domingo, 23 de janeiro de 2011

21.


A liberdade poética


Inferno, semelhante ao da consciência, seria a realização do desejo poético do Vinícius, que diz: “Ah! Se todas fossem no mundo iguais a você...” Ah! a liberdade poética! que linda, ela! Esqueça-a por um instante e veja a frase ao pé da letra. Enquanto tal, é um elogio à virtude e ao seu objeto, e é também uma declaração de amor: amor à fluidez de rios, de brisa em planície e céu azul, de ondas calmas no mar ao fim da tarde de um dia ensolarado; é, enfim, o amor romântico decantado em seus prismas... pluricolorido, pluripartido, refratado.

Acontece que o objeto do amor, para o amante, para a amante, existe somente na posse: é o objeto do meu amor. A admiração do Outro valoriza-o, valoriza-a, porque o Outro é espelho para/de mim mesmo. Mas o amor – não este, romântico, do poema, do idealismo ocidental, mas o da Vontade, ou ainda a própria em sua fúria que cega –, por cima de tudo, é um só, e com todos os tentáculos que até então os apaixonados conseguiram tratar. E todos sabem o que a paixão faz aos apaixonados, e como a subjetividade descritiva do objeto amado lhes marca tão bem.

Sim; o amor, como o Ser para o Estagirita, se diz de várias maneiras; mas isso não atesta a sua multiformidade, antes, a multiformidade do engodo, do grande engodo do senso mais comum. Ah, Vinicius! ah, Jobim! No final, quando digo a alguém que “o/a amo”, não digo nada que não seja: amo amar a mim mesmo. O Outro, meu amor, é objeto. Ademais, a beleza cansa e, cansada, sem outra beleza, é o tédio do olhar cansado. Cansado como o amor de André por Antônio, no conto de Lima Trindade, “Amor inconsútil”, no livrinho Corações blues e serpentinas (Arte Brasil, 2007), que ganhei de meu amigo Jesuíno André. André, cansado da beleza de Antônio e de suas cobranças por amor e cuidado, vê em Lúcio, que “nada cobrava, não pedia amor nem gestos de carinho...”, as primaveras que, em Antônio, já eram outonos. Assim, e depois de ouvir um “Eu te amo mais que tudo, André! O meu amor é um amor sem fronteiras e sem remendos”, “ficaram mudos por muito tempo. Até que André se vestiu e, sem se despedir, foi ao encontro de Lúcio. [E] não voltou para pegar os livros”.

A Paixão diz: “Ah, meu amor, se todas fossem no mundo iguais a você, que lindo que seria o mundo”, e a Razão responde: “E que inferno também!” O amor romântico – que é o disfarce “civilizado” da Vontade –, realizado, sai à cata de novos amores. Porque a vida, acima de tudo, quer viver.

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