parte 1)*



“No cristianismo o religioso suspendeu o erótico, não só por um equívoco ético, como o pecaminoso, mas sim como o indiferente1, porque não há no espírito nenhuma diferença de homem ou mulher2. Aqui, o erótico não está ironicamente neutralizado, mas suspenso, porque a tendência do cristianismo é a de levar o espírito adiante. Quando, no pudor, o espírito fica aflito e encabulado por revestir-se da diferença de gênero, a individualidade de repente salta fora e, em vez de impregná-la eticamente, agarra uma explicação que provém da mais alta esfera do espírito3. Este é um dos aspectos da visão monástica, quer esta se defina mais como rigorismo ético, quer como contemplação predominante.4
“Tal como no pudor a angústia5 esta posta, também está presente em todo gozo erótico, não porque este seja pecaminoso, de modo algum; por isso também não adianta nada se o pastor abençoar dez vezes o casal. Mesmo quando o erótico se exprime com tanta beleza e pureza e segundo os bons costumes quanto possível, sem ser perturbado em sua alegria por alguma reflexão voluptuosa, a angústia está ainda assim presente, porém não como fator de perturbação, e sim como um momento adicional.6
“É extremamente difícil, no tocante a isso, fornecer observações experimentais. Normalmente, há que se ter aqui o cuidado que os médicos empregam de jamais verificar o pulso sem se certificarem antes de que não estão a segurar o próprio em vez do pulso do paciente; igualmente é preciso ter cautela para evitar que a emoção que se descobre seja, afinal, a inquietação que o observador sente diante de sua própria observação.”






* O texto que segue é transcrição literal de: KIERKEGAARD, Sören A. O conceito de angústia: uma simples reflexão psicológico-demonstrativo direcionada ao problema dogmático do pecado hereditário de Vigilius Haufniensis. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Editora Universitária São Francisco, 2010. p. 76-7. (Col. Pensamento Humano). As notas, com exceção da 4, do próprio Kierkegaard, são minhas.  
1 O sentido para “diferente”, aqui, é aquele da adiáfora (ἀδιάφορα), entre cínicos e estoicos. Adiáfora diz respeito àquelas coisas que, como afirma Sexto Empírico (180-220 d.C.), “não contribuem nem para a felicidade nem para a infelicidade, como a saúde e a riqueza ou, em outros termos, aquilo de que se pode fazer bom ou mau uso” (Pirr. hyp., III, 177; EMPIRICI, Sexti. Pirroneion hypotyposeon libri tres. In: ____. Opera. Hermannus Mutschmann Ed. Lipsiae in Aedibus B. G. Teubneri, 1912. v. 1).
2 É o espírito cristão (natureza espiritual), reflexo da piedosa alma imortal: aquele nosso Eu que, no céu (aqui é preciso fé), não reconhece o sexo por sua função erótica (libido, vontade, procriação, etc.), como na resposta do Cristo aos Saduceus: “Na ressurreição, as pessoas não casam nem são dadas em casamento, são como anjos no céu.” (Mateus, 22, 30; TEB). E ainda, nas palavras do Apóstolo: “E assim como nós existimos à imagem do homem terrestre, assim também existiremos à imagem do homem celeste.” (1Coríntios, 15, 49; TEB). O corpo espiritual, ressuscitado, na exposição apostólica, não herda a corrupção da carne (seus apetites), que não ressuscita.    
3 Isto é, do ideal que se deseja ao espírito: sua elevação a Deus (à Ideia, em Sócrates-Platão), pelo caminho da piedade (do amor – como foi mostrado n’O banquete). A doutrina é nitidamente idealista. Idealista e otimista em relação à verdade e ao progresso do espírito (contra a individualidade egoísta), no trato com o Outro, que é meu “semelhante”. A mulher, no cristianismo, é também irmã do seu marido, e, por isso, objeto do respeito “extra ético” (dado no salto da individualidade), quando na relação erótico-carnal. Tal relação, mais que o imediato prazer individual, deve existir em função de um novo ser, gerado à imagem e semelhança de Deus. Mais adiante, quando eu voltar à questão do Eu individual na “ética sexual” do cristianismo – baseando-me nas obras de Francesco Alberoni (O erotismo: fantasias e realidades do amor e da sedução [1986]) e Max Stirner (O único e sua propriedade [1845]), principalmente –, mostrarei que tal análise não se sustenta senão pela voz da fé. Voz que – como se nota no “neoplatonismo paulino”, radical –, hoje, se não é afônica, é completamente distorcida ou diluída na fé individual conforme a conveniência (a hermenêutica da situação).
4 “Por estranho que possa parecer a quem não está acostumado a observar com audácia os fenômenos, há, não obstante, uma completa analogia entre a concepção irônica do erótico enquanto o cômico, de Sócrates, e a atitude de um monge a respeito das mulieres subintroductae [‘mulheres subintroduzidas’, ou ‘virgens subintroduzidas’, virginis subintroductae, como foram chamadas algumas religiosas no medievo, as que coabitavam com monges em conventos, compartilhando o mesmo leito. Também chamadas de agapetas – ‘cultoras de ágape, o espírito cristão da fraternidade universal’ –, praticavam certa forma de amor e sexo sublimados, com os monges: carícias, beijos e afeto... mas sem o coito com penetração]. O abuso só interessa, naturalmente, àquele que fareja abusos.” (N. do A., exceto as chaves). Para compreender o método da ironia, em Sócrates e em Kierkegaard, seu herdeiro maior, ver: KIERKEGAARD, S. A. O conceito de ironia constantemente referido a Sócrates. Petrópolis: Vozes, 1991. p. 11. (Col. Pensamento Humano).
5 Lembrar que o tema de Kierkegaard, aqui, é o da angústia. Introduzido por ele, na filosofia – com a publicação de O conceito de angústia, em 1844 –, o termo faz referência à atitude do homem diante de sua situação no mundo; e sua raiz é a possibilidade. Diferentemente do temor e de outros estados anímicos semelhantes, que se referem a algo determinado (temor a...), a angústia não se refere a nada que seja exato, preciso, rigoroso – é o sentimento puro da possibilidade, a dimensão do futuro diante de mim, sem garantias. “A inocência é ignorância”, e quanto mais ignorância, menos angústia – que existe mesmo nas crianças. E, “que haja crianças nas quais ela não se encontra, nada prova, pois o animal também não a tem, e quanto menos espírito, menos angústia.”  (O conceito de angústia, 1, § 5; KIERKEGAARD, 2010, p. 45-6). “O angustiar-se como alguma coisa”, Heidegger diz, “não possui nem o caráter de espera nem de atendimento. O com quê a angústia se angustia já está ‘pre-sente’, é a própria pre-sença. [...] A insignificância do mundo, aberta na angústia, desentranha o nada das ocupações, isto é, a impossibilidade de se projetar um poder-ser da existência primariamente fundado na ocupação. Desentranhar essa impossibilidade significa, porém, deixar via à luz a possibilidade de um poder-ser em sentido próprio. Que sentido temporal possui esse desentranhar? A angústia angustia-se pela presença nua e crua, lançada na estranheza. Ela recoloca o fato puro do estar-lançado [no mundo] mais próprio e singular. [...] A angústia se eleva a partir do ser-no-mundo enquanto ser-lançado-para-a-morte.” (Sein und Zeit, § 68 b; HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo: parte II. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 140-2. [Col. Pensamento Humano]).  
6 Como sumariado na máxima latina: post coitum omne animalium triste est. Ou como anotado por Lucrécio: “Giramos sempre no mesmo círculo sem nunca poder sair... Enquanto o objeto de nossos desejos permanece distante, ele nos parece superior a todo o resto; se ele é nosso, passamos a desejar outra coisa, e a mesma sede da vida nos mantém em permanente tensão...” (LUCRÉCIO. De rerum natura, III, 1080-1084. Citado em: COMTE-SPONVILLE, André. A felicidade, desesperadamente. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 29). Afirmação subscrita por Schopenhauer, ao afirmar que a “vida [do homem], [...] oscila como um pêndulo, para aqui e para acolá, entre a dor e o tédio” (SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo como Vontade e como Representação. São Paulo: Editora UNESP, 2005. p. 402. [IV, 57]). No mesmo sentido, Sartre é sentencioso, e no mesmo espírito de Kierkegaard: “O prazer é a morte e o fracasso do desejo”, e é por isso que “o desejo está fadado ao fracasso.” (SARTRE, Jean-Paul. L’être et le néant. Paris: Gallimard, 1969. p. 467).


quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

27.






De um Amor que transcende as falas... de amor




N’O banquete, de Platão – que Schopenhauer entende ser a principal obra sobre o tema do Amor, embora com desvios e limitações1 –, os amores são caminhos para o sublime, para a Ideia sublimada.
O banquete não é propriamente um diálogo; é, antes, uma série de discursos sobre a origem, ações, funções e marotagens de Eros: às vezes divino, às vezes humano. Por isso que os discursos são “irregulares e pitorescos, em que o sério e até sublime se sucede ao cômico e mesmo à farsa”2. As várias faces do Amor, conforme a tradição, pontuam os discursos dos personagens – pelo menos aqueles que foram julgados mais importantes, e lembrados por Aristodemo e Apolodoro3 –, até que chega a vez de Sócrates.
Realizado na casa de Agatão – que comemorava um prêmio conquistado4 –, o primeiro a discursar é Fedro. Invocando a autoridade de Hesíodo, Fedro afirma que Amor é um dos deuses mais antigos, um dos mais reverenciados e poderosos. Sem genitores, teria nascido depois de Caos e Terra5. É o Amor quem transforma jovens comuns em heróis, uma vez que eles têm vergonha de parecerem tolos ou covardes diante daqueles ou daquelas a quem amam.

A vergonha os cobre sobretudo quando, na execução do reprovável, a vista dos erastas os atinge. Se fosse possível dar vida a uma cidade ou a um exército de formado de erastas e de erômenos, não haveria maneira melhor de conviverem do que absterem-se de toda ação reprovável e cultivarem admiração mútua. Um eronta preferiria muitas vezes morrer a ser visto pelo desejado a abandonar o posto ou a entregar as armas; o testemunho dos outros lhe seria mais humilhante.6

“Dai-me um exército de enamorados e poderei conquistarei o mundo”, ele dizia7. E: “O que Homero afirmou, que ‘uma divindade inspira ardor a certos heróis’, isso outorga Eros de si mesmo aos erontas. Sem dúvida, só os erontas se dispõem a morrer uns pelos outros, quer homens, quer mulheres.8” Para respaldar o que afirma, Fedro cita três casos conhecidos: Alceste, que se dispôs a morrer no lugar do seu marido, Admeto, rei de Feres, na Tessália:

E a esse respeito a filha de Pélias, Alceste, dá aos gregos uma prova cabal em favor dessa afirmativa, ela que foi a única a consentir em morrer pelo marido, embora tivesse este pai e mãe, os quais ela tanto excedeu na afeição do seu amor que os fez aparecer como estranhos ao filho, e parentes apenas de nome; depois de praticar ela esse ato, tão belo pareceu ele não só aos homens mas até aos deuses que, embora muitos tenham feito muitas ações belas, foi a um bem reduzido número que os deuses concederam esta honra de fazer do Hades subir novamente sua alma, ao passo que a dela eles fizeram subir, admirados do seu gesto; é assim que até os deuses honram ao máximo o zelo e a virtude no amor.9

Orfeu, que foi ao Hades em busca de Eurídice:

A Orfeu, o filho de Eagro, eles [os deuses] o fizeram voltar sem o seu objetivo, pois foi um espectro o que eles lhe mostraram da mulher a que vinha, e não lha deram, por lhes parecer que ele se acovardava, citaredo que era, e não ousava por seu amor morrer como Alceste, mas maquinava um meio de penetrar vivo no Hades.10

E, por fim, Aquiles – que mesmo sendo advertido por sua mãe, Tétis, de que matar Heitor significaria também a sua própria morte, a preferiu, por amor a Pátroclo, a quem vingou.11  
Em Fedro, o Amor tem uma natureza educativa: pela transformação que faz no amante – de fraco em forte, de comum a excelente, de excelente a divino. Na educação do corpo e da mente, com vistas ao bem da pólis – como aparecerá depois em Platão –, os ecos desse discurso, embora as diferenças, ainda reverberam. Ademais, o próprio Fedro será personagem de outro diálogo com Sócrates12, em que dois temas são principais: o amor e a retórica – tudo convergindo, como n’O banquete (já veremos), para a Ideia do belo, do bem... o Sumo Bem.13 
Depois de Fedro, o discurso é de Pausânias. Esse, procurando corrigir a Fedro, afirma não haver apenas um Amor, mas dois. Também é preciso “distinguir entre o amor terreno [Pandêmia, a Popular] e o amor divino [Urânia, a Celeste] – a atração entre dois corpos, de um lado, e, de outro, a afinidade entre duas almas. O amor vulgar do corpo cria asas14 e foge ao passar o viço da mocidade. Mas o nobre amor da alma é perpétuo.15” Há, pois, o amar (humano) e o Amor (divino). O amor divino (a Urânia Celeste) é verdadeiro, nobre, eterno; o amor terreno (a Afrodite Pandêmia) é falso e fugaz, ligado mais às belezas do corpo que às da alma16. Há, no amor, assim, uma hierarquia – o discurso de Pausânias, como já fica evidente, não será ignorado por Sócrates, mais tarde.
Em seguida vem Erixímaco, que apresenta uma teoria cósmica do amor. Nela, dentre outras, o amor é responsável pela saúde dos corpos, as harmonias musicais, as revoluções astronômicas, a adivinhação, etc. “Grande e admirável é o deus [Amor], e a tudo se estende ele, tanto na ordem das coisas humanas como entre as divinas.17” Assim, depois de elogiar o discurso de Pausânias – pela dupla natureza do amor –, e tomando como ponto de partida a medicina (Erixímaco era médico), ele afirma que “a natureza dos corpos, com efeito, comporta esse duplo Amor; o sadio e o mórbido são cada um reconhecidamente um estado diverso e dessemelhante, e o dessemelhante deseja e ama o dessemelhante”18, ou seja: aquilo que lhe é próprio. A saúde, na doença, deseja a saúde; e a doença, na saúde, o seu contrário. Deste modo, o amor supõe uma harmonia, e a medicina é uma arte que é “capaz de fazer com que os elementos mais hostis no corpo fiquem amigos e se amem mutuamente”19. Tal harmonia, seja na adversidade ou diversidade dos elementos do/no mundo, demonstram que o amor – como a Vontade, em Schopenhauer – está em tudo, mantendo o que há, por união ou separação, por vida ou morte, por excesso ou escassez. Outras artes, como a música e literatura, por exemplo, são tão assimiláveis à medicina que “nada mais versam senão sobre a conservação e a cura do Amor”20. O Amor, como também as outras afecções, é cura e doença.21
O comediógrafo Aristófanes, em seu discurso, tem uma explicação irretocável sobre os efeitos do Amor sobre os pobres amantes: “Nos tempos antigos”, diz ele,

andavam os dois sexos unidos num único corpo. Esse corpo era redondo como uma bola, tinha quatro mãos, quatro pés e duas faces. Movia-se com assombrosa rapidez, utilizando-se dos oito membros que tinha, como se fossem os raios de uma roda, numa série contínua de saltos mortais. A força dessa raça de homens-mulheres era tremenda, e sua ambição sem limites. Assim planejaram escalar os céus e atacar os deuses quando Júpiter teve uma feliz ideia: “Dividamo-lo em dois”, disse ele, “e eles terão, assim, apenas metade da força que têm, e nós, o dobro de sacrifícios”.
E dito isso, o deus separou os dois sexos, e desse dia em diante as duas metades daquele corpo outrora unido, vêm se consumindo no ardente desejo de se reunirem novamente, para serem, como antes, um só. E é esse anseio pela reunião dos sexos que chamamos amor.22

Agatão, que era o anfitrião, também discursa, chamando a atenção de todos para a causa, e não apenas para os efeitos do Amor... sobre os amantes:

Eu então quero primeiro dizer como devo falar, e depois falar. Parece-me com efeito que todos os que antes falaram, não era o deus que elogiavam, mas os homens que felicitavam pelos bens de que o deus lhes é causador23; qual porém é a sua natureza, em virtude da qual ele faz tais dons, ninguém o disse. Ora, a única maneira correta de qualquer elogio a qualquer um é, no discurso, explicar em virtude de que natureza vem a ser causa de tais efeitos aquele de quem se estiver falando.24

Mais adiante, Sócrates elogiará tal princípio, defendido por Agatão25. Ele, em verdade, representa uma nova e decisiva etapa na progressão dos discursos. “Embora não vá acertar na definição da natureza do Amor, Agatão traz à baila o problema, possibilitando assim a refutação socrática26 e a definição platônica27.28” Depois do discurso de Aristófanes, qualquer outro corria o risco de tornar-se enfadonho. Mesmo assim, e apesar de tudo, Agatão sustenta – não sem uma boa dose de extravagância, jocosidade e fantasia29 – muito bem as suas posições, prendendo a atenção dos convidados, ao mesmo tempo em que procura provar as perfeições do Amor – que é o mais jovem dos deuses30 e, entre eles, o mais feliz, mais belo e melhor, a todos submetendo, deuses e homens31. A posição de Agatão, no entanto, não deixe de ter uma natureza “romântico”-idealista. Isso, é claro, parece o gancho natural para que Sócrates, afinal, faça o seu discurso.  
O amor é um tema central da filosofia; ela que se define como “amor à sabedoria”, e não “possuidora” dela. Antes de iniciar seu discurso – afirmando-se “terrível nas questões do amor” e “nada saber” sobre o que deveria elogiar32 –, a ironia socrática soa como uma captatio benevolentiæ, na retórica; mas, é não. Seja como for, e para falar sobre o tema comum a todos os convivas, ele avisa que seu discurso é reprodução do que aprendeu junto à Diotima:33

[...] o discurso que sobre o Amor eu ouvi um dia, de uma mulher de Mantinéia, Diotima, que nesse assunto era entendida e em muitos outros [...], o discurso então que me fez aquela mulher eu tentarei repetir-vos, a partir do que foi admitido por mim e por Agatão, com meus próprios recursos e como eu puder. É de fato preciso, Agatão, como tu indicaste, primeiro discorrer sobre o próprio Amor, quem é ele e qual a sua natureza e depois sobre as suas obras.34

Sócrates escolhe Agatão – o jovem premiado e brilhante que arrancou aplausos imodestos dos seus convidados35 – como interlocutor, a quem pergunta: “O Amor é amor de nada ou de algo?” De algo, Agatão responde36. Há, pois: o que ama, o objeto amado e o amor – tríade que será lembrada por Agostinho de Hipona, relacionando-a à doutrina da Trindade cristã37. O erasta, por ação Eros, é “o que deseja aquilo de que carente, sem o que não deseja, se não for carente”38. O amor, antes de tudo, é falta, necessidade, insuficiência e, ao mesmo tempo, desejo de conquistar e conservar aquilo que foi conquistado. A conquista do objeto amado não aplaca a vontade, nem o desejo e, menos ainda, a falta de... Desejo é falta, e falta é sofrimento.

Quando alguém diz: “Eu, mesmo sadio, desejo ser sadio, e mesmo rico, ser rico, e desejo mesmo isso que tenho”, poderíamos dizer-lhe: “Ó homem, tu que possuis riqueza, saúde e fortaleza, o que queres é também no futuro possuir esses bens, pois no momento, quer queiras quer não, tu os tens; observa então se, quando dizes “desejo o que tenho comigo”, queres dizer outra coisa senão isso: “quero que o que tenho agora comigo, também no futuro eu o tenha.”39

Em segundo lugar, o Amor procura aquilo que julga belo; e assim fazendo, procura mesmo é pelo Bem, pelo seu próprio bem: “Não é com efeito o que é seu, penso, que cada um estima, a não ser que se chame o bem de próprio e de seu, e o mal de alheio; pois nada mais há que amem os homens senão o bem”40, e “é o amor amor de consigo ter sempre o bem.”41     
Em terceiro lugar, o Amor é desejo de eternidade, de imortalidade, “como demonstra o instinto de gerar, próprio de todos os animais”42 – asserção que será requisitada por Schopenhauer, ao falar sobre o instinto sexual, sobre o amor, sobre a posse43: “Com esse processo, o mortal participa da imortalidade tanto no corpo como em todos os outros aspectos, embora o imortal esteja situado em outro nível. Não há, portanto, nada de estranho no fato de cada um dos seres admirar o seu rebento. A imortalidade provoca esse zelo, esse erotismo.44” Mas, nas palavras de Huisman: “Eros não poderia ser de essência divina: ele é δαίμων (daimon), intermediário entre o divino e o humano. Sendo desejo de imortalidade, de beleza, ele inspira nos corpos a sede de se perpetuar pela procriação, nas almas o desejo de eternidade.”45
Há, por fim, tantas formas de Amor quantas são as belezas do/no Mundo – da sensível à beleza da sabedoria – e todas elas, a seu modo, apontam para o sublime, com destaque àquela que, por meio da filosofia, pode elevar o erasta à Ideia: do belo em si, da beleza em si, etc46. Tal amor, no discurso de Sócrates, importa-se mais com a beleza da alma que a do corpo.47

Deve-se notar que Sócrates [...] reúne suas intuições esparsas para leva-las a um grau superior de compreensão. Por elevação progressiva aos graus de abstração (diríamos, de idealização), o amor permite assim que a alma tenha acesso à contemplação pura da Ideia do belo, do belo em si.48

A doutrina platônica do amor, presente n’O banquete – o primeiro tratado filosófico do gênero – e no Fedro contém uma análise positiva da afecção e, de modo engenhoso e novo, um modelo metafísico para as noções (todas) de amor, sublimando-as, elevando-as a degraus, inferiores ou superiores, na escalada para o Amor Ideal, ou o Bem. Não é por acaso que, tanto o modelo do seu diálogo quanto as ideias nele contidas, seriam tomadas e retomadas ao longo da história das ideias, da História da Filosofia. O romantismo ocidental é inteiramente e destacadamente devedor de Platão, e sua maior vítima.49






1 “De todos os filósofos”, Schopenhauer afirma, “foi Platão que mais se dedicou ao tema do amor sexual, sobretudo no Banquete e Fedro. Mas, o que ele diz sobre o assunto não passa de mitos, fábulas e anedotas, e refere-se, na sua maior parte, à pederastia.” (SCHOPENHAUER, Arthur. O instinto sexual. São Paulo: Edições INEDOS, 1951. p. 41).
2 HUISMAN, Denis. O banquete. In: _____. Dicionário de obras filosóficas. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 24.
3 Platão é o narrador invisível, que conta as memórias de Apolodoro (a pedido de Glauco), que teria ouvido os relatos de Aristodemo e se certificado, com o próprio Sócrates de que eles eram fidedignos. Sócrates, por sua vez, contará, de memória, o que ouviu de Diotima. 
4 Agatão (ou Agaton) havia conquistado o primeiro lugar em uma competição de dramas para o teatro, em 416, no arcontado de Eufemo. Para comemorar, convidou os seus melhores amigos a um banquete em sua casa – Sócrates é, naturalmente, o convidado mais ilustre, sentando-se à sua direita. Aí, cada um (da esquerda para a direita), por sugestão de Erixímaco, fará um discurso elogiando o Amor.
5 Com uma citação de: HESÍODO, Teogonia, 116 ss. Depois Fedro cita Parmênides (séc. V a.C.), afirmando que “bem antes de todos os deuses [a Justiça] pensou em Amor” (em: SIMPLÍCIO, Física, 39, 18 [O banquete, 178b]). Diz, por fim, que também Hesíodo concorda com Acusilau (Genealogista natural de Argos, do século VI a.C., que escreveu várias genealogias de deuses e de homens ilustres): Assim, ele diz, “de muitos lados se reconhece que Amor é entre os deuses o mais antigo.” (O banquete, 178c). PLATÃO. O banquete. In: _____. Diálogos. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Col. Os Pensadores).
6 O banquete, 178e, 179a. PLATÃO. O banquete. Porto Alegre: L&PM, 2012. (Col. L&PM Pocket, 711).
7 Como na interpretação de THOMAS, Henry; THOMAS, Dana Lee. Vida de grandes filósofos. Porto Alegre: Editôra Globo, 1958. p. 9.
8 O banquete, 179b. (2012).
9 O banquete, 179 b-d. (1983). Como aparece na tragédia, homônima, de Eurípedes – o mais antigo drama de Eurípedes, que sobreviveu, e o único anterior à Guerra do Peloponeso. Cf. EURIPIDE. Alceste. Paris: Les Belles Lettres, 1926, p. 43-101. v. 1.
10 O banquete, 179d. (1983).
11 O banquete, 179d-180a.
12 O Fedro, posterior a’O banquete. As datas dos diálogos de Platão são motivos de muitas controvérsias. A redação d’O banquete, por exemplo, teria sido por volta de 385 a.C. A do Fedro costuma aparecer entre 375 e 370 a.C. Com relação à problemática, ver: SCHLEIERMACHER, Friedrich D. E. Introdução aos diálogos de Platão. Belo Horizonte: Editora UFMG; Departamento de Filosofia – FAFICH/UFMG, 2002. p. 27-76.
13 “O ponto de partida do diálogo [Fedro] é um discurso do retor Lísias, a quem o jovem Fedro devota desmedida admiração. a esse discurso, Sócrates opõe um arrazoamento sobre o mesmo tema, a saber: valerá mais conceder favores a quem nos ama ou a quem não nos ama? (Esse diálogo, evidentemente, deve ser situado no contexto cultural grego, em que a homossexualidade desempenhava papel muito especial). Como, em seu discurso, Lísias escolhia (paradoxalmente) a segunda resposta, Sócrates vai defender a primeira. Mas Sócrates não poderia satisfazer-se em somar um discurso a outro discurso. Sua reflexão sobre o amor passará, portanto, por uma análise da alma humana. Aqui se encontra a célebre imagem da atrelagem alada: a alma é comparável ao conjunto formado pelo cocheiro e seus dois cavalos, um dócil e outro bravio. Essa imagem leva Platão a uma alegoria do conhecimento, da vida virtuosa, da própria filosofia. [...] Assim como O banquete, cujo prolongamento indispensável constitui, Fedro articula uma reflexão sobre o amor e a filosofia com a Ideia de belo.” (HUISMAN, 2000, p. 223).
14 Ou “alça ele o seu voo”, como na Ilíada (II, 71), que é de onde Pausânias retira a referência, aludindo a Oneiros – o Sonho personificado –, que se apresenta a Agamenon.
15 O banquete, 183d-e. Aqui, novamente, uso a interpretação de Henry e Dana L. Thomas (THOMAS; THOMAS, 1958, p. 9).
16 “O Amor de Afrodite Pandemônia é realmente popular e faz o que lhe ocorre; é a ele que os homens vulgares amam. E amam tais pessoas, primeiramente não menos as mulheres  que os jovens, e depois o que neles amam é mais o corpo que a alma, e ainda dos mais desprovidos de inteligência, tendo em mira apenas o efetuar o ato [sexual], sem se preocupar se é decentemente ou não; daí resulta então que eles fazem o que lhes ocorre, tanto o que é bom como o seu contrário.” (O banquete, 181b [1983]).
17 O banquete, 186b. (1983).
18 O banquete, 186b. (1983).
19 O banquete, 186d. (1983). Ou: “A medicina, portanto, como estou dizendo, é toda ela dirigida nos traços deste deus, assim como também a ginástica e a agricultura; e quanto à música, é a todos evidente, por pouco que se lhe preste atenção, que ela se comporta segundo esses mesmos princípios.” (O banquete, 187a. [1983]).
20 O banquete, 188b. (1983).
21 O livrinho de Ovídio (43 a.C.-c.17/8 d.C.), Os remédios para o amor, parece desenvolver esse tema: “O Amor, ao ler o título e o nome deste pequenino livro, disse: ‘É a guerra, estou vendo a guerra que estão preparando contra mim’. Pare, Cupido, de condenar seu poeta como um criminoso, eu que, tantas vezes, sob o seu comando, carreguei o estandarte que você me confiou.” Ele diz, no prefácio. E diz mais: “Venham às minhas aulas, jovens enganados, que no amor só encontraram decepções. A mesma mão lhes trará a ferida e o remédio.” (OVÍDEO. Os remédios para o amor. In: A arte de amar. Porto Alegre: L&PM, 2001. [Col. L&PM Pocket, 248]). Como em Erixímaco, o amor, para Ovídeo, é uma doença.
22 THOMAS; THOMAS, 1958, p. 9-10. N’O banquete, 189c-193e.
23 Elogiando as ações dos homens, movidos pelo Amor (ou por Amor), os oradores esqueceram que era ao próprio Amor que deveriam elogiar.
24 O banquete, 194e-195a (1983).
25 “Realmente, caro Agatão, bem me parece iniciar teu discurso, quando dizias que primeiro se devia mostrar o próprio amor, qual a sua natureza, e depois as suas obras. Esse começo, muito admiro.” (O banquete, 199c [1983]).
26 O banquete, 189d-204c.
27 O banquete, 201c-204a.
28 SOUZA, José Cavalcante de. Notas. In: PLATÃO. O banquete. In: _____. Diálogos. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p. 27. (Col. Os Pensadores). Nota 79.
29 Como quando ele diz que a constituição do Amor é úmida: “Pois não seria ele capaz de se amoldar de todo jeito, nem de por toda alma primeiramente entrar, desapercebido, e depois sair, se fosse ele seco.” (O banquete, 196a [1983]). E como ele mesmo diz, ao final do discurso: “Esta é minha contribuição, Fedro, ao que está sendo discutido, oferenda a Eros, mistura de brinquedo e seriedade. Exigir mais excederia a minha capacidade.” (O banquete, 197e [2012]).
30 “E uma grande prova do que digo ele [o Amor] próprio fornece, quando em fuga foge da velhice, que é rápida evidentemente, e que em todo caso, mais rápida do que devia, para nós se encaminha. De sua natureza Amor a odeia e nem de longe se lhe aproxima. Com os jovens ele está sempre em seu convívio e ao seu lado.” (O banquete, 195b [1983]).
31 O banquete, 197b.
32 Antes, ele dissera “em nada mais ser entendido senão nas questões do amor” ((O banquete, 177d [1983]), ou, como na tradução de Donaldo Schüler: “... afirmo que entendo de assuntos eróticos e de nenhuma outra matéria” (O banquete, 177d [2012]). Agora, ao iniciar o seu discurso: “Refleti então que estava evidentemente sendo ridículo, quando convosco concordava em fazer na minha vez, depois de vós, o elogio do Amor, dizendo ser terrível nas questões do amor, quando na verdade nada sabia do que se tratava, de como se devia fazer qualquer elogio.” (O banquete, 198d. [1983]).
33 Não entro no mérito da questão referente à legitimidade (ou não) do discurso de Diotima, que pode ser mera invenção de Sócrates, a fim de desviar uma fala que seria imediatamente sua, para outra – de uma autoridade (no tema) que ele afirma reconhecer – como também Parmênides (séc. V a.C.) faz, atribuindo à Deusa (Justiça) o seu grande poema Sobre a natureza. Importa, por hora, o conteúdo do tal discurso, e suas implicações. Convém dizer, entretanto, que a metáfora da revelação parmenidiana, por sua vez, provém de Homero (primeiro verso da Ilíada), a quem o eléata conhece muito bem, juntamente com Hesíodo. A Deusa, a quem ele deve a sua revelação – que é ho daímon (“a divindade”), é a própria Diké, aquela que o “atrai” à sua morada, e é Moira (“Destino”) e Ananké (“Necessidade”) e Alétheia (“Verdade”) –, somente tem a afinidade de Afrodite, enquanto mãe de Eros: “Como primeiro (daimon) concebeu antes de todos os deuses eros...” (Frag. B 13, na tradução de Emmanuel Carneiro Leão. Em: PARMÊNIDES. Acerca da nascividade. In: Os pensadores originários: Anaximandro, Parmênides, Heráclito. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 53. [Col. Pensamento Humano]). O recurso, como se vê, pode ser o da “via indireta”, na autoridade de uma (outra) autoridade. Mas pode ser que não seja.     
34 O banquete, 201d. (1983).
35 “Ao que me contou Aristodemo”, Apolodoro diz, “o discurso de Agaton levantou uma tempestade de aplausos. Os convivas estavam convictos de que a expressão do jovem correspondia às características da divindade reverenciada.” (O banquete, 198a [2012]).
36 O banquete, 199e. (1983).
37 “Pois “não há amor onde nada é amado.” (De Trin., IX, 2.2). Mas, que é o amor ou a Caridade (αγάπη, charitas) senão o amor do Bem? “O amor, porém, supõe alguém que ame e alguém que seja amado com amor. Assim, encontram-se três realidades: o que ama, o que é amado e o mesmo amor. O que é, portanto, o amor, senão uma certa vida que enlaça dois seres, ou tenta enlaçar, a saber: o que ama e o que é amado?” (De Trin., VIII, 10.14). O amado (quod amatur) é amado por aquele que ama (amans), e ambos estão unidos no amor (amor), formando a unidade trinitária. Um modelo perfeito para a Trindade cristã. Outras tríades, sempre ascendentes (da “coisa” à Ideia), e de forte influência socrático-platônica, aparecem por toda a parte da De Trinitate: AGOSTINHO, Santo. A Trindade. 2. ed. Paulo: Paulus, 1994. (Col. Patrística, 7).
38 O banquete, 200b. (1983).
39 O banquete, 200d. (1983).
40 O banquete, 205e. (1983).
41 O banquete, 206a. (1983).
42 ABBAGNANO, Nicola. Amor. In: _____. Dicionário de filosofia. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 39.
43 “Por mais desinteressada e ideal que pareça essa admiração por uma pessoa amada, o alvo real é a concepção de um novo indivíduo de determinada natureza. Prova-se isto pelo fato de que o amor sexual não se contenta com o sentimento recíproco, mas exige a posse, isto é, o gozo físico. A certeza de ser amado não compensa a privação da posse de quem se ama, e em tais casos, muitos já se suicidaram.” (SHOPENHAUER, 1951, p. 44).
44 O banquete, 208b. (2012).
45 HUISMAN, 2000, p. 25. “Quando então alguém, subindo a partir do que aqui é belo [o pronome τῶνδε, aqui, aponta para a “ideia do belo”], através do correto amor aos jovens, começa a contemplar aquele belo, quase que estaria a atingir o ponto final. Eis, com efeito, em que consiste o proceder corretamente nos caminhos do amor ou por outro se deixar conduzir: em começar do que aqui é belo e, em vista daquele belo, subir sempre, como que servindo-se de degraus, de um só para dois e de dois para todos os belos corpos, e dos belos corpos para os belos ofícios, e dos belos ofícios para as belas ciências ate que das ciências acabe naquela ciência, que de nada mais é senão daquele próprio belo, e conheça enfim o que em si é belo.” (O banquete, 211b-c. [1983]).
46 O banquete, 210a ss. “Feito o exame das diversas formas da atividade amorosa (procriação, poesia, legislação), Diotima as considera com estágios preliminares do supremo ato do amor, que é a conquista da ciência do belo em si.” (SOUZA, 1983, p. 41. Nota 138). A relação com a progressividade do conhecimento, como pode ser visto na alegoria da caverna, é flagrante: “Agora, meu caro Glauco, é preciso aplicar [...] esta imagem que dissemos atrás e comparar o mundo que nos cerca com a vida da prisão na caverna, e a luz do fogo que ilumina com a força do Sol. Quanto à subida à região superior e à contemplação dos seus objetos, se a considerares como a ascensão da alma para a mansão inteligível, não te enganarás quanto à minha idéia, visto que também tu desejas conhecê-la. Só Deus sabe se ela é verdadeira. Quanto a mim, a minha opinião é esta: no mundo inteligível, a idéia do bem é a última a ser apreendida, e com dificuldade, mas não se pode apreendê-la sem concluir que ela é a causa de tudo o que de reto e belo existe em todas as coisas.” (Rep., VII, 517 b/c; PLATÃO. A República. São Paulo: Nova Cultural, 1996. (Col. Os Pensadores).
47 “Por trás da aparência física (Sócrates era feio), é a alma que se deve considerar.” (HUISMAN, 2000, p. 25).
48 HUISMAN, 2000, p. 25. A temática é retomada no Fedro, quando Sócrates procura mostrar os caminhos pelo qual o amor sensível chega ao amor pela sabedoria (a filosofia), e o transe erótico à virtude divina, afastando o erasta das vias comuns, auxiliado pela dialética (Fédon, 265b, ss.).
49 “A principal consequência dessa concepção [a metafísica platônica, sua teoria do conhecimento] para o desenvolvimento da filosofia é que, na medida em que a tarefa filosófica passa a se definir como teoria, contemplativa, especulativa, dirigida assim para uma realidade abstrata e ideal, a reflexão filosófica afasta-se progressivamente do mundo de nossas experiência imediata e concreta [como ocorria entre os pré-socráticos], passando a ser vista como contemplação e meditação. Isso ocorrerá de fato com algumas correntes do platonismo no período do helenismo, especialmente com o neoplatonismo e, em alguns casos, com o platonismo cristão [o de Agostinho, entre os principais]. Daí se origina o sentido vulgar que o termo ‘platônico’ possui ainda hoje, com a conotação de ‘contemplativo’, como na expressão ‘amor platônico’.” (MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. p. 57).


terça-feira, 11 de dezembro de 2012

26.





Do amor à felicidade




Não há dúvida de que a felicidade, em todos os sentidos, seja a principal meta das filosofias, do filosofar. Pascal, como vimos, dizia que “todos os homens procuram ser felizes; isso não tem exceção...” E que “é esse o motivo de todas as ações de todos os homens, inclusive dos que vão se enforcar”1. Platão, no Eutidemo, pergunta: “Não é verdade que nós, homens, desejamos todos ser felizes? De fato, quem não deseja ser feliz?2” De tão óbvia, a resposta era desnecessária.
Quem não deseja ser feliz? “A busca da felicidade é a coisa mais bem distribuída do mundo”, diz André Comte-Sponville, numa corruptela da famosa sentença carteseana3. Amartya Sen, no início de Desenvolvimento como liberdade, narra uma história oriental do século VIII a.C. Nela, um preocupado casal conversa sobre o tema: em que a riqueza os poderia ajudar na obtenção daquilo que eles mais desejavam: viver para sempre? A mulher pergunta: “Caso o mundo inteiro, repleto de riquezas, pertencesse a mim, isto me tornaria imortal?” “Não”, responde o marido, “sua vida seria apenas como a vida das pessoas muito ricas. A riqueza não traz a imortalidade.” “Então”, ela diz, “de que me serve ser rica se isso não me torna imortal?” Sen se apressa a mostrar que, séculos depois, o Cristo apresenta a mesma questão, dizendo: “Que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?”4
Mais do que a eternidade, é à eternidade feliz que perseguimos – e é essa, justamente, a maior, melhor e mais bem sucedida promessa da propaganda cristã5. O que é o inferno (cristão), senão o contrário da eternidade feliz? Zaratustra, em seu canto ébrio, olha para os homens, dizendo-lhes:

E se quisestes, algum dia, duas vezes o que houve uma vez, se dissestes, algum dia: “Gosto de ti, felicidade! Volve depressa, momento!”, então quisestes a volta de tudo
Tudo de novo, tudo eternamente, tudo encadeado, entrelaçado, enlaçado pelo amor, então, amastes o mundo –
– Ó vós, seres eternos, o amais eternamente e para todo o sempre; e também vós dizeis ao sofrimento: “Passa, momento, mas volta!” Pois quer todo o prazer – eternidade!6

Noutros casos, em que a felicidade, quando a ideia de eternidade é vaga ou inexistente – como em Sêneca e Epicuro, por exemplos –, a felicidade (eudaimonía) é para hoje, agora, enquanto há a vida. Na vida, a eudaimonía somente pode ser adquirida mediante o otium filosófico, com vistas à ataraxía, a imperturbabilidade da alma, tranquillitate animi: “Todos os homens”, Sêneca escreve a Gálio, “querem viver felizes, mas, para descobrir o que torna a vida feliz, vai-se tentando, pois não é fácil alcançar a felicidade, uma vez que quanto mais a procuramos mais dela nos afastamos. Podemos nos enganar no caminho, tomar a direção errada; quanto maior a pressa, maior a distância.”7 Para Epicuro, os deuses existem, mas não se envolvem com os homens, nem para o seu bem e nem para o seu mal. Por isso, e sem medo, devemos resolver a nossa própria vida, adequando-a à natureza deste mundo: evitando os excessos, cultivando a tranquilidade serena e, assim fazendo, sendo felizes: uma das qualidades intrínsecas do sábio.8    
Mais que a felicidade, que é como uma ponta de iceberg, é preciso notar o desejo, ou o desejar, verbo no infinitivo. O querer ser feliz é o desejo de felicidade: a vontade situada em uma contrária experiência individual – como ilustrado na cena final de The great estasy of Robert Carmichael, o violento e perturbador filme de Thomas Clay:

Voz do Lago: O que para cada um de nós é inevitável?
Yudhishthira: Felicidade.9

Como o viver, ao que vive (àquele vivente historial, da existencialidade heideggeriana10), também o desejo de felicidade, e sua noção ideal, ou romântico-idealista. Mas a felicidade, assim, está sempre depositada no Outro, exterior a nós: que nos falta. O que não temos e sentimos que deveríamos ter, deveria ser nosso, isso é o que desejamos, para que possamos, afinal, ser felizes – felicidade adiada, consignada ao futuro e à sua conquista: “o eroticamente desejado é belo, suave, perfeito, venturoso.11
O desejo vem antes; a felicidade, depois. Seria a ordem natural, se a felicidade fosse mais que um conceito. E não há como evitar o pensamento de que esse desejar seja o reflexo mais nítido do nosso amour de soi, do nosso amor a nós mesmos. Mesmo aquele “desejar o mal ao próximo” – como fazemos aos nossos inimigos ou aos objetos das nossas frustrações (“tomara que o outro ou a outra seja pior que eu, para que ela aprenda, para que ele aprenda”; “tomara que dê errado, para que deixe de ser besta”, etc.), etc. – é, por outro viés, desejar o nosso bem, nossa satisfação em ver o outro em desgraça.
Qualquer que seja o meu desejo, ele é falta, e falta é querença: o não ter o que se quer; e é, por fim, nas palavras de Schopenhauer, a infelicidade (ou o sofrimento) de, tendo o que se deseja (futuro), não mais desejá-lo após havê-lo (passado). No presente, no lugar do desejo e da sua satisfação, ficou o tédio. Daí Schopenhauer, novamente, agora se valendo de Lucrécio, dizer que a “vida [do homem], oscila como um pêndulo, para aqui e para acolá, entre a dor e o tédio”12. Sartre, n’O Ser e o Nada, por fim, é sentencioso: “O prazer é a morte e o fracasso do desejo”13

Duas mulheres conversam sobre seus amores. Uma delas diz: “Eu o amo porque o amo. Pelas coisas que ele me fala. Me canta canções. Me mostra o mundo. Toca o meu corpo, e ele estremece. Nada me dá, mas me faz bonita... Eu o amarei mesmo que me abandone. Sentirei saudades...” A outra diz: “Eu o amo porque está sempre pronto a atender os meus desejos. Nada me recusa. Quando não me quer dar eu choro, insisto, prometo beijos e ele muda de idéia...” Assim são os dois tipos de religião.14

Na parábola, figuram ágape e Eros; mas não tem jeito. No final, acaba sendo sempre a mesma coisa, voltada para o Eu que ama... que deseja, que quer ser feliz, que vive o absurdo de, neste mundo, por todos os lados, ver o enorme muro que se ergue contra o seu horizonte feliz.


   



1 “Todos os homens procuram ser felizes; não há exceção. Por diferentes que sejam os meios que empregam, tendem todos a esse fim. O que leva uns a irem para a guerra e outros a não irem é esse mesmo desejo que está em todos, acompanhado de diferentes pontos de vista. A vontade nunca efetua a menor diligência, senão com esse objetivo. Esse é o motivo de todas as ações de todos os homens, até mesmo do que vão enforcar-se.” (Pens., VII, 425. PASCAL, Blaise. Pensamentos. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1998. p. 137. [Col. Os Pensadores]).
2 PLATÃO. Eutidemo, 278 e. Na tradução inédita que vem no final da obra de: CANTO, Monique. L’intrigue philosophique. Essai sur l’Euthydème de Platon. Paris: Les Belles Lettres, 1987. p. 253.
3 COMTE-SPONVILLE, André. A felicidade, desesperadamente. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 2. Em Descartes: “O bom senso é a coisa do mundo melhor partilhada. (DESCARTES, René. Discurso do método. São Paulo: Nova Cultural, 1996. p. 63. [Col. Os Pensadores]).  
4 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Cia. das Letras, 2000. p. 27.
5 Como aparece em Romanos 8, 15-17, uma entre dezenas de referências à vita post mortem: “Vós não recebestes um espírito que vos torne escravos e vos reconduza ao medo, mas um Espírito que faz de vós filhos adotivos e pelo qual nós clamamos: Abbá, Pai. Esse Espírito é quem atesta ao nosso espírito que somos filhos de Deus. Filhos, e portanto herdeiros: herdeiros de Deus, co-herdeiros de Cristo, visto que, participando dos seus sofrimentos, também teremos parte na sua glória.” (TEB).
6 NIETZSCHE, Friedrich. O canto ébrio. In: _____. Assim falou Zaratustra: um livro para todos e para ninguém. São Paulo: Círculo do Livro, [s.d.]. p. 324 [§ 11].
7 SÊNECA. Da felicidade. In: _____. Da vida retirada; Da tranquilidade da alma; Da felicidade. Porto Alegre: L&PM, 2009. p. 91 (§ 1). (Col. L&PM Pocket, 789). O De uita beata – classificado pelos estudiosos de Sêneca como um dos seus tratados morais, juntamente com o De otio (Sobre o ócio) e De tranquillitate animi (Sobre a tranquilidade da alma) –, escrito em 58 d.C., além de influenciar, cedeu o título ao De beata uita de Agostinho de Hipona, escrito em 386. O Hiponense, aí, faz a felicidade esbarrar em Deus: fonte originária (e mantenedora) de onde emana tudo o que se pode chamar de “felicidade”, “vida feliz”. Cf. AGUSTIN, San. De la vida feliz. Buenos Aires: Aguilar, 1955. (Col. Biblioteca de Iniciación Filosófica, 30). Voltarei ao tema da eudaimonía cristã mais adiante.
8 A felicidade, para Epicuro, é algo que pode ser atingido pelo esforço próprio do homem, sem que esse tenha que apelar a divindade (ou divindades). Ser feliz, para Epicuro, equivale a ser sábio, e ser sábio é saber como conduzir a vida de modo ético e prudente perante as pessoas e o mundo. Contra a infelicidade, Epicuro ensina a doutrina dos quatro remédios, o tetraphármakon: 1) a não temeridade à divindade, que é alheia à sorte dos homens; 2) a não temeridade à morte, que nada é; 3) a compreensão de que o prazer (ou felicidade) é fácil de ser adquirido, ao passo em que 4) a dor é sempre breve e suportável. Trato mais detalhadamente sobre este tema, em Epicuro, em: SALES, Antonio Patativa de. O tema da ΕΥΔΑΙΜΟΝΙΑ na Carta Epicuro: a Meneceu. In: Revista Ágora filosófica: pensamento Antigo-Tardio e Medieval, Recife, ano 4, n. 2, p. 21-32, 2004. No que diz respeito à referida carta, ver: EPICURO. Carta sobre a felicidade: a Meneceu. São Paulo: UNESP, 1997. Bilíngue.
9 The great estasy of Robert Carmichael (O grande êxtase de Robert Carmichael) é uma filme britânico independente, escrito – juntamente com Joseph Lang – e dirigido por Thomas Clay, lançado em 2005, com distribuição da Boudu Film LLP. O filme foi lançado no mesmo ano, no Brasil, com o título: “Delinquentes”, distribuído pela Europa Filmes. 
10 “A existencialidade ou transcendência – na terminologia heideggeriana – é constituída pelos atos de apropriação das coisas do mundo, por parte de cada indivíduo. O termo ‘existencialidade’ não é empregado no mesmo sentido em que se diz que uma pedra ou a Lua ‘existem’, mas como antecipação de suas próprias possibilidades.” (CHAUÍ, Marilena de Souza. Vida e obra. In: HEIDEGGER, Martin. Conferências e escritos filosóficos. São Paulo: Abril Cultural, 2006. p. 7. [Col. Os Pensadores]).
11 Banq., 204c. PLATÃO. O banquete. Porto Alegre: L&PM, 2012. p. 97. (Col. L&PM Pocket, 711). 
12 SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo como Vontade e como Representação. São Paulo: Editora UNESP, 2005. p. 402. (IV, 57).
13 SARTRE, Jean-Paul. L’être et le néant. Paris: Gallimard, 1969. p. 467.
14 ALVES, Rubem. Mais badulaques. São Paulo: Parábola Editorial, 2004. p. 130. Já fiz essa associação entre a teologia cristã e o idealismo romântico em “De uma hermenêutica para o sublime” (§ 24). Assim, no próprio Alves: “Se você quiser saber como é a alma de uma pessoa, peça-lhe para falar sobre o seu Deus. Tudo o que ela disser sobre o seu Deus estará falando de si mesma.” (ALVES, 2004, p. 49).  



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