quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

18.


A consciência


Manchete no Jornal Record do dia 16 de Agosto de 2008: “Acidente de ônibus mata 27 pessoas e deixa 32 feridas; bebê de 04 meses é uma das vítimas!”. Bem-aventuradas são as crianças que não chegam à miséria da consciência. Sim, minhas senhoras! Sim, meus senhores! O inferno é a consciência – de si-mesmo e do Outro. Por que as bestas não pensam no céu e nem carecem dele? Porque não precisam, porque não têm consciência. É Feuerbach quem diz: “A consciência de Deus é [a] autoconsciência [do homem], o conhecimento de Deus é [projeção do seu] autoconhecimento. A religião é o solene desvelar dos tesouros ocultos do/no homem, a revelação dos seus pensamentos íntimos, a confissão aberta dos seus segredos de amor.” E Rubem Alves interpreta-o: “Nossos deuses são nossos desejos projetados até os confins do universo. 'Se as plantas tivessem olhos, capacidade de sentir e o poder de pensar, cada uma delas diria que a sua flor é a mais bela'. Os deuses das flores são flores. Os deuses das lagartas são lagartas. Os deuses dos cordeiros são cordeiros. E os deuses dos tigres são tigres...”

Consciência de vida é também consciência de Morte. Os animais não têm uma ou outra, somente o impulso-instinto de preservação. A Morte só é para quem pode pensar acerca dela, e sem experienciá-la, naturalmente – como diz Epicuro em suas cartas a Meneceu. E eis aí a única salvação realmente eterna, e que é o prêmio da inocência – conforme aquela outra, evangélica, que o Cristo apregoa: “Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus.” Mas há quem lamente a morte dos infantes. Sim, há quem prefira a tirania consciente da razão. O sábio do Eclesiastes ensina que é melhor “o dia da morte do que o dia do nascimento”; mas o melhor de tudo, mesmo, é não nascer – coisa que só os nascidos podem constatar, sem opção. O Cristo, traído, do traidor, diz aos discípulos: “Ai daquele por intermédio de quem o Filho do homem é traído! Melhor lhe fora não haver nascido.” E, hoje, entre os que se dizem cristãos, quem, legitimamente, não é um traidor?

Os homens são, todos e antes de tudo, fiéis a si mesmos, e aos seus estômagos – e isso não um fenômeno exclusivamente cristão-ocidental. Lamente-se o trágico; não a morte, ou o morrer. E se você consegue ler isso e compreender, mesmo discordando, o seu paraíso já foi perdido de uma vez para sempre; e eis aí o seu inferno.


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