segunda-feira, 8 de novembro de 2010

6.


Da utilidade da História


A História (ou a memória histórica) só tem utilidade quando alimenta mais do que a luxuosa curiosidade, e quando fomenta mais do que o ócio criativo. Não é que a inutilidade seja inútil, mas esse status já pertence à Filosofia. A História, porém, merece o status de necessária quando serve ao presente e quando, acima de tudo, desvela os alicerces do que já é agora, mas que, ao futuro, no futuro, não tem que permanecer como um palácio murado, como as doutrinas das Igrejas, das ortodoxias seculares. A História só é útil quando não é história, mas visão fundamentada, não sagrada, “fim da história” – devir devindo, intempestivo. Não por acaso, no prefácio de Vom Nutzen und Nachtheil der Historie für das Leben, de 1874, Nietzsche utilize-se de uma sentença de Goethe que reza: “De resto, detesto tudo o que só serve para me instruir sem aumentar minha atividade ou animá-la diretamente”. O que vem depois, dito por ele mesmo, e como ele mesmo o diz, é um Ceterum censeo (“considero o resto”, “estimo o resto”) à História. É o exemplo do passado retomado no presente e a projetar-se para o futuro: ação histórica, construção revolucionária. E embora a História não seja “fato jornalístico”, serve também como denúncia do tempo, presságio do (ou para o) futuro. Como ocorre na celebrada visão de Walter Benjamin (1892-1940), em suas Teses sobre a Filosofia da História (1940), quando ele descreve um quadro do suíço/alemão Paul Klee (1879-1940), o Angelus Novus. O próprio Benjamin, no ano seguinte à sua descrição apocalíptica – viviam-se os abalos da assinatura do pacto germânico-soviético –, estaria fazendo parte dos montes de ruínas e pilhas de cadáveres que com tanta lucidez profetizara. Marx dizia “que a história não se repete senão como farsa, ao que caberia acrescentar que a arte não retoma sua aura senão como fuga. O que antes era moderno agora se tornou pastiche, simulação, impostura: um gesto repetitivo” (Nicolau Sevcenko, 1995). E isso não é uma justificação do termo “pós-moderno”, na História. Aliás, e para não irmos tão longe, ainda é preferível ver a História como possibilidade crítica e construtiva do mundo, pelo viés indireto da narrativa direto-indireta, e não obstante os pré-conceitos dos historiadores. E é por isso que eu ainda prefiro crer, como Maurice Sachot, que “uma mesma história, vista de outro modo, torna-se uma outra história”. Eu creio contra a esperança.


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