terça-feira, 17 de julho de 2012


9.




Do Natural e da Natureza, que é a casa de Satã



Em Une vie1, a meiguíssima Jeanne Le Perthuis des Vauds, sem suspeitar de que o seu marido, Julien de Lamare (sentido e razão da sua vida), andava lhe traindo com a mulher do conde de Fourville – Gilberte –, de quem pensava tratar-se apenas de “uma boa amizade a ser preservada”, decidiu seguir os cavalos que, mata adentro, transportaram os dois a um determinado local. Julien havia saído desde a manhã, sem avisar aonde iria.
“De repente, atravessando uma longa vereda, depararam-se-lhe dois cavalos, arreados e presos pelas rédeas a uma árvore: eram os animais de montaria de Julien e Gilberte. [...] Ao chegar junto aos pacientes animais, que ruminavam tristemente como habituados às longas paradas”, diz Maupassant,

Jeanne chamou pelos dois. Ninguém respondeu. Na relva, marcada pelos rastros, jaziam uma luva de mulher e dois rebenques. Tinham estado ali, portanto; e certamente se haviam afastado, deixando os cavalos no local. Esperou-os durante um quarto de hora, surpresa, sem poder atinar com o que eles estariam fazendo. Como saltara do cavalo e se deixara ficar imóvel, apoiada a um tronco, dois passarinhos, sem notarem a sua presença, vieram pousar-lhe bem junto aos pés. Saltitando um em torno do outro, de asas abertas e esvoaçantes, trocavam mútuas saudações, pipilando; de repente, o macho saltou sobre a fêmea num longo amplexo. Jeanne surpreendeu-se diante do que via, como se tudo isso fosse estranho para ela. Por fim, disse para si mesma: – Ah! Estamos na primavera!2

A resposta estava aí, no óbvio ofertado. Mas a cópula dos passarinhos, aos olhos inocentes de Jeanne, era motivo para uma única, cândida e ingênua constatação: “Estamos na primavera!” Os que amam cegamente, apaixonados que estão, somente veem o que desejam ver. É como no provérbio: “o amor é cego”. Conclusão ligeira e sem as complexas investigações que são necessárias ao tema. Na verdade, e se exigido uma maior exatidão, o amor é quem faz cegar. Eclipse da razão, a cegueira é um engodo e um artifício da Vontade, em função da vida e sua permanência.
A natureza com seus prodígios e encantamentos; a Lua dos apaixonados e o céu estrelado; as flores campestres que se oferecem às borboletas coloridas que bailam leves e livres sobre os jardins perfumados; e os passarinhos cantando felizes, em coro, celebrando a criação e o seu...
Ah, que grande a ilusão dos nossos sentidos! Não nos basta o mundo assim, dado; precisamos transcendê-lo e, para além do que vemos, vermos algo a mais: maior e mais encantado, razão e limite ilimitado de tudo o que é belo e bom, incorrupto e eterno. Acostumados à imagem romântica do mundo, exaltamos os encantos da natureza; almejamos as perfeitas virtudes dos corações perfeitos – a ação daquele ou daquela que, por amor ao outro, nega-se a si mesmo. Ah, que grande a ilusão do amor desinteressado de si! Com a nossa fala, a mais comum e vulgar expressão do nosso ser, declaramos um amor doce e cândido... visgo que prende o passarinho.
Em “Kinski, meu melhor inimigo” (Mein Liebster Feind, 1999), Werner Herzog põe a nu tal engodo, sutilmente expondo os dois eixos deste grande conflito, nem sempre muito evidente - principalmente aos menos dados às dúvidas, e desarmados de senso crítico. De um lado a visão romântica da Natureza, majoritária (Klaus Kinski > os românticos > os teólogos > os idealistas); de outro, o realismo racionalista, minoritário (Herzog > Schopenhauer > Darwin > Aristóteles, com limites). É o próprio Herzog quem, falando sobre Kinski3, afirma:

Entre Kinski e eu havia algo de irreconciliável: o seu conceito pela natureza. Ele se estilizava como um “homem da Natureza”. Creio que tudo o que ele dizia sobre a selva era afetado. Ele declarava que tudo por aqui [nas selvas do Peru] era erótico, mas nunca entrou na selva. Ele ficou no acampamento por meses, mas nunca deu um passo para dentro da selva. Uma vez ele adentrou cerca de 50 metros, onde uma árvore caíra. É claro que o fotógrafo teve que ir com ele tirando centenas de fotos dele abraçado a essa árvore e fingindo copular com ela. Poses e parafernálias era o que lhe importava. Seu equipamento de alpinismo era mais importante que a própria montanha. Sua roupa camuflada feita por Yves Saint Laurent era mais importante que qualquer selva. Nesse sentido, Kinski era favorecido com uma grande estupidez natural.
A diferença de nossas visões tornou-se mais aparente durante “Fitzcarraldo”. É claro que desafiamos a própria natureza. Mas ela é grandiosa e tivemos que aceitar que ela era mais forte que nós. Kinski sempre diz que ela é cercada de elementos eróticos. Eu não vi nada erótico, vi obscenidades. A natureza como algo violento e vil. Não vi nada erótico aqui. Veria fornicação, asfixia, embate e luta pela sobrevivência, crescimento e putrefação. É lógico que há muita tristeza, mas é a mesma tristeza que nos cerca. As árvores estão tristes, assim como os pássaros, acho que eles não cantam, eles gritam de dor.
Dê uma olhada mais de perto, e verá que há sim uma certa harmonia: harmonia da opressão e morte coletiva. E quando digo isso, o digo cheio de admiração pela selva. Não a odeio, eu a amo, amo muito. Mas amo contra meu próprio julgamento.4

A visão da Natureza, em Kinski, é a visão do senso comum – geralmente inconsciente –, e é também a mais equivocada. Acredita, sem pensar, nas reais e visíveis belezas do Mundo, e na origem divina das relações afetivas, numa hierarquia modelar que põe o homem como “cabeça da criação” – como exposto no livro do Gênesis. Na ordem cósmica, e no sexo, ele é Sol, e ela, Lua; ele, ativo; ela, passiva. Tanto equilíbrio no mundo, supõem os velhos teólogos ortodoxos e mofados, embriagados no idealismo, aponta para uma mente inteligente por trás de tudo – como o relógio, que supõe o relojoeiro.5
Noutro filme, incompreensível para alguns – “Anticristo” (Antichrist, 2009), do dinamarquês Lars von Trier –, há uma cena em que uma raposa6, como em uma fábula de horror, sentencia: “O caos reina”. É o prenúncio do “Desespero”. Onde? Na natureza. No Anticristo, os personagens não têm nomes, são apenas Ele e Ela, e estão instalados em uma cabana no meio da Floresta do Éden, onde Ela (uma intelectual que estuda sobre bruxaria e violências históricas contra as mulheres) é tratada por Ele (que é terapeuta), na tentativa de fazê-la superar o trauma deixado pela morte do filho de ambos, que havia caído de uma janela enquanto eles transavam. Se a relação sexo = culpa é óbvia, é porque é óbvia mesmo, imersa na tradição moral cristã. Na inocência do homem no Éden, antes da Queda – Santo Agostinho fantasia –, não havia o desejo do sexo (libidinoso), somente a sua necessidade (à procriação), mas sem os males da paixão, a tirania da vontade. Não havia, ele diz, “a vergonha do desejo”.7 E diz mais:

Os membros genitais obedeceriam ao arbítrio da vontade tal como os demais, e o marido ter-se-ia introduzido nas entranhas da esposa sem o aguilhão arrebatador da paixão libidinosa, na tranquilidade da alma e sem corrupção alguma da integridade do corpo. [...] E então poderia assim o sémen viril penetrar no útero da esposa mantendo-se a integridade do órgão genital feminino – tal como presentemente o fluxo do sangue menstrual pode sair do útero de uma virgem sem prejuízo para a sua integridade. De fato, é pela mesma via que um se introduz e o outro sai.8

Orígenes de Alexandria, o maior dos alegoristas da Antiguidade cristã, interpretando literalmente um versículo no Evangelho de Mateus9, chega ao ponto de se emascular, para lançar fora o “instrumento do mal”, o seu próprio pênis. Assim, pensava, poderia viver mais santamente, sem que o seu órgão reprodutor-sexual10 fosse outro senhor, contra o Senhor. 
Ele, Ela. Aí, no Éden, era como se fosse um recomeço para ambos. Mas, para Ela, a natureza é a “igreja do Demônio”. Não há lugar para a tradicional imagem idílica da selva – onde o animal devora o outro, e é devorado, sem misericórdia, sem culpa e sem juízos morais. Na cena incomum, em que a raposa anuncia o caos e o seu reinado – na imagem medonha de um medonho animal falante –, a ordem está pervertida. O caos, porém, não reclama súditos aos quais possa comandar – o que seria uma nova ordem. O diferente se apresenta, mas não é fixo, jamais instalado: ser loucura, ser absurdo em um mundo absurdo de absurdos. “Lars Von Trier é um diretor atormentado!” Bodejaram, quase unânimes, os críticos da indústria cinematográfica de Hollywood, engessados nos modelos que seguem e defendem a antiga ordem: a que produz lucros enormes. Mais que a arte e o pensamento, a indústria visa o lucro – como pode ser visto em Rojeck, Mailer, Biskind e Adorno & Horkhaimer.11
No Anticristo de Lars von Trier, como n’O Anticristo (Der Antichrist. Fluch auf das Christentum, 1888), de Nietzsche, há um enfretamento dos modelos românticos, dominantes: a estética imanente-transcendente e os conceitos bom/mau são, ao menos em tese, transvalorados. No Anticristo de Lars von Trier, há três capítulos (além do prelúdio e do prólogo) bem definidos. Não há culto a essa Trindade nada divina, que comanda o Mundo natural – como é visto e descrito por Herzog, em sua oposição a Kinski. O capítulo quarto (“Os três mendigos”) reforça os três anteriores, no sentido da trindade referida, em sua tese de transvaloração. De fato, na suposta razão que procura ordenar o caos, é onde se instala o delírio e o culto à ordem, para fazer surgir alguma coisa à qual eu não saberia dar um nome; mas que é mais que niilismo, que mero niilismo.
N’O Anticristo de Nietzsche, por outro viés, a crítica é muito mais clara, e totalmente direcionada contra a moral cristã, e contra aquilo que ela santificou: a fraqueza da fé. A “fé”, ele afirma, é um “não querer saber o que é verdadeiro.12” Contra tal espírito, é a transgressão do niilismo que se propõe para além do bem e do mal, no fatum, a partir do fatum. “Nosso fatum [fado, destino]”, ele diz, “– era a plenitude, a tensão, a contenção das forças. Éramos ávidos de relâmpagos e atos, ficávamos o mais longe possível da felicidade dos fracotes, da ‘resignação’... Um temporal estava em nosso ar, a natureza que somos escureceu – pois não tínhamos caminho. A fórmula de nossa felicidade: um Sim, um Não, uma linha reta, uma meta...13” Ela, Ele... E então: Ah!, os dualismos que mantivemos (Apolo/Dionísio): para a verdade, para o amor, para a filosofia, para a teologia, etc. Nós nos esquecemos do que somos, em função do que gostaríamos ser, e nos perdemos de nós mesmos, em alguma parte do caminho. 
“Suponhamos que a verdade seja uma mulher”, Nietzsche dizia, no prefácio de Para além do bem e dom mal (Jenseits Von Gut Und Böse. Vorspiel Einer Philosophie, 1886).14 Suponhamos que a Verdade seja um conceito, ou uma construção psicológico-político-social, como a condição da “mulher”, na obra de Simone de Beauvoir, de 1949, contra a tirania do masculino – também exaltada e beatificada pela Igreja.15 Se o gênero vale à Natura, e se ela pode ser personificada de algum modo – a Terra, nas mais variadas mitologias, é representada como mulher, feminina e fecunda –, então a imagem de uma mulher lhe cai muito bem, e sem forçamentos. Assim também se pode falar da Verdade, o que quer que ela seja... como Nietzsche fez.
Sim, suponhamos então que a verdade seja uma mulher, como Ela. Ela conhece a figura masculina, tal qual a do marido (terapeuta, psicólogo, psicanalista, figura da ordem mental desejada pela moderna ciência moderna, e pelo status da razão aplicada ao saber e ao progresso); também conhece as forças da natureza, irracionais, das quais tem medo. Passiva às ações dEle, que assume o lugar da Natureza, domesticando-a para que Ela, através dele, também a enfrente e, assim, vença os seus medos – ou chegue à ordem (psíquica), à razão –, Ela, a princípio, se deixa levar, obediente à técnica dEle:

– Gostaria de fazer mais um exercício – Ele diz. – É como fazer de conta. Meu papel será todos os pensamentos que te dão medo. O seu será o do pensamento racional.
Ela assente, com a cabeça.
– Eu sou a natureza. Todas as coisas que você chama de natureza.
Ela se mostra maleável, deixando que Ele assuma o seu papel, e diz:
– Ok, senhor Natureza. O que você quer?
– Machucá-la tanto quanto eu puder.
– Como?
– Como você acha?
– Me amedrontando?
Ele balança a cabeça, negando que seja somente isso.
– Matando você – responde.
– A natureza não pode me machucar. Você é só o verde lá fora.
– Não, eu sou mais.
– Eu não entendo – Ela parece confusa, realmente.
– Estou no exterior, mas também... dentro.
Sim, pois é certo que, da Natureza, ou na Natureza, todos somos partes. E tanto que, para elucidar o que Ele tenciona, continua:
– Eu sou a natureza de todos os seres humanos.
– Ah, esse tipo de natureza. O tipo de natureza que faz pessoas fazerem coisas ruins contra as mulheres.
– É exatamente o que sou.
– Esse tipo de natureza me interessou quando eu estava aqui. Esse tipo de natureza era o tema da minha tese. Mas você não deve subestimar Éden.
– O que Éden fez? – Ele pergunta.
– Encontrei algo mais que o que esperava. Se a natureza humana é má, então isso vale também para a natureza das mulheres.
– Natureza feminina.
– A natureza de todas as irmãs [bruxas]. As mulheres não têm controle de seus corpos, a natureza tem. E eu tenho isso por escrito nos meus livros.
– A literatura que você usou em sua pesquisa era sobre coisas ruins cometidas contra as mulheres, e você a leu como prova da maldade das mulheres? – Isso lhe parecia um contrassenso, um paradoxo às pretensões da tese à qual ela, antes, propunha defender. – Você deveria ser crítica com esses textos, essa era sua tese! Ao invés disso, você os abraçou. Você entende o que está dizendo?
– Esqueça – Ela diz. – Não sei porque eu disse isso.16

Ela é uma metáfora da Natureza: hostil, caótica. Ele é o sexo dominante – aquele que tenta colocá-la em ordem, dominando-a, vencendo o caos. Ele, razão; ela, emoção. Razão = ordem; emoção = caos. Trazer a ordem supõe o domínio dEle sobre Ela; supõe também a status rebaixado do Segundo Sexo, como o feminino é definido por Beauvoir, em oposição ao domínio do masculino. “Todo ser humano do sexo feminino não é, portanto, necessariamente mulher; cumpre-lhe participar dessa realidade misteriosa e ameaçada que é a feminilidade”17, diz Beauvoir. Ser mulher é sentir-se mulher.18 Na igualdade genérica, não pode haver um sexo – mas isso também não supõe um equilíbrio. As cenas de mutilação genital, masculina e feminina (Ela decepa o próprio clitóris com uma tesoura enferrujada), estão na ordem do conflito. Quando perguntado sobre o porquê de tanta violência, em uma entrevista, Lars von Trier respondeu: “Simplesmente achei que seria errado não mostrar. Sou um cineasta que acredita que devemos colocar na tela tudo o que pensamos. Sei que é doloroso ver, mas esse filme tem muito a ver com essas dores.” Na mesma entrevista, ele afirma que não acredita em Deus, e que o filme é uma forma de devolver a Deus tudo o que aprendeu sobre ele.       
Não há amor aí, e nem beleza, somente o fatum e o pólemos, o conflito – “Não a satisfação, mas mais poder; sobretudo não a paz, mas a guerra.19” Ela é a Natureza, com a qual ele luta, para domesticá-la; mas acaba destruindo-a, para não ser destruído. No “Epílogo”, Ele encontra alimento nesta nova Natureza, da qual é parte: sua natureza capaz de “matar o amor, a paixão” (Ela), por amor a si mesmo: amour de soi.
Eis um anticristo. Sim, a moral cristã ensina que o marido deve ser capaz de, por amor à sua mulher, morrer por ela, como exemplificado no Cristo, que morre por sua noiva, a Igreja.20 A moral anticristã, ao contrário, ensina o amor fati, o amour de soi, a fidelidade à Terra – na apreciação do realismo, contra o idealismo romântico e sua embriaguez. O sentimento de comunidade e de um amor ideal, recíproco, antes de ser uma fraqueza, é um equívoco. Ademais, e contra um amor “tão altruísta” (e fantasioso), Nietzsche afirmaria: “O amor é o estado em que as pessoas mais veem as coisas como não são.21
Na alegoria, a velha Natureza está ali, nos tantos corpos femininos que jazem no Éden, as almas ancestrais. Expulsas (ou libertas) para este novo Éden, seguem em direção a... Quem saberia? O caos continua reinando; e anticristãos são todos e todas que ousam superar o domínio ancestral da ordem, do sexo dominante e da sua posição inferior – e louvada na piedade subserviente da pia doctrina christiana. Mas, ah!, não há culpa senão a nossa culpa, e pelos nossos erros 
Suponha que Jeanne, na novela de Maupassant, seja uma vítima da tradição histórico-político-social à qual estava submetida, no tempo que não era seu; suponha. Ainda assim, e por sua inocência, ela é culpada. É uma vítima de si mesma. Como poderia dizer, depois de tudo: “A vida não é tão boa nem tão má como as pessoas julgam.22” Como? Nascer na condição de escravo não é uma opção nossa, e nem uma culpa contra a qual mereçamos punições; o nosso agir como escravos, no entanto, é.
  





1 Novela de Guy de Maupassant, escrita em 1883; excelente exemplo de realismo fantástico.
2 MAUOASSANT, Guy de. Uma vida. São Paulo: Nova Cultural, 2003. p. 188.
3 Com quem teve uma parceria errática e duradoura, ao longo de cinco filmes: Aguirre, der Zom Gottes (1972), Woyzeck (de 1979, baseado na peça de Georg Büchner), Nosferatu: Phantom der Nacht (1979), Fizcarraldo (1982) e Cobra Verde (1987).
4 Filmado em 1982, Fitzcarraldo é uma produção teuto-peruano, baseada na história verídica de Brian Sweeney Fitzgerald, “Fitzcarraldo”, na pronúncia dos nativos. Fã de Enrico Caruso, Fitzcarraldo investe na construção de uma casa de ópera, na cidade de Iquitos, no alto Amazonas, fracassa. Antes, investira em uma estrada de ferro, a Transandina, também sem sucesso. Praticamente falido, tenta conseguir recursos com um novo empreendimento: uma fábrica de gelo; novo fracasso. Pelos improváveis e malfadados empreendimentos, foi chamado de “O conquistador do inútil”. Conseguiu algum dinheiro com sua amante, a dona do bordel da cidade. Com o recurso, compra um grande barco fluvial. Nele, tentará encontrar uma nova rota para transportar borracha, das terras às quais obteve autorização governamental para explorar. Esperançoso e alucinado, Fitzcarraldo, em seu barco, transpõe morros e matas, ao custo de muito sofrimento e da vida da tripulação. O trecho com as impressões de Herzog sobre a floresta, que aparecem nesse documentário, é recortado de outro, Burden of dreams, de 1982, com direção de Les Blank, e pode ser encontrado no YouTube. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=mYBA0yvmwGc> Acesso em: 10 abr. 2011.
5 E daí os tantos argumentos tradicionais em prol da existência de Deus (axiológico, cosmológico, henológico, do bom senso, moral, teleológico, etc.), como o argumento ontológico de Anselmo de Aosta (1033-1109) ou as cinco vias de Tomás de Aquino (1225-1274), dentre os mais conhecidos; e daí o famoso argumento do relógio, de William Paley (1743-1805). Para os argumentos ontológicos, resumidos e comentados, ver: TOMATIS, Francesco. O argumento ontológico: a existência de Deus de Anselmo a Schelling. São Paulo: Paulus, 2003. (Col. Filosofia). O argumento de Paley aparece em sua Natual Theology, de 1802 (ainda sem tradução em português). Também pode ser visto, na íntegra, com contra argumentações, em: SORLEY, W. R. Moral Values and the Idea of God. 2. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 1921. p. 326.
6 O mais esperto dos animais, conforme a tradição literária.
7 De Civ. Dei, XIII, XXIV.7. Afinal: “A beleza do corpo, obra de Deus sem dúvida, mas bem ínfimo, carnal e temporal, é mal amada quando Deus, bem eterno, interior e sempiterno é posto em segundo plano.” (De Civ. Dei, XV, XXII). AGOSTINHO, Santo. A Cidade de Deus. 2. ed. Lisboa: Serviço de Educação e Bolsas / Fundação Calouste Gulbenkian, 2000. v. 2.
8 De Civ. Dei, XIV, XXVI.
9 Mateus 19, 12: “Porque há eunucos que assim nasceram do ventre da mãe; há eunucos que foram castrados pelos homens; e há eunucos que se castraram a si mesmos por causa do Reino dos céus. Quem pode receber que o receba.”
10 O relato é registrado por Eusébio de Cesaréia (265-340), em sua Historia ecclesiastica (talvez escrita entre 303 e 323): “Entendeu as palavras: ‘E há eunucos que se fizeram eunucos por causa do reino dos céus’ (Mt 19,12), de modo simplista e juvenil, seja por julgar que assim cumpria a palavra do Senhor, seja porque, sendo jovem, pregava as coisas divinas, não somente a homens, mas ainda a mulheres, e querendo tirar aos infiéis todo pretexto de calúnia vergonhosa, foi impelido a cumprir realmente a palavra do Senhor.” (CESARÉIA, Eusébio de. História Eclesiástica. São Paulo: Paulus, 2000. p. 289-90 [VI, 8.2]. [Col. Patrística, 15]).   
11 Os autores citados, e suas obras, por ordem: ROJEK, Chris. Celebridade. Rio de Janeiro: Rocco, 2008. (Col. Idéias Contemporâneas). MAILER, Norman. Um sonho americano. Porto Alegre: L&PM, 2011. (Col. L&PM Pocket, 572). BISKIND, Peter. Como a geração sexo-drogas-e-rock’n’roll salvou Hollywood. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2009. ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. A Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
12 NIETZSCHE, Friedrich. O anticristo: Maldição do cristianismo: Ditirambos de Dionísio. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 63 (§ 52). Ou, dito de outro modo: “A esse instinto de teólogo eu faço guerra: encontrei sua pista em toda parte. Quem possui sangue de teólogo no corpo, já tem ante todas as coisas uma atitude enviesada e desonesta.” (NIETZSCHE, 2007, p. 15 [§ 9]). Ou, por fim: “A melhor maneira de enganar a humanidade é com a moral!” (NIETZSCHE, 2007, p. 52 [§ 44]).
13 NIETZSCHE, 2007, p. 10 (§ 1).
14 NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal: prelúdio a uma filosofia do futuro. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 63 (Prólogo).
15 “Não é a natureza que define a mulher: esta é que se define retomando a natureza em sua afetividade.” (BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: 1 – fatos e mitos. 4. ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1970. p. 59). E, antes: “As religiões forjadas pelos homens refletem essa vontade de domínio: buscaram argumentos nas lendas de Eva, de Pandora, puseram a filosofia e a teologia a serviço de seus desígnios, como vimos pelas frases citadas de Aristóteles e Sto. Tomás. Desde a Antiguidade, moralistas e satíricos deleitaram-se com pintar o quadro das fraquezas femininas.” (BEAUVOIR, 1970, p. 16).
16 Anticristo. Direção: Lars von Trier. Califórnia Filmes, 2009. 1 DVD (98 min). NSTC, color. Título original: Antichrist.  
17 BEAUVOIR, 1970, p. 7. “O termo ‘fêmea’ é pejorativo, não porque enraíze a mulher na Natureza, mas porque a confina no seu sexo.” (BEAUVOIR, 1970, p. 25). Convém à mulher, pois, emancipar-se – que não corresponde à renúncia do seu sexo, mas em assumi-lo, exigindo os direitos iguais ao outro, o masculino. 
18 “A mulher é uma fêmea na medida em que se sente fêmea.” (BEAUVOIR, 1970, p. 59).
19 NIETZSCHE, 2007, p. 11 (§ 2).
20 Na epístola Aos Efésios 5, 25: “Maridos, amai as vossas mulheres como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela.” (TEB).
21 NIETZSCHE, 2007, p. 28 (§ 23).
22 MAUPASSANT, 2003, p. 318.


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