quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

15.


O ciclo natural e a felicidade estóica


“Os seres saem do mínimo e voltam para o mínimo. A regra é que aquilo que vive tenha um fim. Desejar perpetuar a própria vida, impedir o próprio fim, é um erro.” São palavras de Liezi, no Tratado do vazio perfeito – um dos livros fundamentais do taoísmo. É que não se pode impedir o ciclo; e morrer, afinal, faz parte também da vida. No Eclesiastes, capítulo 7, o sábio diz: “Melhor é ir a casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete, pois ali se vê o fim de todos os homens, e os vivos o aplicam ao seu coração.” Saber ver a morte é, por esse viés, saber melhor viver a vida. Também nos ensinos de Epicuro de Samos, conforme resumidos em sua Carta a Meneceu, o medo da morte é um erro. “É tolo portanto quem diz ter medo da morte. [Tolo] não porque a chegada desta lhe trará sofrimento, mas porque o aflige a própria espera: aquilo que nos perturba quando presente não deveria afligir-nos enquanto está sendo esperado”, ele diz. E diz mais, como que numa brevíssima definição do que seja o hedonismo: “Então, o mais terrível de todos os males, a morte, não significa nada para nós, justamente porque, quando estamos vivos, é a morte que não está presente; ao contrário, quando a morte está presente, nós é que não estamos.” A casa de Epicuro, em Atenas, onde funcionava sua escola (o “Jardim de Epicuro”), não era, como alguns maledicentes costumam interpretar, um antro de libidinosidade.

Em O epicurismo, Jean Brun assinala as diferenças entre, por exemplo, o idealismo socrático/platônico e a escola de Epicuro, dando-nos um retrato bastante confiável do que esta realmente era: “Um filósofo como Sócrates nunca pregou o fechamento sobre si e nunca convidou os discípulos a viverem escondidos, como fará Epicuro; Sócrates filosofava na ágora enquanto passeava, conversando com os comerciantes, com os artesãos; era a propósito dos atos de cada um no decurso da vida quotidiana que convidava os concidadãos a refletir sobre o sentido dos seus atos e de sua vida. Sócrates não se considerava nem mestre nem orador, por isso a conversa, o diálogo, eram os únicos procedimentos que usava para os incitar a tornarem-se melhores. [...] Sócrates sempre cumprira o seu dever de Ateniense [...]. Não encontramos nada disso em Epicuro. Em primeiro lugar, como dissemos no princípio, a escola do Jardim é mais uma comunidade de amigos do que uma verdadeira escola, como as do liceu ou do Pórtico; depois, o sábio é de preferência aquele que sabe viver fora da multidão insensata, encontrando no espetáculo das paixões a que se subtrai a certeza de que a sua regra de vida é boa: ‘Não existe naturalmente qualquer sociedade entre os homens; os deuses não se intrometem de modo algum nas coisas humanas e o único bem que existe é o prazer. Eis o que nos ensina Epicuro.’ O sábio não deve, pois, ocupar-se de política, porque sabe que o homem não é sociável por natureza, nem possuidor de doces costumes; por isso é que Plutarco nos diz que os Epicuristas só falavam dos homens políticos para deles se rirem e denunciando-lhes a falsa glória. Enfim, não somente o sábio procura viver escondido, não só ri do destino e de toda a escatologia, mas vive no instante e não se preocupa com o amanhã, porque uma vida feita em função do futuro é uma vida inquieta.”

Na Carta a Meneceu, as últimas palavras de Epicuro foram: “Medita, pois, todas estas coisas e muitas outras a elas congêneres, dia e noite, contigo mesmo e com teus semelhantes, e nunca mais te sentiras perturbado, quer acordado, quer dormindo, mas viverás como um deus entre os homens”. Para ser feliz o homem precisa, resumidamente: 1) ter amigos (não por acaso Epicuro fez de sua casa a sua escola, o seu “Jardim”); 2) ter uma vida analisada, ou seja: uma vida filosoficamente pensada, refletida; 3) ter auto-suficiência; isto é: ser livre, ser capaz de pensar por si mesmo e ter o mínimo necessário para assim viver. A felicidade é adquirida mediante uma conscientização individual, que libertadora, e que aparece no que convencionou-se chamar de tetraphármakon, os quatro remédios: 1) a não temeridade à divindade, que é alheia à sorte dos homens; 2) a não temeridade à morte, que nada é; 3) a compreensão de que o prazer (ou a felicidade) é fácil de ser adquirido, ao passo em que 3) a dor é sempre breve e suportável. Sim: o mais verdadeiro do que se possa chamar de felicidade só pode ser alcançado mediante uma correta atitude filosófica diante do mundo.


LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...