domingo, 1 de julho de 2012

7.



Do morrer por amor: um equívoco



No fundo, houve apenas um cristão, e ele morreu na cruz.
O “evangelho” morreu na cruz.

– Friedrich Nietzsche

  
Quando Eco viu Narciso, moço lindo como um Apolo ou um Dionísio, enlouqueceu de paixão. Estava amando. Estava perdida. Por quê? Porque o amor é desejo, e desejo é falta, e falta é sofrimento. É Sócrates quem diz, n’O banquete, de Platão – que reforça: “O que não temos, o que não somos, o que nos falta, eis os objetos do desejo e do amor”1, reaparecendo depois, em Sartre: “O homem é fundamentalmente desejo de ser”, e “desejo é falta.”2
“Todo sofrimento vem do amor e da inclinação [desejo].” Mestre Eckhart ensina3. “Tudo é dor, e toda dor vem do desejo de não sentirmos dor.” É doutrina budista, simplificada na letra de “Quando o sol bater na janela do teu quarto”, de Renato Russo4. Desde cedo somos doutrinados a acreditar que a ausência da dor seja uma felicidade5, e que a verdadeira felicidade é prêmio do amor, resposta positiva ao Amor6. Assim, no que tem de puro e venturoso, o amor mundano é reflexo imperfeito e difuso daquele Outro, supramundano, perfeito e eterno. Mas, alguém pode dizer, “você está confundindo amor com paixão; e amor não é paixão”. É o mesmo alguém que, de tantas certezas quanto à diferença, vacila duvidoso quando procura conceituar o que seja esse mesmo... “amor”, e também a paixão. Quem pensa assim, comum das vezes, garante que amor é coisa divina (e daí procedente), diferentemente da paixão, que é coisa rasteira, cá da terra, dos homens. Tal vício e engodo vêm de longe, e parece que durará para sempre – pois o amor romântico é um ótimo produto para o mercado literário7 e cinematográfico, e para a Indústria Cultural, em seu sentido mais abrangente.
Na segunda das Quatro Nobres Verdades do Budismo, “a causa do sofrimento é o desejo ardente da vida individual”, ou do Eu consciente-individual: “toda a nossa infelicidade decorre de um eterno querer-viver”8. Na lição de Panchadasi, o resultado do desejo realizado, é o retorno ao Eu – e ele não é um lugar feliz: “[O objeto do meu desejo...] Como farei para agarrá-lo? Não o agarre. O que sobra, quando não se agarra mais nada, é o Eu.9” Comte-Sponville cita Bernard Shaw: “Há duas catástrofes na existência: a primeira é quando nossos desejos não são satisfeitos; a segunda é quando são.10” Não há saída. A não ser que não exista mais o Eu... Mas aí, consequentemente, não haveria a minha consciência sobre o prazer ou a dor. No mundo, e somente nele, conhecemos o céu e o inferno: em nossos sentidos, em nossa consciência. Depois é o vazio, o silêncio, o nada (do Eu). Nada de desejo, nada de sofrimento, nada de amor, nada de paixão.
A “paixão” somente surgiu no segundo século, quando o satírico e médio-platônico Lucius Apuleio, no De Deo Socratis, escreveu sobre a possibilidade da alma, e sobre as perturbações que ela sofre, advindas do mundo externo11. Derivado de pati (suportar, sofrer), passio nomeia o πάθος (de onde “patologia”): a afecção acidental que o corpo (ou a alma) suporta. É esse sofrimento que, às vezes insuportável, enlouquece os apaixonados, e os condena. Veja Tristão, Werther, Romeu, Édipo, Pedro Abelardo; veja... Eco. 
Πάσχειν (sofrer) é o estado natural e mais espontâneo do animal que responde aos impulsos da Vontade, obedecendo-lhe cegamente. Na natureza, onde não há o pensamento, tudo é πάσχειν, e o desconhecimento do seu conhecimento, das fontes do πάσχειν. As criaturas ou são levadas pelo impulso que lhes impele ao outro, objetivado – e às falas12 que narram o impulso, no caso das racionais –, ou condicionadas ao impulso cego, à ação irrefletida: pura paixão, pura animalidade. No processo civilizatório, tal animalidade foi domesticada, amansada, tornada servil às ideais superiores, supramundanos. Assim se falseou a realidade (crua) pela ideia de outra verdade melhor que... esta. Autores mais ortodoxos – como Gianni Vattimo, por exemplo – veem tais provocações como coisas perigosas, “tentadoras”, dizem. O realismo: uma tentação.13 
O idealismo foi, desde cedo, o modo mais seguro de mascarar o real, concedendo-lhe o status derivativo de melhor, do mais verdadeiro e, por isso, “menos pior”, menos falso. Feuerbach enxergou tal inversão (“A religião é a cisão do homem consigo mesmo...”)14, e o jovem Marx o seguiu, contra Hegel15; e depois Nietzsche, contra tudo o que representava o espírito cristão16; e depois Unamuno, sumariado por Rubem Alves17; e Thomas Paine, para quem a única Igreja viva e verdadeira era a sua própria mente18; e mais uma plêiade de pensadores que ousaram ir além do idealismo socrático-platônico... E todos eles pagaram, cada qual à sua maneira, pela posição de vanguarda, e do pensamento livre – contra a tirania ideológica de uma “razão”, envenenada, enlameada e entorpecida no vinho santo da santa ceia cristã.
Deus, ao homem de fé, como o amor (do qual ele é fonte19, na teologia cristã), também é objeto20; e sendo desejo, é falta. Não procura Deus aquele que já o tem. Enquanto pre-sença, Deus também é ausência. “É a eternidade do desejo, a imensidão da nostalgia, os espaços sem fim. O Pai nosso quem ora nos céus, onde voam as aves, espaço vazio, pura permissão, ausência. Presença de uma ausência.21” E possível falar de Deus para além da licença poética? Teopoesia. Parece que aí, no misticismo poético, também está a casa do amor romântico: modo enviesado de falar do homem mesmo, colocado de cabeça para baixo. Sim, a relação Deus/Amor, para o cristão, é a relação Desejo/Amor, para Platão, conforme vemos n’O banquete, em que Sócrates reproduz os conceitos de Diotima22. Mas, sendo a fé paradoxal ao pensamento – à Vontade, não –, há conflitos, bem muitos. O pensamento, aplicado à Vontade – que mascarada no ideal romântico –, funciona perfeitamente. É o que nota Comte-Sponville:

Em outras palavras, o amor [romântico] só é salvo pela religião – eis o segredo de Diotima, eis o segredo de Platão: se o amor é falta, sua lógica é sempre tender mais para o que falta, para o que falta cada vez mais, para o que falta absolutamente, que é o Bem (de que o Belo nada mais é que a deslumbrante manifestação), que é a transcendência, que é Deus, e aí se abolir, enfim saciado, enfim apaziguado, enfim morto e feliz! Ainda é amor, se mais nada lhe falta? Não sei. Platão talvez diria que então há apenas a beleza, como Plotino dirá que há apenas o Uno, como os místicos dirão que há apenas Deus... Mas, se Deus não é amor, para que Deus? E do que Deus poderia ter falta?23

não é e nem pode ser argumento (racional), uma vez que, como nota Kierkegaard, é paradoxo: o grande Paradoxo, o Paradoxo Absoluto24. Do “Deus é”, não se pode falar senão como “eu acredito que seja”; e o “não-é” (“eu acredito que ele não seja...”) é o seu contrário. “Deus é definitivamente; o demo é o contrário Dele”, diz Riobaldo, teologizando25. Poesia, literatura romancesca... Na filosofia, porém, não se deve ir a tanto. A fé é o contrário da filosofia, do filosofar – São Paulo e Tertuliano, nisso, são consentes, contra a “fé pensada” da/na Igreja, na Patrística, Idade Média e até hoje. Hoje, porém, não se trata mais do “milagre da fé”, mas do milagre na fé, na invenção de um sentido para os tantos sem sentidos do mundo, do Eu no mundo. O mesmo Eu que, de si, para si, procura apaixonadamente por seus sentidos. Uma tola procura, porém. Mas, quem consegue viver sem alguma paixão?, sem alguma loucura?
No humano, a passio responde ao Eros Vulgar (πάνδημος ἔρως) – não mais que um conceito contra aquela nudez da pulsão (Trieb) primitiva, feia, crua, bruta, “incivilizada” –, efeito de sua causa. Em resposta ao Eros Vulgar, o humano entrega-se àquilo que o atrai, em, pelo mesmo caminho das bestas, resposta à Vontade – em sua voluptuosidade, no entorpecimento dos sentidos. Passio, paixão, passional. Contra os excessos da Vontade, e ainda mais contra tal entorpecimento, a doutrina moral cristã, principalmente, procurou sublimar o conceito de “amor” ao plano do ideal (puro, perfeito, etc.), tratando (ou maquiando) as manifestações eróticas como derivações imperfeitas do perfeito Ágape, por quem (e a partir de quem) deveriam endireitar-se, corrigirem-se, serem mensuradas na matemática do mais ou menos, no verdadeiro, no puro e no bom26. Assim, e pelo enorme sucesso que a doctrina christiana obteve – principalmente do século II em diante –, o Eros Vulgar foi relegado a um plano ainda mais vulgar, inferior.
No Novo Testamento, Eros é preterido, em favor de ágape. O erótico – referente a Eros, divindade pagã da mitologia grega – foi tomado não como alguma boa beleza, e saúde do corpo e da mente (um corpo belo é um corpo saudável, e mens sana, corpore sano), mas como libidinagem pecaminosa, doença da alma, sensualizada, corrompida, etc. Daí não ser estranho que o “hedonismo” epicurista tenha sido, no Ocidente, satanizado; e a eudaimonía (“ter um bom demônio-guardião” junto a si)27, enquanto termo, não soa bem até hoje, aos cristãos menos dados ao pensamento. “Afirmar a bondade do prazer é escândalo no Ocidente”, é Octavio Paz28. E Rubem Alves:

A espiritualidade ocidental foi construída sobre a negação do prazer. As feridas e lacerações que a espiritualidade católica elegeu como objetos de adoração são expressões plásticas desse fato. E o ascetismo e disciplina de trabalho, virtudes supremas do protestantismo, são a sua manifestação racional e moral.29

Mesmo o Eros Celeste (οὐράνιος ἔρως), muito superior ao Vulgar – como aparece n’O banquete, de Platão – não escapou a tal sublimação divinatória; aliás, serviu-a muito bem, com ligeiras e sutis adequações... Como também se fez ao Hades/inferno, à relegio/religião30, à psyché/alma, et cetera. A análise histórico-filológica desses termos mostra a crueza (nada cristã) de seus primeiros sentidos, e utilizações.
Ao se introduzir (e conceituar) o ágape (ἀγάπη) no Novo Testamento, em substituição a Eros (ἔρως), fez-se, muito provavelmente, o maior de todos os desvios conceituais que um termo já teve na Grande História do Ocidente – que estendeu tentáculos etimológicos e filológicos por onde chegou. Ágape: celeste, perfeito, modelo; Eros: mundano, dado aos enganos das paixões, e à corrupção dos sentidos. Por ágape – no qual e pelo qual tudo deveria ser mensurado como bom ou ruim –, era legítimo viver, era legítimo morrer31. O próprio Filho de Deus... que maior e melhor exemplo?32
Acontece que Eros está em tudo e, em tudo e por tudo, manifesta-se – principalmente no inevitável stergein (amor próprio): o combatido egoísmo; que é a perversão de ágape, da sua imagem distorcida, como em um espelho mal polido... o espelho da fé33. Enquanto o ágape recomenda um ideal que resumiria toda a doctrina: “Toda a lei se cumpre numa só palavra, a saber: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo”34, Eros aproxima-se do real: “Não é, com efeito, o que é seu que cada um estima?” É Diotima, perguntando a Sócrates, e respondendo logo em seguida: “Pois nada mais há que amem os homens senão o bem; [...] por amor a si mesmos.35” Para que a “realidade mais real” do amor se manifestasse, porém, foi necessário que se esperasse chegar à segunda metade do século XIX, com o inglês Charles Darwin, o austríaco Sigmund Freud e o alemão Arthur Schopenhauer, principalmente; e, depois desses dois últimos, seus discípulos mais brilhantes, Friedrich Nietzsche, Lou Salomé, e os discípulos dos seus discípulos... muito mais que doze.
O amor mundano (erótico-físico), eles dizem de um modo ou de outro, não é mais que uma resposta à Vontade, para a geração e permanência da espécie humana – pois os amimais não amam (e, logo, não conceituam suas vontades [pulsões] erroneamente) –; e o amor divino, o perfeito e metafísico ágape, não mais que um suspiro do aflito, preso às esperanças; não é mais que, ah!, não é mais que um delírio da razão, ou o seu sono.
Assim, e até aqui: ágape foi uma adequação do Eros Urânio, e um desvio conceitual impetrado contra o Eros Vulgar, que é uma resposta positiva à Vontade – evidenciada no convite que a beleza dos corpos propaga, lançando indivíduos contra indivíduos (na paixão), com a finalidade da cópula, para a geração de espécies saudáveis e igualmente belas –, que foi varrida para debaixo do tapete na sala da sra. Mente Superior, que ordenaria a natureza de forma lógica e dinâmica. Esta Mente Superior, amor perfeito e fonte do perfeito amor (fora do qual outros “amores” são imperfeitos), ordenaria as afecções e as más vontades, premiando-as ou punindo-as. 
Foi assim que, no sentido vulgar do termo, Eco amou a Narciso, que era, por sua vez, metáfora do amour de soi, em seu sentido mais pungente. Era o “amor ao outro” contra o “amor a si mesmo”; esse, fartamente combatido na moral cristã, e normalmente aprisionado em nosso Eu inconsciente, mas sempre muito ativo em nossas maiores ou menores ações. De um modo ou de outro, e como já foi dito, era o Eu encontrando-se com o Eu, mesmo quando equivocado sobre o encontro com o (ou no) Outro. Não poderia haver um final feliz, evidentemente.  
Onde quer que Narciso fosse, Eco o seguia – mesmo que tão somente para ganhar um pálido raio do seu olhar –, arriscando-se. Narciso, no entanto, apenas amava a si mesmo, a sua imagem refletida nas cristalinas águas de uma fonte. Não vendo o seu amor correspondido – pois que os amores nunca são correspondidos, quando confiados à resposta positiva do Outro –, Eco retirou-se para uma caverna, desolada, humilhada. Aí definharia, até o fim. Dela, restaria somente uma voz triste e distante, perdida pelos espaços ermos.
Na mitologia, Eco torna-se a repetição de si-mesma, não sendo a própria, porém. Do mesmo modo é o amor que dizemos sentir por outrem. No amor ao Outro (ou “pelo Outro”), ele não é casa, não é porto e nem destino, mas um abismo do Eu que aponta para o Super-Eu, para um cair-em-mim. No final das contas, e quando penso que o Outro é meu objeto (a quem devo amar, ou amo), vejo-me aqui, em mim mesmo, qual sonâmbulo despertado diante do espelho: reflexo difuso, eco dissonante. O que eu amava no Outro era, afinal, o reflexo de mim mesmo. Daí que, afinal, ninguém morre por ninguém, por amor a esse alguém. Todo morrer de amor, ou por amor, é um morrer por si mesmo, por amor a si. Nada mais egoísta que o morrer por amor.
O “estar preso a alguém”, por isso, é outro equívoco conceitual.
Sim, estou condenado a mim mesmo e ao meu próprio amor – que não posso jamais, e mesmo que desejasse, dispensar a outrem, ao meu “próximo”: ele ou ela.
Descumprir a lei evangélica não é um pecado, é uma inevitabilidade.





1 O banquete, 200 e. PLATÃO. O banquete. In: _____. Diálogos. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Col. Os Pensadores).   
2 SARTRE, Jean-Paul. L’être et néant. Paris: Gallimard, 1969. p. 652.
3 “Portanto”, ele continua, “se sofro por causa de coisas transitórias, a razão disso está em que eu, com meu coração, continuo a amar e pender para [essas mesmas] coisas.” (ECKHART, Mestre. O livro da Divina Consolação e outros textos seletos. 5. ed. Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2005, p. 58. [Col. Pensamento Humano]).
4 RUSSO, Renato. Quando o sol bater na janela do teu quarto. In: Legião Urbana – As quatro estações. São Paulo: EMI Music Brasil Ltda., 1989. 1 disco sonoro. Faixa 4 (3 min 10 s). O próprio Renato, no encarte, confessa: “Todo hotel que se preze tem catálogo telefônico na gaveta perto do telefone e Bíblia. Só teve uma vez que no hotel não tinha nada, outra que em vez da Bíblia era o livro de Mórmon e um belo dia chegamos em... (não me lembro) e o que tinha junto com o TELESP (?) era A doutrina de Buda. Gostei tanto que quis levar um exemplar para casa comigo. (Era um hotel grande, eles deviam ter centenas de doutrinas de Buda). E por algum motivo, em vez de roubar um (levar sem avisar) desci até a recepção e perguntei do livro e eles disseram: tudo bem. Pode levar um com você. [...] Toda parte sobre dor e desejo de ‘Quando o sol’ é do livro.”
5 Como diz Epicuro em sua carta A Meneceu, defendendo sua doutrina: “Quando então dizemos que o fim último é o prazer, não nos referimos aos prazeres intemperantes ou aos que consistem no gozo dos sentidos, como acreditam certas pessoas que ignoram o nosso pensamento, ou não concordam com ele, ou o interpretam erroneamente, mas o prazer que é a ausência de sofrimentos físicos e de perturbações da alma.” (EPICURO. Carta sobre a felicidade (a Meneceu). São Paulo: Editora UNESP, 1997. p. 43). E ninguém duvidaria que, em relação às perturbações da alma, as coisas do amor sejam as que mais se apresentam.
6 É assim em Agostinho, o mestre do ocidente (como é dito por: HIRSHBERGER, Johannes. História da filosofia na Idade Média. 2. ed. São Paulo: Editora Herder, 1966. p. 29.): “Tu nos fizeste para ti, e nosso coração está inquieto enquanto não repousar em ti.” (Conf., I, I,1), e “a vida feliz consiste em sentir alegria junto de ti, vinda de ti, graças a ti: esta é a vida feliz e não há outra.” (Conf., X, XXII,32; AGOSTINHO, Santo. Confissões. Lisboa: Centro de Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira / Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2001. p. 5, 257, respectivamente. [Col. Clássicos da Filosofia]). “Depois de São Paulo”, Le Goff afirma, “Santo Agostinho é o personagem mais importante para a instalação e o desenvolvimento do cristianismo. É o grande professor da Idade Média.” (LE GOFF, Jacques. As raízes medievais da Europa. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 31).
7 Inclusive nas obras que, aparentemente, nada têm a ver com romantismo: de matemática e/ou arquitetura, por exemplos. Em respaldo ao afirmado, nem é preciso grande esforço. Dois livros de Alain de Botton tratam sobre isso, magistralmente. Cf. BOTTON, Alain de. Desejo de status. Rio de Janeiro: Rocco, 2005. 301 p; _____. A arquitetura da felicidade. Rio de Janeiro: Rocco, 2007. 271 p.
8 Cf. ARVON, Henry. O budismo. Lisboa: Publicações Europa-América Ltda., [s.d.]. p. 44-5. (Col. Saber). O Eu é a consciência (do Eu). Se há pleonasmo, aí, é na intenção de facilitar o sentido restrito à percepção imediato-existencial do sujeito pensante, coisa pensante (res cogitans); ou do pensamento que se volta sobre si mesmo: um cérebro em um corpo, do qual se serve e é parte.   
9 Citado em: HUXLEY, Aldous. A filosofia perene. São Paulo: Círculo do Livro, [s.d.]. p. 248. Panchadasi é um livro de textos (organizados em 15 capítulos) de Swâmi Vidyaranya, para esclarecimento e aprofundamento do Vedanta, à semelhança dos Upanishads.
10 COMTE-SPONVILLE, André. A felicidade, desesperadamente. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 36.
11 Lucius Apuleius foi um escritor Berbere, nascido em Madaura (atual Argélia), por volta de 125, antes de Cristo. Em Cartago, estudou gramática e retórica; e em Atenas, Platão e Aristóteles. Aí, casou-se com Pudentila, uma viúva muito rica. Por isso, e pelos parentes da mesma, foi acusado de utilizar-se de magia para conquista-la. Sua defesa está na Apologia, obra que está conservada até hoje. Ainda jovem, regressou a Cartago, onde morre, por volta de 180.
12 Como demonstrado na empolgada reação do Sargento – na novela de Trevisan –, ao ver Maria, sua ex-namorada, descendo as escadas metida em um minúsculo short, antes de saírem para passear: “Você me atiça. Que boa você assim. Como é gostosa.” (TREVISAN, Dalton. Nem te conto, João. Porto Alegre: L&PM, 2011. p. 107. [Col. L&PM POCKET, 934]). Os itálicos são do próprio autor. 
13 VATTIMO, Gianni. A tentação do realismo. Rio de Janeiro: Lacerda Ed.: Instituto Italiano di Cultura, 2001. 57 p. (Col. Conferências Italianas, 1).
14 “A religião é a cisão do homem consigo mesmo: ele estabelece Deus como um ser anteposto a ele, Deus não é o que o homem é, o homem não é o que Deus é. Deus é o ser infinito, o homem, finito; Deus é perfeito, o homem imperfeito; Deus é eterno, o homem transitório [etc.]. O que deve ser demonstrado é então que esta oposição, que esta cisão entre Deus e homem, com a qual se inicia a religião, é uma cisão do homem com a sua própria essência.” (FEUERBACH, Ludwig. A essência do cristianismo. 2. ed. Campinas, SP: Papirus, 1997. p. 77). 
15 “No que diz respeito à Alemanha, a crítica da religião está, no essencial [com Feuerbach], terminada, e a crítica da religião é a condição preliminar de toda a crítica. [...] O fundamento da crítica irreligiosa é: foi o homem quem fez a religião, não foi a religião que fez o homem. Realmente, a religião é a consciência de si e o sentimento de si que possui o homem que ainda não se encontrou, ou que se tornou a perder. Mas o homem não é um ser abstrato escondido algures fora do mundo. O homem é o mundo do homem, o Estado, a sociedade. Este estado, esta sociedade, produzem a religião, consciência invertida do mundo, porque eles próprios são um mundo invertido.” (MARX, Karl. Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. In: _____ & ENGELS, Friedrich. Sobre a religião. Lisboa: Edições 70, 1975. p. 47-8). E, noutra parte: “Até aqui, os homens têm sempre criado representações falsas sobre si próprios, e daquilo que são ou devem ser. Segundo as suas representações de Deus, do homem normal, etc., têm instituído as suas relações. Os filhos da sua cabeça cresceram-lhes acima da cabeça, diante de suas criaturas. Libertemo-los das ficções do cérebro, das ideias, dos dogmas, das essências imaginadas sob cujo jugo se atrofiam.” (MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Do prefácio. In: _____. A ideologia alemã – 1º capítulo, seguido das teses sobre Feuerbach. São Paulo: Centauro Editora, [s.d.]. p. 7).
16 “O espírito puro é a pura mentira... Enquanto o sacerdote, esse negador, caluniador, envenenador profissional da vida, for tido como uma espécie mais elevada de homem, não haverá resposta para a pergunta: que é verdade? Já se colocou a verdade de cabeça para baixo, quando o consciente advogado do nada e da negação é tido como representante da ‘verdade’.” (NIETZSCHE, Friedrich. O anticristo: Maldição do cristianismo: Ditirambos de Dionísio. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 15 [§ 8]). E: “– Volto atrás, conto agora a história genuína do cristianismo. – Já a palavra ‘cristianismo’ é um mal-entendido – no fundo, houve apenas um cristão, e ele morreu na cruz. O ‘evangelho’ morreu na cruz.” (NIETZSCHE, 2007, p. 45 [§ 39]). E: “‘Fé’ significa não querer saber o que é verdadeiro.” (NIETZSCHE, 2007, p. 63 [§ 52]). E, por fim, mas não finalmente, Nietzsche fala da tensão (político-biológico-moral) que o Ocidente europeu herdou da corrupção do socratismo-platônico, através do movimento cristão, e da sua “luta contra Platão, ou, para dizer dizê-lo de modo mais simples e para o ‘povo’, [d]a luta contra a pressão cristã-eclesiástica de milênios – pois o cristianismo é platonismo para o ‘povo’ – [que] produziu na Europa uma magnifica tensão do espírito, como até então não havia na terra.” (NIETZSCHE, Friedrich. Prólogo. In: Além do bem e do mal: prelúdio a uma filosofia do futuro. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 8. As ênfases são minhas).
17 “Nossos deuses são nossos desejos projetados até os confins do universo. [...] Os deuses das flores são flores. Os deuses das lagartas são lagartas. Os deuses dos cordeiros são cordeiros. Os deuses dos tigres são tigres...” (ALVES, Rubem. Da esperança. Campinas: Papirus, 1987. p. 18).
18 “Minha mente é a minha igreja.” (PAINE, Thomas. The Age of Reason. London: Forgotten Books, 1884. p. 18). Publicado em 1794, The Age of Reason foi interpretado como literatura ateísta, tornando seu autor uma figura muito mal vista, principalmente entre os fundamentalistas americanos, e nos círculos de radicais e livres pensadores. Em 1802, numa viagem que faz aos Estados Unidos, a imprensa federalista anunciou-o como “réptil asqueroso”, “besta semi-humana”, dentre outros impropérios. E, conforme Philip Foner – editor moderno das obras completas de Paine, The complete writtings of Thomas Paine, 1945 (2 v.) –, “... sua morte não foi virtualmente noticiada na imprensa Americana.”
19 Como na pena de João: “Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, pois o amor vem de Deus; e todo aquele que ama nasceu de Deus e chega ao conhecimento de Deus.” (I João, 4, 7; TEB. Ênfase minha).
20 De desejo, enquanto objeto (objetivo) a ser alcançado.
21 ALVES, Rubem. Da esperança. Campinas: Papirus, 1987. p. 43.
22 O amor, escreve Platão, “ama aquilo que lhe falta, e que não possui” (Ban., 201 b).
23 COMTE-SPONVILLE, André. Amor. In: _____. Pequeno tratado das grandes virtudes. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 256. (Col. Mesmo que o céu não exista).
24 Exemplificado, por ele, na doutrina da Encarnação do Verbo, “que exige que acreditemos que existe um momento em que o eterno entra na esfera temporal, assumindo as limitações da existência finita, e isso parece envolver uma impossibilidade manifesta, algo que não pode ser acomodado aos limites do pensamento e da compreensão humanos.” (GARDINER, Patrick. Kierkegaard. São Paulo: Edições Loyola, 2001. p. 81 [Col. Mestres do Pensar]). “Nesse caso a Fé não é tão paradoxal quanto o Paradoxo? Precisamente; de que outra forma ela poderia ter o Paradoxo como seu objeto e ser feliz em sua relação com o Paradoxo? A Fé é um milagre em si mesma, e tudo o que é verdadeiro para o Paradoxo também é para a Fé” (KIERKEGAARD, Sören A. Philosophical fragments. New York: Harper and Row, 1962. [Frag. 81]).  
25 ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 19. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 58.
26 “A Bíblia não trata dos temas do sexo ou do Éros. Isto não significa que os mesmos sejam excluídos ou descuidados. Pelo contrário, a sã sexualidade, atuada na reta ordem (matrimônio), é claramente reconhecida como dom do Criador. [...] Também o Novo Testamento não é inimigo do sexo ou do matrimônio, ainda que considere a virgindade como um caminho de vida mais excelente. Longe disto, é justamente no matrimônio que se realiza o ‘grande mistério’ que tem seu fundamento típico na comunidade ‘esponsal’ de Cristo com a Igreja (Ef 5, 32), de maneira que também o matrimônio adquire um caráter sagrado. Certamente, não é tanto o amor natural em seu valor próprio ou enquanto ligado a esta terra que é aprovado, mas aquele que é redimido, renovado, purificado e ‘levado à plenitude’ pelo ágape, ou seja, por Deus em sua ação na História.” (WARNACH, V. Amor. In: VV.AA. Dicionário de teologia: conceitos fundamentais da teologia atual. 2. ed. São Paulo: Loyola, 1983. p. 66. v. 1. As ênfases são minhas).    
27 Trato melhor sobre o tema em meu artigo sobre O tema da eudaimonía... Cf. SALES, Antonio Patativa de. O tema da ΕΥΔΑΙΜΟΝΙΑ na carta de Epicuro A Meneceu. In: Revista Ágora filosófica: pensamento Antigo-Tardio e Medieval. Recife: Fundação Antônio dos Santos Abranches – FASA. v. 2, n. 2, p. 21-32, 2004.
28 PAZ, Octavio. Los hijos del limo. Madri: Planeta Editorial, 1996. p. 106.
29 ALVES, Rubem. Variações sobre o prazer: Santo Agostinho, Nietzsche, Marx e Babette. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2011. p. 83. Em uma nota, Alves diz mais: “Como é bem sabido, segundo Max Weber, o ascetismo intramundano do protestantismo calvinista e a disciplina de trabalho constituíram a essência do espírito do qual o capitalismo nasceu. Me pergunto se essa ideia não lhe veio da leitura dos Manuscritos econômico-filosóficos de 1844, de Marx.” (ALVES, 2011. p. 83).
30 Nesse particular, e para que se veja a corrupção do termo e sua adequação à mensagem do movimento cristão, nos séculos I e II: SACHOT, Maurice. A invenção do Cristo: gênese de uma religião. São Paulo: Loyola, 2004. p. 133-50. (Col. Bíblica Loyola, 40).
31 Veja Tristão, Alceste, Werther, Romeu, Édipo... veja o Cristo.
32 “Maridos, amai [ἀγαπάτε] as vossas mulheres como Cristo amou [ἠγάπησεν] a Igreja e se entregou [morreu] por ela.” (Efésios 5, 25; TEB).
33 Após fazer o elogio ao ágape, Paulo confessa que, sobre ele, “agora [na temporalidade], vemos em espelho e de modo confuso; mas então [pela fé, e na eternidade], será face a face.” (I Coríntios, 13, 12; TEB).
34 Gálatas 5, 14; que subscreve Levíticos 19, 18. No Novo Testamento, a ordenança (de amar – como se pode amar em obediência a uma ordem?) aparece em várias partes: Mateus 19, 19; 22, 39; Marcos 12, 31; Lucas 10, 27; Romanos 13, 9; Tiago 2, 8, etc.  
35 O banquete, 206 a.


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