51.
Da serenidade
A persistência faz o gênio, ou o tolo. E às vezes, sim, o Acaso é quem impera. E sempre há, como desafio, aqueles ou aquelas que plantam flores, regando-as pacientemente, esperando as borboletas que hão de vir; pequeninas esperanças. Somente o grande pessimista saberá ter boas e infalíveis desesperanças (isto é, a correta contemplação do final do caminho, à beira do penhasco), seu realismo fantástico: nada mais a fazer senão voltar, refazer o caminho, ou continuar fitando o horizonte adiante, inatingível. Na total desesperança é que está a quietude da aceitação de Moira, imperatriz do Mundo – rendimento diante do que é maior do que Eu. Não é fatalismo; não. Trata-se, antes, da tranquilidade da alma que silencia, reverente, diante do trágico que sobre tudo impera – mesmo em havendo um contínuo florescimento das vontades sempre feitas. Mas, não! “Nada é mais difícil de suportar que uma sucessão de dias belos”, adverte-nos Goethe*. Sim, com chuva ou com sol, e em vindo o desencantamento dos dias, “não pularemos para fora deste mundo. Estamos nele de uma vez por todas”. Palavras de Christian Dietrich Grabbe**, no Hannibal (1835). A consciência de si, a correta compreensão acerca do destino individual e da inevitabilidade da morte é que caracterizam o sábio. Ao tolo, tal consciência somente existe enquanto falta. Aquele, vê e cala; este, esperneia e grita. O sábio, como na metáfora continuamente repetida por Rubem Alves, sabe ver o moranguinho, antes de despencar no abismo; sabe notar o seu vermelho maravilhoso, que deve anunciar seu sabor, idêntico. O tolo grita por socorro. Nada vê; nada quer senão salvar sua pele; e, por tanto esforço, força demais o pequenino galho ao qual se agarra, arrancando-o, despencando para a morte. Ela que é, para o sábio ou para ele, destino comum. Não adianta, ao cão atado à carroça, o latido, a reclamação. Ela seguirá sua marcha funesta até o fim, a todos arrastando. A tranquilidade do sábio é o que os estoicos chamavam de ataráxia (imperturbabilidade). Virtude de poucos.
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* “Alles in der Welt lässt sich ertragen, / Nur nich eine Reihe von schönen Tagen.” (Weimar, 1810-12).
** “Ja, aus der Welt warden wir nicht fallen. Wir sind einmal darin.”