segunda-feira, 27 de agosto de 2012


15.





Da palavra que o amor esconde, e do seu contrário



“Mudança de comportamento”, composição do Edgard Scandurra, tem o refrão: “Eu morreria por você / na guerra ou na paz. / Eu morreria por você / sem saber como sou capaz”1. É poesia, discurso de poeta, idealismo romântico. No mundo real, sem a fantasia, vale o dito pascalino – embora Pascal tivesse, aqui, outras intenções:

Todos os homens procuram ser felizes; não há exceção. Por diferentes que sejam os meios que empregam, tendem todos a esse fim. O que leva uns a irem para a guerra e outros a não irem é esse mesmo desejo que está em todos, acompanhado de diferentes pontos de vista. A vontade nunca efetua a menor diligência, senão com esse objetivo. Esse é o motivo de todas as ações de todos os homens, até mesmo do que vão enforcar-se.2

Sem o recurso da (licença) poética (ou do idealismo romântico, ou da teologia), não há ninguém, além de nós mesmos, por quem queiramos realmente viver ou morrer; e nisso, para bem viver, está a nossa felicidade, como fim... quer nos pensemos vivos ou mortos. Para o “ninguém, além de nós mesmos”, não há mistério algum, e nenhuma profundidade. Coisas evidentes, de tão evidentes, às vezes soam obscuras, profundas, misteriosas. “Estava o tempo todo aí”, dizemos; “o tempo todo diante dos meus olhos”, “se fosse uma cobra tinha me mordido”. Na distração, parece que entramos no estado de caça do para além do dado, fora do fenômeno, do real do mundo real – como se, por trás das coisas, houvesse o... mistério.
Alberto Caeiro (Fernando Pessoa), sobre o mistério das coisas e da sua profundidade, era sentencioso:

O mistério das cousas! Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.3

E bastava ver, e sentir o visto.
As coisas do mundo (e nós entre elas) são o que são (aparecem), no fenômeno simples: o real do imediato. Pensar sobre as coisas – constituição físico-atômica, substância, forma, gênero, procedência, etc. – é o mesmo que distanciar-se delas4. Nada existe para ser compreendido; tudo existe a ser visto, vivido na experiência imediata do encontro: com o Outro e com o Mundo – com as coisas do mundo, em que o Outro está incluído e, naturalmente, as relações (de amor ou ódio) que mantemos. O “compreender”, aí, tem a ver com o sentido profundo de um “objetivo exterior ao Mundo”, supralunar, fundante/fundamental. Mesmo o , fenomenicamente dado, conhecido como é (ou como aparece), imediatamente desnudo pelos nossos sentidos, é impenetrável – como a palavra sobre a palavra, qualquer que seja ela. Não é por acaso que Paul Valéry, evocando mais do que a constituição etimológica das palavras – dando ênfase àquilo que está por trás delas, quando escritas, pensadas ou pronunciadas –, afirma não haver uma só palavra que possamos compreender, se buscamos os seus limites5. Não é por acaso que Sartre, depois, retoma a sentença, ilustrando-a:

Esta frase: “Partirei amanhã para o campo” envolve o infinito. Primeiramente, é preciso que haja um “amanhã”, isto é, um sistema solar, constantes físicas e químicas. É preciso também que eu ainda viva, que nenhum acontecimento grave tenha abalado minha família ou a sociedade em que vivo. Estas condições são, sem dúvida, implicitamente requeridas por essa simples frase. Além disso, Binet6 disse muito bem, o sentido da palavra “campo” é inesgotável; seria preciso acrescentar: o sentido da palavra eu e o das palavras “partir” e “amanhã”. Finalmente, recuamos assustados diante da profundidade dessa inocente pequena frase. É o caso de recordar a observação de Valéry: não há uma palavra que possamos compreender, se vamos até o fundo.7

É o mesmo Valéry que questiona: “Em que se transforma: Eu penso, e em que se transforma: Eu existo? O que se torna, ou o que volta a ser, esse verbo SER, que fez uma carreira tão grande no vazio?8” E a questão volta ao que, antes, era presente na poesia do nosso Pessoa: pensar é uma coisa; ser, outra. Enfeitiçados pela fé nas capacidades do nosso entendimento, acreditamos em verdades “que se asseguram por si-mesmas”, ou por outra, superior a todas e fonte de todas. Assim fazemos, de nosso intelecto, nosso ídolo, nossa religião, nossa igreja – novamente me vem a máxima de Thomas Paine9. “A filosofia”, dizia Wittgenstein, “é uma luta contra o enfeitiçamento do nosso entendimento pelos meios da nossa linguagem.10” Vencido tal feitiço, temos a liberdade de, por exemplo, rejeitar tal liberdade. Todos os românticos – e aqui o sentido é totalmente abrangente – fazem assim, e são assim. Se não fossem, não seriam românticos. 
As falas do amor (romântico), por isso, são as falas do nosso Eu triplamente iludido: pelas promessas de uma realidade palpável (ou ao menos inteligível) do Amor, por nossa crença na possibilidade de havê-lo e, havendo-o, mantê-lo conosco, mantê-lo em nós. Assim poderemos, afinal, ser felizes. Acreditamos, tolamente, cegamente. “O fim em todas as coisas é o bem e, de modo geral, em toda a natureza o fim é o sumo bem”, Aristóteles garantia.11  
Acontece que, por “amor romântico”, e na impossibilidade de fixação de um único sentido à palavra (ou ao termo), podemos compreender tudo o que, neste ou em outro mundo (conforme a nossa fé), possa ser notado e desejado: ao nosso conhecimento, prazer, utilização, etc.12
O haver “algo” (a ser notado e desejado) é suficiente para que haja a filosofia, pelo espanto (thauma)13 da evidência do além-de-mim (o Mundo, o Outro), e por sua estranheza – naquelas mesmas relações simples de conhecimento, prazer, utilização, dentre outras. É o realismo aristotélico que evocamos, aí. Mas, com Valéry, parece que se pode ir um pouco mais adiante.
Portanto, se se pode falar em um “espanto filosófico valéryano”, ele não é causado pelo fato de haver “alguma coisa ao invés do nada” (como geralmente ocorre no registro do Cristianismo), mas pelo fato de “as coisas serem assim como são, e não de outro modo” (como costuma ocorrer no registro da Antiguidade Clássica, e em Protágoras, dentre os mais antigos). “– O impressionante”, Valéry afirma, “não é que as coisas sejam; mas que elas sejam dessa maneira e não de outra”14. O poeta-pensador vai mais distante que Aristóteles, mas não o suficiente. Acontece que é preciso ir ainda mais, bem mais. Valéry afirma-se como católico, “quase um radical idólatra”, ele diz, em oposição aberta aos jansenistas e calvinistas15. E isso, dito assim, expõe os alicerces do que subjaz ao seu pensamento, em matéria de metafísica e/ou transcendência, no âmbito da filosofia ou teologia – mesmo que existam, como existem, de fato, variantes apontadas contra a tradição de ambas. 
A subjetividade filológico-histórico-conceitual da palavra “amor”, em Valéry, torna-a impossível às definições – mesmo que fragmentada em milhares de conceitos menores, e “dissecada” pela mais fina e arguta das hermenêuticas, das exegeses, etc. E por que é que isso é assim? Porque apesar de professar-se “egotista”16 (que prefere, em lugar de egoísta), no sentido de “somente percebo e posso falar do além-de-mim a partir de mim-mesmo”, Valéry não nega o absoluto extramundano, fundamento ou de sua fé ou sua razão, e o encantamento do mundo-espelho. Nisso, colocar obstáculos no caminho das definições não é mais que, por um artifício filológico-conceitual, afirmar a transcendência do entendimento das referidas definições (que supõem coisas, ideias, etc.), e do que as palavras podem dar a entender... principalmente quando isso se mostra impossível. Do amor, como palavra conceituada, descrição afecção ou propósito na vida (ou para a vida), nenhum outro, ainda, conseguiu superar o velho e rabugento Schopenhauer:

Considere-se o seguinte: todo querer tem de nascer de uma necessidade; toda necessidade, entretanto, é uma carência sentida, a qual é forçosamente um sofrimento. Decerto, toda satisfação põe fim a esse sofrimento. Mas, 1) o desejo retorna rápido e fácil; a satisfação, de modo lento e difícil; para cada desejo satisfeito, permanecem contra ele pelo menos dez que não são. Nossa cobiça dura muito e nossas exigências não conhecem limites; a satisfação, no entanto, é breve e módica: com ela crescem as exigências, porém o contentamento assegurado pela satisfação decresce, devido ao avanço do hábito; 2) a satisfação última de um desejo é, nela mesma, apenas aparente: nada nos torna efetivamente contentes, pois, assim que um desejo é satisfeito, um novo ocupa o seu lugar; o desejo realizado é um erro conhecido, e o novo, um erro ainda desconhecido. Uma satisfação duradoura, invencível, não pode de fato advir de objeto algum alcançado pelo querer, mas se assemelha à esmola que damos ao mendigo, a qual torna sua vida menos miserável, hoje, e no entanto prolonga seu tormento amanhã.17

Seja em qual for o sentido, tempo e espaço que utilizemos as palavras “amor”, “amar”, é a Vontade do amante sobre o amado que aparece; e mesmo quando, ao contrário, o que sentimos pelo Outro, nosso objeto, seja o ódio. Aí também está o querer, a vontade, o desejo: do beijo adocicado ou do escárnio cruel. Tudo é amour de soi, reduzido à objetividade da nossa Vontade, do nosso Eu, amado acima de tudo e de todos; o nosso Eu insatisfeito, eternamente insatisfeito. Tanto mais amor, tanto mais egoísmo.  









1 SCANDURRA, Edgard. Mudança de comportamento. In: Ira!: o melhor do Ira!. São Paulo: WEA Music do Brasil, 1996. 1 disco sonoro. Faixa 3 (2 min 58 s).
2 Pens., VII, 425. PASCAL, Blaise. Pensamentos. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1998. p. 137. [Col. Os Pensadores]).
3 PESSOA, Fernando. De “O Guardador de Rebanhos”. In: CAEIRO, Alberto (pseudônimo). Ficções do interlúdio. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 218.
4 “Mas abre os olhos e vê o sol, / E já não pode pensar em nada, / Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos / De todos os filósofos e de todos os poetas. / A luz do sol não sabe o que faz / E por isso não erra e é comum e boa.” (PESSOA, 1998, p. 218).
5 Em Au sujet du ‘Cémitière Marin’, sobre a poética, Valéry formula uma passagem que tornou-se célebre: “Quanto à interpretação da letra [...], não há sentido verdadeiro de um texto. [il n’y a pas de vrai sens d’um texte]. Não há autoridade do autor. Seja o que for que tenha pretendido dizer, escreveu o que escreveu. Uma vez publicado, um texto é como uma máquina que qualquer um pode usar à sua vontade e de acordo com seus meios: não é evidente que o construtor a use melhor que os outros. Do resto, se ele conhece bem o que quis fazer, esse conhecimento sempre perturba, nele, a perfeição daquilo que fez.” (VALÉRY, Paul. Au sujet du ‘Cémitière Marin’. In: _____. Œuvres. Paris: Bibliothèque de la Pléiade / Gallimard, 1997. p. 1507. v. 1)
6 Pedagogo e psicólogo, o francês Alfred Binet (1857-1911) é mais conhecido por sua contribuição à psicometria, tendo inventado o primeiro “teste de inteligência”, base dos nossos modernos testes de QI.
7 SARTRE, Jean-Paul. A imaginação. 6. ed. São Paulo: DIFEL, 1982. p. 60.
8 VALÉRY, 1997, p. 1247. Tal perspectiva, como Jean Sebeski notou (cf. SEBESKI, Jean. Confluenes valeryennes. In: CELEYRETTE-PIETRI, Nicole & SOULEZ, Antonia (Orgs.). Revue Litteraire Bimestrielle – Valéry, la logique et le langage. Paris: Université Paris XII [Val de Marne le 29 novembre 1986], 1988. p. 24-24.) aproxima-se de outra perspectiva, de Carnap, segundo a qual, o metafísico é um “músico sem talento musical”. (CARNAP, Rudolph. Le dépassement de la métaphysique par l’analyse logique du langage. In: SOULEZ, Antonia (Org.). Manifeste du Cercle de Vienne et autres écrists. Paris: PUF, 1985. p. 177).
9 “Minha mente é a minha igreja.” (PAINE, Thomas. The Age of Reason. London: Forgotten Books, 1884. p. 18).
10 WITTGENSTEIN, Ludwing. Investigações filosóficas. São Paulo: Abril Cultural, 1975. p. 54. (Col. Os Pensadores).
11 Metafízica, A 2, 982 b 5. ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Loyola, 2002. p. 11. v. 2: texto grego com tradução ao lado.
12 “A linguagem interior cria um Outro no Mesmo.” (VALÉRY, Paul. Caheirs. In: Judith Robinson-Valéry (Org.). Choix de textes. Paris: Bibliothèque de la Pléiade / Gallimard, 1973. p. 461. v. 1).
13 Em Aristóteles (ele, novamente): “De fato, os homens começaram a filosofar, agora como na origem, por causa da admiração [θαυμάζειν], na medida em que, inicialmente, ficavam perplexos [θαυμάσαντες] diante das dificuldades mais simples.” (Met., 982b 10-5; a ênfase é minha).
14 VALÉRY, 1997, p. 1221.
15 Embora não se deva superestimar a influência do Catolicismo sobre Valéry, é fato que, em uma carta de 1890, que ele endereça a Pierre Louis, há claríssimas considerações sobre suas inclinações religiosas – e pelas quais alguns críticos mais ávidos não tardaram em classificá-la como antissemita; qualificativo que, por vezes, pairou ferozmente sobre a imagem do poeta. “Com relação à Bíblia”, ele escreve, “eu creio que você despreza o objeto de minhas preferências místicas. Eu sou, sobretudo, católico, quase idólatra e detesto todo calvinismo e jansenismo, isto é, todas as seitas inartísticas (!). Eu não gosto dos Judeus, pois eles não têm arte. Das raças vizinhas, eles pilharam tudo em matéria de arquitetura, etc.” (VALÉRY, Paul. Lettres à quelques-uns, L’Imaginair. Paris: Gallimard, 1997. p. 13).
16 “Sou um miserável Robinson”, ele se apresenta, “numa ilha de carne e de espírito, rodeado por todas as partes de ignorância, e fabrico generosamente meus utensílios e minhas artes.” (VALÉRY, 1957, p. 961). Ou: “A palavra Eu designa sempre virtualidades — Não há Eu redutível ao atual.” (VALÉRY, Paul. Caheirs. Paris: CNRS, 1957-1961. p. 311. v. 23. [fac-símile]). “O eu – eu o olho como uma propriedade fundamental da consciência – um ponto virtual [...] para o qual [...] o meu conhecimento se ordena.” (VALÉRY, Paul. Caheirs. In: Judith Robinson-Valéry. (Org.). Choix de textes. Paris: Bibliothèque de la Pléiade / Gallimard, 1974. p. 284. v. 2.).
17 SCHOPENHAUER, Arthur. Da parte subjetiva da satisfação estética. In: _____. Metafísica do Belo. São Paulo: Editora UNESP, 2003. p. 90.


segunda-feira, 20 de agosto de 2012


14.





Do “sentimento oceânico”



Um tratado honesto sobre o amor, depois de longas definições do que ele seja e em quantas formas se dá a conhecer – na vasta literatura romântica, no cinema, nos livros sagrados e em tudo o que se pode chamar de arte –, deverá sempre estancar em uma constatação limítrofe: o amante é quem o inventa; e mesmo o sublime, ideal, mas sem que possa distanciar-se do real: da crueza da afecção da Vontade que joga indivíduos contra indivíduos a fim de que, através do coito, a espécie sobreviva e se apresente em melhores condições de seguir adiante. A beleza que acende em nós o desejo sexual é propaganda da saúde, atestando a aptidão do corpo que se mostra pronto para gerar descendentes igualmente belos e saudáveis. “O impulso sexual”, Schopenhauer diz, “é a expressão mais completa da vontade de viver, seu tipo mais claramente expresso.1” E quanto ao ideal (ou “fundamento estético”) e às suas sublimidades, o pensador deverá, como em um sermão de final apofático-escatológico, impetrar um silêncio obsequioso; uma vez que, contra a força da Vontade, nihil sacrum est.2
Se isso parece generalizado demais e, igualmente, pessimista, é que o realismo da razão evidente – a que bem melhor sabe enxergar o mundo – não convalida poemas, nem delírios viciados ou encantamentos teologais.

Estamos geralmente habituados a ver os poetas ocupados em descrever o amor sexual. É ele o objeto principal de todas as obras dramáticas, trágicas ou cômicas, românticas ou clássicas, tanto na Índia como na Europa. É também o assunto principal da maior parte da poesia lírica como da épica, sem falarmos da incomensurável quantidade de romances que, desde séculos, todos os anos se produzem nos países civilizados, tão regularmente como os frutos da terra. Em seu conteúdo principal, todas essas obras são apenas descrições variadas, curtas ou longas, dessa paixão. As suas mais perfeitas descrições, tais como Romeu e Julieta, a Nova Heloísa, Werther, adquiriram glória imortal.3 
 
Nenhum outro, antes de Schopenhauer, soube ver a paixão romântica como – e apesar da popularização dos escritos de Darwin4 e Huxley5 – recurso da vontade de vida: o instinto sexual é o instinto da vida que quer viver; o romance e a corte, os meios artificias de essa mesma vontade se apresentar: menos violenta na satisfação dos seus impulsos, “civilizada”, “domada”. Se assim não fosse, os homens se igualariam às bestas, contra toda e qualquer moral heteronômico-normativa – em uma autonomia sem peias, absolutista. “De todos os filósofos”, Schopenhauer afirma,
  
foi Platão que mais se dedicou ao tema do amor sexual, sobretudo no Banquete e Fedro. Mas, o que ele diz sobre o assunto não passa de mitos, fábulas e anedotas, e refere-se, na sua maior parte, à pederastia. O pouco que Rousseau disse no seu Discurso sobre a Desigualdade, é errado e insuficiente. Kant, na terceira parte do tratado Sobre o Sentimento do Belo e do Sublime, trata do assunto de maneira muito superficial e sem conhecimento da causa. Platner, na sua antropologia, tratando da questão, oferece-nos apenas ideias medíocres e banais. A definição de Spinoza merece ser citada, a título de curiosidade, por causa da sua extrema ingenuidade: Amor est tilillatio, concomitante idea causae externae (Eth. 14, prop. 44, dem.).
Não tenho, pois, predecessores a copiar e nem a refutar. [...] Pouca aprovação espero da parte daqueles que no momento ficam dominados por sua paixão, e que naturalmente procuram exprimir pelas imagens mais sublimes e mais etéreas a intensidade de seus sentimentos. A estes, meu ponto de vista parecerá muito físico, muito materialista...
Todo amor, por mais celeste que se mostre, está arraigado, na realidade, no instinto sexual e não é outra coisa senão esse instinto, determinado e inteiramente individualizado.6  

O que, aí, pode parecer pedantismo ou esnobismo, é sinceridade. E, afinal, o que é a modéstia? É a vaidade daquele ou daquela que deseja apresentar-se ao mundo como modesto, e em recompensa, ser querido e louvado pelos demais7. Schopenhauer está além de tão tola e reducionista armadilha ético-moral – se é que se pode usar a expressão. Tratando do seu lugar entre aqueles que escrevem seriamente sobre o amor – com qualquer acréscimo conceitual que o façam: amor sexual, amor a deus, amor ao próximo, et cetera –, é bem acima deles e de suas ilusões  que Schopenhauer se coloca, sem a paixão que cega e sem as apologias retórico-viciadas nesta ou naquela noção engessada no delírio coletivo-cotidiano. O amor, diferentemente do que as religiões afirmam e ensinam, sobre ele e sobre elas próprias, não é nenhum sentimento oceânico8. Sem o ofício teológico-poético (se possível) não há, ao menos na linguagem, o delírio, a embriaguez da razão e, consequentemente, nenhum sentimento oceânico – definição inadequada, sub-reptícia e vulgar nos discursos sobre o amor... por remetê-lo a uma fonte que, em tese, não seria o próprio Eu, pleno amour de soi – que não é mais que outro modo de falar dessa mesmíssima luta pela sobrevivência individual.
Por trás da corte e dos olhos que brilham, enamorados, está a individual luta pela autoconservação, autosobrevivência9; e o outro, que romanticamente seria o par, no casal, é a presa, individual – caça que é, também, caçador, caçadora.  




1 SCHOPENHAUER, Arthur. O instinto sexual. São Paulo: Edições INEDOS, 1951. p. 35.
2 A grande crítica sobre o amor, em qualquer que seja a sua manifestação (ou descrição), já foi, toda e completamente, realizada por Schopenhauer em sua obra monumental: Die Welt als Wille und Vorstellung (O Mundo como Vontade e como Representação, de 1819), principalmente nos capítulos: Leben der Gattung, Metaphysik der Geschlechtsliebe e Die Paederastie.
3 SCHOPENHAUER, 1951. p. 39.
4 Publicado em 1859, a primeira edição de A origem das espécies trazia o título, enorme: On the origin of species by means of natural selection, or the preservation of favoured races in the struggle for life (Sobre a origem das espécies por meio da seleção natural ou a preservação de raças favorecidas na luta pela vida). Em 1872, já em sua sexta edição, o título seria abreviado, como o conhecemos atualmente. N’A Origem, Darwin remove a sublimidade da condição humana – enquanto criação de Deus, etc. –, apresentando-a em sua materialidade, animalidade e finitude. Cf. DARWIN, Charles. A origem das espécies. Leça da Palmeira, Portugal: Planeta Vivo, 2009. (Col. Planeta Darwin). 440 p.
5 Thomas Henry Huxley (1825-1895), principalmente em seus artigos sobre ciência e religião, a exemplo dos que, recentemente, foram traduzidos em nossa língua, por Jézio Gutierre. Cf. HUXLEY, Thomas Henry. Escritos sobre ciência e religião. São Paulo: Editora UNESP, 2009. [Col. Pequenos Frascos]). 143 p. Amigo de Darwin, Huxley foi um dos seus maiores incentivadores, encorajando-o a publicar A origem das espécies, que Darwin relutava em fazê-lo, pelo estrago que seria às caras afirmações da teologia cristã, relativas à origem sagrada do homem, do amor, etc.
6 SCHOPENHAUER, 1951. p. 41-2.
7 “A modéstia” – diz Schopenhauer – “é uma virtude inventada principalmente para uso dos velhacos, porque exige que cada qual fale de si como se fosse um; isso estabelece uma igualdade de nível admirável e produz a mesma aparência, como se não houvesse, em geral, mais que velhacos.” (SCHOPENHAUER, Arthur. Arte del buen vivir. Madrid: EDAF. p. 101. [Col. Biblioteca EDAF de Bolsillo, 47]).
8 A expressão aparece em Sigmund Freud (1855-1939), n’O mal-estar na civilização (Das Umbehagen in der Kultur, 1930). Já no primeiro parágrafo, Freud fala das cartas que havia recebido de Romain Rolland, que rebatiam as teses de O futuro de uma ilusão (Die Zukunft einer Illusion), de 1927: “Enviei-lhe o meu pequeno livro que trata a religião como sendo uma ilusão, e ele me respondeu que concordava inteiramente com esse juízo, lamentando, porém, que eu não tivesse apreciado corretamente a verdadeira fonte da religiosidade. Esta, diz ele, consiste num sentimento peculiar, que ele mesmo jamais deixou de ter presente em si, que vê confirmado por muitos outros e que pode imaginar atuante em milhões de pessoas. Trata-se de um sentimento que ele gostaria de designar como uma sensação de ‘eternidade’, um sentimento de algo ilimitado, sem fronteiras – ‘oceânico’, por assim dizer.” (FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago, 1997. p. 9).  
9 “Nada mais fácil que admitir a verdade deste princípio: a luta universal pela sobrevivência; nada mais difícil – e falo por experiência – do que ter este princípio sempre presente no espírito, pois, caso contrário, ou se vê mal toda a economia da natureza, ou se atribui sentido errado a todos os casos relativos à distribuição, à raridade, à abundância, à extinção e as variações dos seres organizados. [...] Emprego, pois, para uma maior comodidade, o termo geral luta pela sobrevivência nos diferentes sentidos que se confundem uns com os outros.” (DARWIN, Charles. A luta pela sobrevivência. Rio de Janeiro: PocketOuro, 2009. p. 7, 9).


segunda-feira, 13 de agosto de 2012


13.





Do amor devotado à arte, e ao artista




Como todo mundo sabe, Vinicius de Moraes foi um grande conquistador; um tipo de Don Juan brasileiro. Mas, conforme conta Ronaldo Bôscoli em Eles e Eu, livro-memória, escrito por Luiz C. Maciel e Ângela Chaves: “Vinicius estava preocupado com sua vida amorosa. Não sabia se as namoradas o amavam como homem ou à sua fama como poeta”. E foi por isso que o Poetinha resolveu perguntar a Otto Lara Resende: “Otto, você é meu amigo, me diga sinceramente. Você daria pra mim, mesmo que não soubesse que sou o Vinicius de Moraes?” “Claro que daria!”, Otto respondeu.1
A dúvida do Vinícius tem fundamentos, e bem muitos.
O melhor deles nos mostra que, dentre outras, as pessoas não amam exatamente o artista, mas aquilo que ele representa: a imagem, o símbolo, a ideia de transcendência, o divino. O exibicionismo do artista pop2 é carregado de magia contagiante, como a de um sacerdote, no rito litúrgico. Quanto maior o seu sucesso, tanto maior a sua proximidade com o divino, e, através dele, a nossa.

Nas tradições alexandrinas e nas romanas, o status de celebridade prefigurativa foi afirmado e reafirmado na arena pública. Era associada com exibicionismo, drama, consumo conspícuo e louvor. O teatro da vida pública era o palco onde as representações eram feitas e desfeitas. Na sociedade antiga, ostentação, tributo e excesso eram traços proeminentes da cultura de celebridade. Portanto, o exibicionismo que é frequentemente associado com a celebridade contemporânea já existia na sociedade antiga. Poderíamos dizer que Britney Spears, Arnold Schwarzenegger, Robbie Williams, Bruce Willis ou Caprice, ao cultivarem a aclamações apresentando em público, afirmam que os deuses desceram à terra.3

O artista, como o sacerdote, quanto às dores do mundo, sugere escapes. A arte, sim, foi a saída que os gregos encontraram para o enfrentamento do trágico que perpassa o mundo4. O artista é amado porque as pessoas veem nele, como veem num santo messiânico ou em um profeta, uma saída para algo mais que isto: o trágico da vida. O artista, porém, como os santos messiânicos ou os profetas, é apenas portador desta “palavra do Divino”. As pessoas não o amam, exatamente, mas o Divino que habita nele – e que pode ser qualquer sinal que pareça transcender a materialidade fria da razão, do fenômeno, do sensível, do “mundo da vida” (Lebenswelt), como diria Edmund Husserl.5
Jocosidade à parte – a propósito da resposta de Otto –, e sem pretensões de definição final, o amor é uma fatalidade da Vontade que atua igualmente entre dois que são diferentes, com a promessa vã de torná-los iguais, na elevação conjunta da afecção. E isso, assim dito, depõe contra a ideia de uma “alma-gêmea”, ou “corações perfeitos”.





1 MACIEL, Luiz Carlos; CHAVES, Ângela. Eles e eu: memórias de Ronaldo Bôscoli. 4. Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994. p. 100.
2 No sentido de muito aceito pelas massas, seja na “alta cultura” ou na “baixa cultura”, conforme as interpretações individuais. Sim, porque, em relação à música, por exemplo: “o mercado [...] contemporâneo é muito homogêneo, diluindo as fronteiras entre ‘alta’ cultura e ‘baixa’ cultura, ou entre erudita e popular. Basta considerar, por exemplo, o marketing de Os Três Tenores, que atingiu o topo da parada de sucessos pop com músicas consideradas eruditas”. (SHUKER, Roy. Introdução. In: _____. Vocabulário de música pop. São Paulo: Hedra, 1999. p. 8-9).
3 ROJEK, Chris. Celebridade. Rio de Janeiro: Rocco, 2008. p. 35. (Col. Idéias Contemporâneas).
4 “A mais bem-sucedida, a mais bela, a mais invejada espécie de gente até agora, a que mais seduziu para o viver, os gregos – como? Precisamente eles tiveram necessidade da tragédia? [a arte trágica, como ironia]. Mais ainda – da arte? Para que – arte grega?... Adivinha-se em que lugar era colocado, com isso, o grande ponto de interrogação sobre o valor da existência.” (NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 13-4 [§ 1]).
5 Introduzido em Krisis, o termo designava “o mundo em que vivemos intuitivamente, com suas realidades, do modo como se dão, primeiramente na experiência simples e depois também nos modos em que sua validade se torna oscilante (oscilante entre ser e aparência, etc.).” (Krises, § 44. HUSSERL, Edmund. Die Krisis der europäishen Wissenshaften und die transzendentale Phänomenologie. Eine Einleitung in die phänomenologische Philosophie. The Hague: Martinus Nijhoff, 1976. p. 379).   


sexta-feira, 10 de agosto de 2012


12.





Do amor que habita a falta



A sabedoria popular é formada a partir das experiências coletivas com o cotidiano, a posteriori. As suas verdades, no entanto, são aceitas a priori. Da sabedoria popular, pouca coisa é tão rica quanto os cordéis1 que são encontrados nas feiras-livres, bancas de revistas e livrarias em todo o Nordeste do Brasil, principalmente2. Em um desses, de autoria de Manoel Monteiro, os desencontros amorosos são tratados e retratados com maestria. As duas primeiras estrofes de No vai e vem do amor:

Quando eu falava com ela
Ela não me respondia,
Quando ela percebia
Que eu vinha na rua dela
Sequer na porta ou janela
Ela nem aparecia,
Quando eu chorando pedia
Ela sorrindo não dava 
Quando eu ia, ela voltava
Quando eu voltava, ela ia.

Muito difícil dar certo
Um namoro desse jeito
Quando um quer coxa e peito
E o outro nem chega perto;
Vender areia em deserto
Eu vi logo que não dava,
Quanto mais a procurava
Mas a peste escapulia
Quando eu voltava, ela ia
Quando eu ia, ela voltava.3

O amor romântico, para sobreviver enquanto vive e isso equivale ao “ser eterno enquanto dure”, do Vinicius –, precisa mesmo de tal devir, permanentemente devindo: não, e sempre; contrário a si, por si... Pois que, senão, aniquila-se ainda/já no nascedouro.
Também Alain de Botton, em A natureza do amor4, respirando os ares d’O banquete de Platão, no discurso de Sócrates, reproduzindo ideias de Diotima5, faz coro ao poeta popular – e respalda o dito simplificado, em uma análise não tão simplificada assim. No miniconto, quem aparece é Ben, com as lembranças de suas primeiras aventuras amorosas, até às atuais – já sem aquele encanto inicial, coisa da sua juventude, do tempo em que alimentava a

certeza profunda de que aqui – entre as centenas de seres cuja presença no campus deixavam-no indiferente – estava uma criatura cuja existência, de várias formas, seria correspondente à sua própria, que compartilharia seus entusiasmos, notaria as comoventes vulnerabilidades e aliviaria sua solidão infindável.6  

A mulher amada era Helen Veale. A mesma que ele perseguiria por todos os lugares, mendigando uma mísera centelha do seu olhar; a mesma a quem ele jamais possuiria, mas veria fugir do seu mundo, da sua vida, e casar-se com outro, e ficar gorda, e gerar filhos que não eram seus, e mostrá-los aí, em um álbum do Facebook, com aquele orgulho que algumas mulheres ostentam, triunfantes por haverem cumprido a única função à qual foram colocadas neste mundo: parir.
Mas o amor, ao apaixonado Ben, “significava ansiedade, incapacidade de comer, uma doença, a contínua fantasia sexual e, acima de tudo, uma impressão da retidão única e da preciosidade da amada”7. E o fato de não ter coragem de se apresentar a Helen e declarar os seus sentimentos não o impedia de conhecê-la naquele que é o melhor lugar em que se pode conhecer a pessoa amada: na fantasia8. Mas haveria muitas outras, no início da sua vida adulta.
Uma dessas foi Clare, “uma violoncelista que morava no andar de baixo, a quem ouvia praticando concertos de Bach de manhã cedo”, e Beth, “que era operadora de caixa ao lado dele em um supermercado onde tinha trabalhado durante as férias de verão do segundo ano”, e Rachel, “a irmã mais nova de um amigo”, e uma mulher sem nome que carregava um saco de laranjas da Harolds Food Halls, que lhe sorriu com cálidos olhos castanhos, quando ele saía da estação de metrô Holborn. “Os maiores românticos”, Botton diz, “devem ser aqueles que não têm ninguém em particular com quem ser romântico.9” É platonismo, novamente. É a questão do amor como desejo e falta, e perspectiva. Para Ben, depois de outras tantas relações, “o amor parecia ser algo mais fácil de se experimentar se houvesse a certeza de que ninguém concreto ou presente retribuiria a emoção”10. Botton, aí, faz coro com André Comte-Sponville, interpretando a Diotima de Sócrates, conforme Platão, e associando-os a Schopenhauer11 e Proust, dentre outros: “Lembrem-se de Proust em Em busca do tempo perdido” – Comte-Sponville diz –:

“Albertine presente, Albertine desaparecida...” Quando ela não está presente, ele sofre atrozmente: está disposto a tudo para que ela volte. Quando ela está presente, ele se entedia: está disposto a tudo para que ela vá embora. Não há nada mais fácil do que amar quem não temos, quem nos falta: isso se chama estar apaixonado, e está ao alcance de qualquer um. Mas amar quem temos, aquele ou aquela com quem vivemos, é outra coisa!12

Ama-se a fantasia, que se alimenta no desejo, que é a falta... e a perspectiva (ou esperança, como alguns preferem). Mas amor romântico realizado é amor perdido, fadado à perdição.  
Ben agora estava casado com Eloise, e tinha dois filhos com ela: uma menina de seis anos, e um menino, com quatro. Morava em um subúrbio ao norte de Londres. A presença de Eloise, no entanto, em muitos momentos da sua vida, era igual a de um móvel imóvel depositado na sala, e ao qual somente se procura quando necessário.

Ele tinha, por vezes, um profundo sentimento por Eloise, mas, se analisasse o padrão de suas emoções, teria que admitir que seu desejo só aparecia em um contexto determinado. Apesar de quase uma década ter se passado, o epicentro do seu amor continuou sendo o tempo em que Eloise era quase uma estranha, logo depois do primeiro encontro em um bar em Notting Hill, quando conversaram sobre a tese que ela tinha acabado de entregar na universidade (rituais de parentesco em Bornéu); ela, brincando, o acusou de ignorar sua amiga, e ele imaginou como seria abrir os botões da blusa de algodão.13

O tempo em que ele mais a amou foi aquele em que a sua presença não era coisa vulgar, aí, dada à mão; como nos primeiros encontros, em que ela insistia que eles deveriam esperar mais um pouco, enquanto ele enfiava a mão dentro do seu jeans; ou como quando passaram um final de semana em Yorkshire, que foi onde transaram pela primeira vez. Depois, em suas lembranças, ele não sentia mais o amor, não sentia nada... Eloise, um móvel na sala.
Um dia ela caiu na rua, quando passeava com Hannah, a filha mais velha. Levada ao hospital, diagnosticou-se uma intoxicação aguda no sangue, e o médico lhe disse que ela chegou o mais próximo que se pode chegar da morte. Eloise estava na UTI do Hospital St Mary, respirando dolorosamente com uma máscara de oxigênio, tinha tubos enfiados em seus braços e um monitor cardíaco sob a camisola. Assim, e na iminência de perdê-la, Ben a amou, novamente. Como viveria sem ela, se ela morresse? Onde encontraria alegria? Foram tantos os momentos bons e ruins com ela, e isso, de certo modo, fazia com que ela fosse parte dele e... Daí pensou também que, se ela morresse, a amaria para sempre, definitivamente; mas, se se recuperasse, como tudo indicava que fosse ocorrer, voltaria a ser o que era antes: um móvel na sala14. Eloise presente; Eloise desaparecida.

Então, Ben sentiu a dificuldade peculiar de amar alguém que não está comprometido com outra pessoa, desinteressado, saindo da estação em direção a um destino desconhecido ou inexistente. Ele viu que o maior desafio para o amor poderia nascer da realização do surpreendente sonho inicial: que se pode viver e possuir o ser amado até o fim.15
            
O que não temos, o que não somos, o que nos falta... eis aí os objetos do nosso desejo, do nosso amor16. Parece que a saúde do nosso amor repousa no caminho do meiomas, quem conheceria tanto equilíbrio?




1 “O cordel usa tudo, ou quase tudo, como motivo para criação dos folhetos dos poetas populares. Desde os romances tradicionais – Carlos Magno e os Doze Pares de França, a Imperatriz Porcina, João de Calais etc –, que nos chegaram da idade média, através do romanceiro ibérico, sendo aqui adaptado à ecologia e aos sentimentos nordestinos, até assuntos históricos brasileiros, fatos ligados à religiosidade, ao misticismo, à vida campestre, crimes, acontecimentos mais recentes da atualidade universal.” (MEDEIROS, Irani. Introdução. In: _____. [Org.]. BARROS, Leandro Gomes de. No reino da poesia sertaneja. João Pessoa: Idéia, 2002. p. 13. [Col. Boi Misterioso]).
2 Na introdução que faz à coleção Biblioteca de Cordel, da editora Hedra, Joseph M. Luyten afirma que, “embora a imensa maioria dos autores [de cordéis] seja de origem nordestina, não serão esquecidos outros polos produtores de poesia popular, como a região sul-riograndense e a antiga capitania de São Vicente, que hoje abrange o interior de São Paulo, Norte do Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, parte de Minas Gerais e Goiás.” (LUYTEN, Joseph M. Biblioteca de cordel. In: SILVA, Minelvino Francisco. Cordel. São Paulo: Hedra, 2000. p. 5-6. [Biblioteca de Cordel]).  
3 MONTEIRO, Manoel. No vai e vem do amor. Campina Grande – PB, 2004. p. 1. Cordel.  
4 BOTTON, Alain. A natureza do amor. In: Bravo!, São Paulo, ano 13, n. 171. p. 96-98. 2011.
5 Cf. PLATÃO. O banquete. In: _____. Diálogos. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p. 1-53. (Col. Os Pensadores).
6 BOTTON, 2011, p. 96.
7 BOTTON, 2011, p. 96.
8 “A falta de informação sobre Helen não fora um impedimento para os seus sentimentos – na verdade, possibilitou sua intensidade particular. Assim como podemos facilmente identificar um rosto com apenas alguns traços de lápis e construir a ideia de uma personagem fictícia com apenas algumas linhas, seu conhecimento fragmentado foi suficiente para construir o retrato de alguém que poderia passar umas férias com ele nas ilhas gregas, alguém com quem ele dividiria um sorriso cúmplice ao final de festas, com quem faria amor em trens e compartilharia o resto de sua vida.” (BOTTON, 2011, p. 96).
9 BOTTON, 2011, p. 96.
10 BOTTON, 2011, p. 96.
11 “Sua vida oscila como um pêndulo, para aqui e para acolá, entre a dor e o tédio.” (SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo como Vontade e como Representação. São Paulo: Editora UNESP, 2005. p. 402. [IV, 57]).
12 COMTE-SPONVILLE, André. A felicidade, desesperadamente. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 34. Mario Quintana também trata sobre a dinâmica da presente ausência do amor ao objeto amado, concreto: “É preciso a saudade para eu te sentir / como sinto – em mim – a presença misteriosa da vida... / Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista / que nunca te pareces com o teu retrato... / E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te!” (QUINTANA, Mario. Presença. In: _____. Quintana de bolso: Rua dos Cataventos e outros poemas. Porto Alegre: L&PM, 2011. p. 59. [Col. L&PM Pocket, 71]).
13 BOTTON, 2011, p. 97-8.
14 “Tinha entendido que nunca mais conheceria significado ou alegria sem Eloise ao seu lado – uma sensação que, no entanto, diminuía estranhamente quanto mais parecia que esse privilégio lhe seria de fato negado.” (BOTTON, 2011, p. 98).
15 BOTTON, 2011, p. 98. “Há duas catástrofes na existência: a primeira é quando nossos desejos não são satisfeitos; a segunda é quando são.” (Bernard Shaw, citado em: COMTE-SPONVILLE, 2001, p. 36).
16 PLATÃO. O banquete, 200 e.


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