sexta-feira, 2 de setembro de 2011

49.



Da equidade dissonante



O velho, da janela, olha para o cão, velho também. Diz à mulher, ocupada em tecer alguma coisa, desligada do mundo: “Esse bicho tá vencido! Vô dá um jeito.” Pega a espingarda que deixa ali, pendurada na parede. Assovia. O cão levanta a cabeça, no ato. O velho põe um chapéu. Sai. Resmunga entre os dentes: “Vem dá uma volta, garoto”. Já longe, no meio do mato, quando se prepara para disparar contra o bicho, pelas costas, à queima-roupa, surge um urso enorme, cinzento como os olhos de Nume, furioso como a morte de um diabo. O velho urra. Está apavorado. O tiro é contra as nuvens. O cão, feito um raio, puro instinto, avança contra a besta. Morde aqui, é mordido ali; e assim até que a fera foge, tangida pelos latidos do cão que o persegue raivoso, muito machucado. Minutos depois retorna. O velho, olhando-o nos olhos, diz assim, sóbrio como Odisseu, indiferente como Penélope: “Uôa! Boa, garoto! Bouuua mesmo!” E dispara bem no meio da barriga do bicho, fazendo-lhe saltar uma costela, exposta. O bicho grita e tenta fugir. Cai entre os arbustos. Folhas entram em sua barriga, aberta. Gritará por umas duas horas, ainda tentando acompanhar o homem que volta para casa, para o sossego do seu lar, graça de Deus. Os uivos vão sumindo, baixinhos, distantes, distantes; cada vez mais distantes...

........... Quer justiça? Compre!

........Ninguém disse que o Mundo é fácil, que viver é doce, que a Esperança está ali, e que as coisas são bonitinhas e coloridas, como a menina de tranças que dança em algum anime do sr. Hayao Miyazaki.


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