segunda-feira, 24 de outubro de 2011

58. 



Dos livros e das livrarias


Houve uma vez um Sábio que perdeu completamente a vontade de ler. Sentiu-se assim depois de entrar em uma livraria entupida de livros lindíssimos, com suas capas coloridas, seus títulos e formatos incrivelmente sedutores. Desconfiou de que o apelo estético tinha, na boa hipótese, a intensão de conquistar leitores preguiçosos; e na pior, esconder a irrelevância que é o nada acrescentar ao sabido – mesmíssima missa de velha liturgia, disfarçada em outros discursos, outros floreios. Produtos. Lá estavam eles, para facilitar a vida dos clientes, separados por sessões: psicologia, história, religião, filosofia, autoajuda, esotéricos, infantis, culinária, arte, et cetera. “A sabedoria de todos os séculos”, o Sábio dizia, “pode ser resumida em apenas duas sentenças: uma para ser observada: Legi, intelligi et damnata (Eu li, compreendi e condenei), e outra que reafirma o que se disse, na primeira: Mundus vult decipi (O mundo quer ser enganado). Parecia uma boa conclusão, mas não era. Afinal, a leitura que se faz pelo conhecimento é uma; a que se faz pelo prazer, outra. E o prazer, como a fome, a sede ou o sexo, nunca é saciado. Se os sábios pensam à luz de lâmpadas florescentes, os poetas, por exemplo, pensam à luz de velas. Dos primeiros, se destacará sempre mais aquele que portar a luz de maior intensidade – que faz ver e também cegar –; dos segundos, basta a bruxuleante dança da chama agarrada ao pavio, e o desejo. “E é preciso que aceitemos todas as nossas contradições”, pensou.

*****

Na hora de pagar pelos livros que havia comprado, o Sábio ouviu a atendente lhe dizer: “Mas, senhor: são todos seus!” “Sim, eu os escrevi.” “Mas, então: porque o senhor mesmo vai comprá-los?” “Porque eles não estão completos, querida; nunca estarão...”     


LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...