segunda-feira, 13 de agosto de 2012


13.





Do amor devotado à arte, e ao artista




Como todo mundo sabe, Vinicius de Moraes foi um grande conquistador; um tipo de Don Juan brasileiro. Mas, conforme conta Ronaldo Bôscoli em Eles e Eu, livro-memória, escrito por Luiz C. Maciel e Ângela Chaves: “Vinicius estava preocupado com sua vida amorosa. Não sabia se as namoradas o amavam como homem ou à sua fama como poeta”. E foi por isso que o Poetinha resolveu perguntar a Otto Lara Resende: “Otto, você é meu amigo, me diga sinceramente. Você daria pra mim, mesmo que não soubesse que sou o Vinicius de Moraes?” “Claro que daria!”, Otto respondeu.1
A dúvida do Vinícius tem fundamentos, e bem muitos.
O melhor deles nos mostra que, dentre outras, as pessoas não amam exatamente o artista, mas aquilo que ele representa: a imagem, o símbolo, a ideia de transcendência, o divino. O exibicionismo do artista pop2 é carregado de magia contagiante, como a de um sacerdote, no rito litúrgico. Quanto maior o seu sucesso, tanto maior a sua proximidade com o divino, e, através dele, a nossa.

Nas tradições alexandrinas e nas romanas, o status de celebridade prefigurativa foi afirmado e reafirmado na arena pública. Era associada com exibicionismo, drama, consumo conspícuo e louvor. O teatro da vida pública era o palco onde as representações eram feitas e desfeitas. Na sociedade antiga, ostentação, tributo e excesso eram traços proeminentes da cultura de celebridade. Portanto, o exibicionismo que é frequentemente associado com a celebridade contemporânea já existia na sociedade antiga. Poderíamos dizer que Britney Spears, Arnold Schwarzenegger, Robbie Williams, Bruce Willis ou Caprice, ao cultivarem a aclamações apresentando em público, afirmam que os deuses desceram à terra.3

O artista, como o sacerdote, quanto às dores do mundo, sugere escapes. A arte, sim, foi a saída que os gregos encontraram para o enfrentamento do trágico que perpassa o mundo4. O artista é amado porque as pessoas veem nele, como veem num santo messiânico ou em um profeta, uma saída para algo mais que isto: o trágico da vida. O artista, porém, como os santos messiânicos ou os profetas, é apenas portador desta “palavra do Divino”. As pessoas não o amam, exatamente, mas o Divino que habita nele – e que pode ser qualquer sinal que pareça transcender a materialidade fria da razão, do fenômeno, do sensível, do “mundo da vida” (Lebenswelt), como diria Edmund Husserl.5
Jocosidade à parte – a propósito da resposta de Otto –, e sem pretensões de definição final, o amor é uma fatalidade da Vontade que atua igualmente entre dois que são diferentes, com a promessa vã de torná-los iguais, na elevação conjunta da afecção. E isso, assim dito, depõe contra a ideia de uma “alma-gêmea”, ou “corações perfeitos”.





1 MACIEL, Luiz Carlos; CHAVES, Ângela. Eles e eu: memórias de Ronaldo Bôscoli. 4. Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994. p. 100.
2 No sentido de muito aceito pelas massas, seja na “alta cultura” ou na “baixa cultura”, conforme as interpretações individuais. Sim, porque, em relação à música, por exemplo: “o mercado [...] contemporâneo é muito homogêneo, diluindo as fronteiras entre ‘alta’ cultura e ‘baixa’ cultura, ou entre erudita e popular. Basta considerar, por exemplo, o marketing de Os Três Tenores, que atingiu o topo da parada de sucessos pop com músicas consideradas eruditas”. (SHUKER, Roy. Introdução. In: _____. Vocabulário de música pop. São Paulo: Hedra, 1999. p. 8-9).
3 ROJEK, Chris. Celebridade. Rio de Janeiro: Rocco, 2008. p. 35. (Col. Idéias Contemporâneas).
4 “A mais bem-sucedida, a mais bela, a mais invejada espécie de gente até agora, a que mais seduziu para o viver, os gregos – como? Precisamente eles tiveram necessidade da tragédia? [a arte trágica, como ironia]. Mais ainda – da arte? Para que – arte grega?... Adivinha-se em que lugar era colocado, com isso, o grande ponto de interrogação sobre o valor da existência.” (NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 13-4 [§ 1]).
5 Introduzido em Krisis, o termo designava “o mundo em que vivemos intuitivamente, com suas realidades, do modo como se dão, primeiramente na experiência simples e depois também nos modos em que sua validade se torna oscilante (oscilante entre ser e aparência, etc.).” (Krises, § 44. HUSSERL, Edmund. Die Krisis der europäishen Wissenshaften und die transzendentale Phänomenologie. Eine Einleitung in die phänomenologische Philosophie. The Hague: Martinus Nijhoff, 1976. p. 379).   


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