quinta-feira, 4 de abril de 2013


33.





Da expressão “Onde há Deus, aí há amor...”, e da sua ética



No De Trinitate (Sobre a Trindade, escrito entre 399 e 419), Santo Agostinho afirma que o amor, qualquer que seja ele – se for bom... porque há o amour-propre –, é sombra ou reflexo do Amor, numa hierarquia que chega às Pessoas (Pai, Filho e Espírito Santo) da Trindade, que se relacionam em perfeito amor. “O amor”, ele diz, “supõe alguém que ame e alguém que seja amado com amor. Assim, encontram-se três realidades: o que ama, o que é amado e o mesmo amor. O que é, portanto, o amor, senão uma certa vida que enlaça dois seres, ou tenta enlaçar, a saber: o que ama e o que é amado?1” A transferência de conceitos, aí, salta do físico ao metafísico, pela análise teológica do autor; e, daí, do mundo Ideal (ou santo), retorna ao mundo dos homens, purificado, purificando-os. Todo dom (ou amor) perfeito vem de Deus, porque Deus é amor; escreve são João2, a quem Agostinho subscreve. Mais platonismo – ou neoplatonismo3 –, impossível!, mais equívoco, idem!
Denis Huisman comenta a citação do Hiponense: “Aquele que ama, aquele que é amado e o amor constituem uma unidade”, ele diz4. Na representação de tal unidade, o amado (quod amatur) está no centro da “atenção amorosa” daquele que o ama (amans), e ambos estão unidos pelo amor (amor), no amor, formando a unidade trina, como na Trindade cristã5, em que uma pessoa não é a outra, e todas são... Deus. É a interpretação de uma analogia dentre tantas analogias que podem ser encontradas no De Trinitate.


Deus, que é sempre Deus Uno-Trino, Deus Trindade, é origem e fonte de onde emana todo o amor; e mesmo dos amores carnais, reflexos fugidios da relação econômica da “família”, na Trindade. “Deus é a fonte e a origem (ek) do amor, e todo verdadeiro amor deriva dele, [e assim sendo] é óbvio que todo aquele que ama, isto é, que ama a Deus ou ao homem com aquela devoção que é o único amor verdadeiro segundo o ensino de João é (literalmente, tem sido) nascido de Deus e conhece a Deus. Mas Deus não é somente a fonte de todo verdadeiro amor; Deus é amor em Seu Ser mais profundo”.6 Stott tem o espírito joanino. Este, ao afirmar que Deus charitas est7, não se refere somente ao Pai, mas também ao Filho e ao Espírito Santo; à Trindade. Isso culminará na regra canônica da fé e das atribuições, que reza: onde uma das Pessoas da Trindade está, ali está Deus. Como no conto de Tolstoi, Deus está onde está o amor8. E onde há amor – ou aquele que ama –, há a virtude, ou as virtudes que, manifestações da sabedoria, com ela se confundem, co-fundem.9
Na Ética a Nicômaco, de Aristóteles, o prêmio da virtude é a virtude mesma (virtus sibi ipsi praemium)10. Mas o caminho da virtude é difícil, enquanto o do vício, fácil11. A virtude é uma só, os vícios, muitos.12
No pensamento cristão nascente (isto é, na Patrística), não foi difícil consignar (ou subordinar) a aquisição da virtude ao exercício do amor, à sua necessidade pedagógico-catequética. Um dos primeiros a transpor o moralismo do Estagirita, adaptando-o à doctrina christiana (ou à sua moral) foi Orígenes13, quando identificou as virtudes como sendo o próprio Cristo, ou reflexos da sua esseidade: justiça, sabedoria, verdade. Os Padres não faziam distinção – como os escolásticos, mais tarde – entre virtudes “naturais” e “sobrenaturais”, mas aceitavam e explicavam a divisão de Platão14 das quatro virtudes cardeais, assim:

1) a prudência aperfeiçoa o logistikón (a mente);
2) a coragem é a força do thymoeidés (o apetite irascível contra o mal);
3) a temperança resiste ao epythymetikón (a concupiscência);
4) a justiça harmoniza em sua justa proporção o exercício das virtudes precedentes.

As éticas do período helênico são fundamentadas na noção de eudaimonía (sendo a estoica e a epicurista suas últimas grandes representantes), à qual Agostinho também aderiu, mas sem se limitar a tal noção. Ao colocar o primado do amor (caridade), “ama e faz o que quiseres”15, e este à luz do Mestre interior (da Verdade revelada ao intellectus e à fides), o Hiponense estabelecerá o fundamento que, da Patrística até a Reforma, com Lutero16 – para não mencionar tantos outros nomes – será dominante, até Kant, no século XVIII. Fundamentando a sua ética (lei moral) no dever17, conforme o imperativo categórico: “Age de tal forma”, como se, als ob, Kant será o maior representante – embora não sem problemas – de uma ética autônoma, fincada no indivíduo que se conduz por sua razão, adequadamente orientada no princípio das Luzes, e na fórmula sapere aude!
Na Igreja, porém, ainda reverbera a voz solene de um Agostinho que doutrina: “Por esse amor, portanto, como por um alvo proposto, pelo qual digas tudo o que dizes, o que quer que narres faze-o de tal forma que aquele que te ouve, ouvindo, creia e, crendo, espere e, esperando, ame”18. Para tanto amar, é preciso que sejam evitadas certas falhas morais, atiçadas pelos apetites que respondem às sugestões, internas ou externas.   
Agostinho falará de três graus que seguem a sugestão, sendo ela o primeiro: suggestusdelectatioconsensus.

Três coisas constituem o pecado: a sugestão, o deleite e o consentimento. A sugestão vem pela memória ou pelos sentidos do corpo; pelo que vemos, ouvimos, sentimos, degustamos ou tocamos. A sugestão nos traz deleite a ser experimentado. Caso esse deleite seja ilícito, deve ser reprimido. [...] a sugestão vem tal uma serpente, isso é, insinua-se lasciva e rápida, semelhante às imagens que se formam dentro de nós. Elas têm sempre como princípios, objetos exteriores.19

A suggesta, embora seja o nível mais baixo da tentação, pode ser o começo da queda.
O deleite que induz ao erro moral é verdadeiro tão somente em sua falsidade, pois a alegria só é verdadeira quando encontrada na verdade. “Com efeito”, diz o Hiponense, “pergunto a todos se preferem encontrar alegria na verdade ou na falsidade: não hesitam em dizer que preferem encontrá-la na verdade, como não hesitam em dizer que querem ser felizes. Pois a vida feliz é uma alegria que vem da verdade”20. Do mesmo modo é o amor: se é falso (ou se não vem de Deus), não é amor – pelo menos no vínculo que tem ou que deve ter com esse Amor, de onde deve vir e por onde deve ser medido. E é assim que, para ser verdadeira – ou virtuosa –, a medida de amar é o amar sem medidas.
Nesse idealismo teológico, ou por ele, todo amor contrário foi combatido como vício, inadequação do espírito, corrupção da virtude. O Eu, aí, foi o alvo principal... porque supunha o amour-propre, amour de soi, expressão máxime da decadência moral. Tal empresa, porém, se assemelha a um cão que dá voltas em torno de si, tentando apanhar a própria cauda para, então, destruí-la; por acreditar que as fontes das suas mazelas morais estão todas aí, depositadas. O homem, no lugar em que o cão tem a sua cauda, tem o coração – ao menos no sentido vulgar em que falamos da sede de nossas emoções. “Só necessitamos de moral em falta de amor”, Comte-Sponville diz, e completa, “e é por isso que temos tanta necessidade de moral.21” E fica óbvio e evidente que ele tem em mente aquele mesmo amor sublimado, ponto alto das nossas melhores afecções, em todos os seus “bons sentidos”. Ah, outro equívoco! Se os sentidos são bons, são bons para nós mesmos, segundo o nosso juízo. Ademais, necessitamos tanto de moral porque o (nosso) amour-propre nos sobra, sempre em combate com os nossos ideais, herdados da nossa cultura: os ideais fincados no ágape. Aí aparecem, no conflito que criamos, o bom e o mau amor... como se houvesse um “amor bom”, modelo para o que medimos quando falamos sobre ele mesmo; tal em uma definição escandalosamente religiosa de Kierkegaard:

A vida secreta do amor está na sua intimidade insondável e, ao mesmo tempo, na sua conexão profunda com toda a existência. Tal como um lago tranquilo que tem a sua origem profunda na fonte oculta que nenhum olhar consegue ver, assim também o amor humano tem como origem ainda mais profunda o amor de Deus. Se no fundo não houvesse nenhuma nascente, ou se Deus não fosse o amor, não haveria qualquer lago, mesmo pequeno, e nem o amor do ser humano. Como o pequeno lago tem a sua origem na nascente profunda, assim o amor do ser humano brota diretamente do amor de Deus. E como o pequeno lago tranquilo convida você a contemplá-lo, mas os reflexos escuros do fundo impedem a você de sondá-lo, assim também o amor humano originado na misteriosa natureza de Deus impede você de ver a sua profundeza.22

Na analogia de Kierkegaard, o lago é mais que ele mesmo, pois dependente; e a sua origem misteriosa (a pequenina fonte de onde nasce) é um discurso que aponta para o Grande Mistério (Deus, a fonte suprema), e a sua beleza é convite para a beleza de Deus. Do mesmo modo que é o lago, é o amor humano. É a tradição romântico-místico-teológica (Platão, Agostinho, Aquino, Lutero) quem fala aí, nos... saltos ontológicos. Kierkegaard é como o poeta místico de Caeiro: “Os poetas místicos são filósofos doentes, / E os filósofos doentes são homens doidos. / Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem / E dizem que as pedras têm alma / E que os rios têm êxtase ao luar.23” É próprio do idealismo romântico essa projeção de uma Coisa para além da coisa:

Aquela cousa que está ali estar mais ali do que ali está!
Sim, choro às vezes o corpo mais corpo que pode haver,
E o resto são os sonhos dos homens,
A miopia de quem vê pouco,
E o desejo de estar sentado de quem não sabe estar de pé.
Todo o cristianismo é um sonho de cadeiras.24

É próprio do idealismo romântico o grande equívoco: o sonho, a vontade ardente, o desejo requerente de que exista mesmo “uma árvore perfeita” para além desta árvore que, aqui a minha frente, é sujeita ao tempo e às imperfeições que ele impõe à sua matéria; como também faz a todos os homens. Aos homens, aos seus amores, à sua moral.
Para tratar sobre o tema do amor e da sua moral natural, Comte-Sponville busca orientação em Platão, Agostinho, Spinoza, Pascal, Kant, Hume, Bergson e Montaigne, dentre outros; e repete os conceitos de Eros, philia e ágape, sem tocar em stergein – como tão bem poderia fazê-lo, ele que é um mestre da palavra escrita. Uma pena! “A moral”, ele afirma, “é um simulacro do amor: agir moralmente é agir como se amassemos.25” Pelo contrário, eu digo: é por amar demais – às coisas que nos são próprias e que às vezes nos faltam, no obstáculo que o Outro é – que a moral aparece, para que não vivamos na barbárie. E isso é, por si mesmo, eco da nossa razoabilidade, e do nosso instinto mais básico de preservação. Não é à-toa que as éticas heteronômicas sejam tão “blá blá blá”, “mais do mesmo” que somente mudam conforme os tempos e as necessidades do tempo; não é à-toa que as obras que tratam sobre o tema do amor sejam muito mais “blá blá blá”, “enchimento de linguiça”, bobagem superficial e permanente nicho mercantilista do mercado editorial, para encher as prateleiras a serem esvaziadas por toda sorte de gente tola ou programada nas ideias gritadas do alto, geralmente dada mais às emoções que à razão.
Contra as dificuldades desta “ética do amor”, que supõe um Ideal superior, e uma heteronomia da vontade, parece viável uma ética da razoabilidade – e autônoma, evidentemente –, em que permaneça o horizonte do real, sem as fantasias de perfeições, mas colocando a liberdade do Outro como fronteira de sua ação, sempre mediada pelo respeito e pelo diálogo não hierarquizado. A hierarquia romântico-idealista do amor produz poemas como este de John Donne, poeta metafísico inglês:

Meu rosto no teu olho, o teu no meu aparece,
E corações bem sinceros nas faces repousam,
onde acharemos dois hemisférios melhores
Sem o norte pungente,  sem o oeste cadente?

Tudo que morre não se misturou por igual;
Se nossos dois amores forem um, ou tu e eu
amarmos tanto que nenhum esmoreça,
nenhum morrerá.26

“Ai, que lindo!”
Quantos apaixonados e apaixonadas já não disseram isso, suspirando, lendo o famoso poema de Donne ou outro semelhante? Estavam presos à fantasia da perfeição e da eternidade do... amor.
Como aquela “moral superior”, também a idealização da pessoa amada – parte essencial da natureza da paixão, do estar apaixonado (in love, como dizem os americanos) – é um delírio cotidiano, uma loucura “consentida”... e assim reconhecida por muitos, mais esclarecidos, como Freud27, Lou-Salomé, ou Elvis Gravos em sua canção sábio-delirante: “Se você está amando, você deve estar feliz. Se você está amando, você deve estar louco.28” Caberia, aí, a máxima de Wlliam Congrave, dramaturgo do século XVII, que escreveu: “Se não for amor, então é loucura, e então é perdoável.29” Mas acontece que, para uma moral do respeito dialogal e uma ética da razoabilidade, quanto menos loucura, melhor. Para o mais verdadeiro da ética, portanto, o amor não é bem-vindo. Quanto menos paixão, quanto menos amor, quanto menos loucura, melhor.






1 De Trin., VIII, 10,14. AGOSTINHO, Santo. A Trindade. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1994. (Col. Patrística, 7).
2 1 João 4, 8: “Aquele que não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor.” E em 4, 10: “Nisto se manifestou o amor de Deus para conosco: em que Deus enviou o seu Filho unigênito ao mundo, para que por meio dele vivamos.” (ECA).
3 Agostinho não nega suas influências platônico/neoplatônicas. Aliás, nas palavras de Etienne Gilson, ele chega mesmo a afirmar que, “se tivessem conhecido o cristianismo, os platônicos pouca coisa teriam precisado mudar em sua doutrina para se tornarem ‘cristãos’.” (GILSON, Etienne. A filosofia da Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 101). Mais adiante, Gilson afirma que “o platonismo foi, para o pensamento cristão, o primeiro incentivo a buscar uma interpretação filosófica da sua própria verdade” (GILSON, 1998, p. 102). Foram os livros platônicos que, antes das Escrituras, no testemunho de Agostinho, incitaram-no a buscar a verdade, a buscar a Deus: “Mas depois de ler aqueles livros dos platônicos e de ser induzido por eles a buscar a verdade incorpórea...” (Conf., VII, 20,26; ­­­­­­­­­­AGOSTINHO, Santo. Confissões. São Paulo: Nova Cultural, 1996. [Col. Os Pensadores]).
4 HUISMAN, Denis. Dicionário de obras filosóficas. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 257.
5 Transportando as formas da linguagem (representativas) às Pessoas da Trindade (não representativas), o Pai é amans (o que ama), o Filho é amatur (o que é amado) e o Espírito Santo é amor.
6 STOTT, John R. W. I, II e III João: introdução e comentário. São Paulo: Mundo Cristão / Vida Nova, 1982. p. 138.
7 1 João 4, 8.
8 TOLSTOI, Leon. Onde existe amor, Deus aí está. Campinas, SP: Verus, 2001.
9 Na Antiguidade e Idade Média, falava-se em quatro virtudes cardeais: prudência, coragem (também chamada de “potência da alma”), temperança e justiça. Em francês, por exemplo, prudência é às vezes chamada de sagesse, palavra que também pode ser traduzida como “sabedoria”, “tino”, “tento” e “ponderação”, no sentido de ter juízo, ser ajuizado, etc. A classificação das quatro virtudes parece remontar ao século VI a.C., como pode ser visto em Platão (República IV, 427 e; Leis, I, 631 c) e no pensamento estoico (cf. Diógenes Laércio, VII, 126). É Cícero quem às transmite ao pensamento cristão, pela grande influência que exerce sobre Ambrósio de Milão e Agostinho de Hipona, principalmente. Depois, pode ser encontrada em Tomás de Aquino (Suma teológica, I a II ae, quest. 61), agora pela influência que recebe de Aristóteles (cf. AUBENQUE, P. La prudence chez Aristote. Paris: PUF, 1963. p. 35-6 ss.) e, claro, do Hiponense. Sobre as quatro virtudes cardeais, ligadas à sabedoria, ver: COMTE-SPONVILLE, André. A prudência. A temperança. A coragem. A justiça. In: _____. Pequeno tratado das grandes virtudes. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 37-95.
10 Et. Nic., 1106b-1107a, 1-3; ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Nova Cultural, 1973. (Col. Os Pensadores).
11 Troque “virtude” por “amor” que a dificuldade será a mesma.
12 A anakolouthía das virtudes, em que uma supõe a outra.
13 c. 185-253.
14 Cf. Polit., 439a s.
15 In Ioan. Evang., 7, 8 (AGUSTIN, San. Tratados sobre el Evangelio de San Juan [36-124]. In: _____. Obras de san Agustín. Madrid: La Editorial Catolica / BAC, 1957. v. 14 [II]. Bilíngue). Ou ainda: “Ama, e assim não poderás fazer senão o bem” (In Ioan. Evang., 10, 7). Santiago Sierra Rubio, tratando sobre a ação moral de Cristo, enfatiza a causa precípua do advento de Cristo como sendo uma exaltação ao/do amor (Cf. RUBIO, Santiago Sierra. Patria y camino: Cristo en la vida y en la reflexión de San Agustín. Madrid: Ediciones Religión y Cultura, 1997. p. 103-5). O texto utilizado por Rubio é o que encontramos em De cat. rud., I, IV,7 (AGOSTINHO, Santo. A instrução dos catecúmenos: teoria e pratica da catequese. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2005): “Que maior causa pode haver da vinda do Senhor senão mostrar-nos Deus o seu amor? E brilhantemente o demonstrou, pois éramos ainda pecadores quando Cristo morreu por nós! ...Porque a caridade é o fim do mandamento e o pleno cumprimento da Lei: para que nós também nos amemos uns aos outros e, assim como Ele ofereceu por nós a sua vida, assim também demos a nossa vida pelos nossos irmãos. [...] O amor é efetivamente mais grato quando não é perturbado pela aridez da necessidade, mas deriva da bondade fecunda. Aquele provém da miséria, este da misericórdia.” 
16 A ética cristã, conforme Stanley Grenz, é modelar em Agostinho “como Amor a Deus”, e em Tomás de Aquino “como realização de nosso objetivo”, e em Lutero e nos demais reformadores clássicos “como obediência de quem crê”. (Cf. GRENZ, Stanley. Propostas de modelos cristãos. In: _____. A busca da moral: fundamentos da ética cristã. São Paulo: Vida, 2006. p. 149-92. [Col. Acadêmica]).
17 “Muitos filósofos viram a moralidade de uma maneira muito diferente. Alguns deles [dentre os quais, Agostinho] pensavam que havia uma lei moral objetiva, mas que esta dependia da vontade de Deus. Outros pensavam que a moralidade tinha algo a ver com a razão, mas que o exercício da razão consistia inteiramente em promover algum objetivo, como a própria felicidade ou o bem estar da sociedade [aí se incluem desde Aristóteles até os epicureus e estóicos]. Kant rejeita essas idéias, porque elas fazem a moralidade depender de algo exterior a ela mesma: a vontade de Deus, ou o desejo de promover o bem-estar. Ele rejeita igualmente a idéia de que a moralidade é apenas o desenvolvimento natural de certos sentimentos que pertencem à nossa natureza humana. Isso não seria compatível com seu caráter intrinsecamente racional” (WALKER, Ralph. Kant: Kant e a lei moral. São Paulo: Editora UNESP, 1999. p. 7. [Col. Grandes Filósofos]).
18 De cat. rud., I, IV,8 (itálicos meus). O resultado da ação moral, fundamentada no princípio do amor, portanto, deságua nas três virtudes teologais (cf. 1 Coríntios, 13, 13), que estão na fórmula agostiniana sobre o progresso (moral) do conhecimento: “[...] uti ille [...] audiendo credat, credendo speret, sperando amet”. Para a moral do dever, em Kant, ver: KANT, Immanuel. Grundlegung zur Metaphysik der Sitten. Karl Vorländer (Org.). Hamburg: Der philosophischen Bibliotek, 1965. p. 512. Bd 6 (BA 52). “Toda ação exige a antecipação de um fim, o ser humano deve agir como se (als ob) este fim fosse realizável. [...] Segundo Kant, a noção de felicidade, que fundamenta por exemplo as éticas do período helenístico, como a estóica e a epicurista, é insuficiente como fundamento da moral, porque o conceito de felicidade é variável, dependendo de fatores subjetivos, psicológicos, ao passo que a lei moral é invariante, universal; por isso seu fundamento é o dever” (MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia: dos pré-socráticos à Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. p. 213). As semelhanças, cada qual à sua proporção, como se vê, são enormes. As semelhanças e diferenças entre os “imperativos” da ética de Agostinho e de Kant foram tratadas em um artigo de Hare. Cf. HARE, John E. Augustine, Kant, and the Moral Grap. In: MATTHEWS, Gareth B. (Ed.). The augustinian tradition. Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press, 1999. p. 251-62.
19 De serm. Dom., I, 12,34 (AGOSTINHO, Santo. O sermão da montanha. São Paulo: Paulinas, 1992. [Col. Espiritualidade]).  
20 Conf., X, 23,33.
21 COMTE-SPONVILLE, André. Amor. In: _____. Pequeno tratado das grandes virtudes. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 242-3.
22 KIERKEGAARD, Sören. O amor de Deus fundamenta e edifica o amor humano. In: SCHOEPFLIN, Maurizio. (Ed.). O amor segundo os filósofos. Bauru: EDUSC, 2003. p. 45.
23 PESSOA, Fernando. O guardador de rebanhos e outros poemas: poesia completa de Alberto Caeiro. São Paulo: Landy Editora, 2006. p. 69. Os itálicos são meus.
24 PESSOA, 2006, p. 145. É uma variante do poema “Ah! Querem uma luz melhor que a do sol”, dos Poemas inconjuntos. A interpretação é óbvia: para além do físico, do real, há aqueles (os românticos, os místicos e os religiosos) que desejam o metafísico ideal, suprassensível e sublimado – basta ver o próprio poema, sem a variante referida (cf. PESSOA, 2006, p. 127).    
25 COMTE-SPONVILLE, 1997, p. 243-4.
26 Faço uma tradução livre do soneto de Donne (1572-1631); o trecho original é como segue: My face in thine eye, thine in mine appeares, / And true plaine hearts doe in the faces rest, / Where can we finde two better hamispheares / Without sharp North, without declining West? / What ever dyes, was not mixt equally; / If two loves be one, or, thou and I / Love so alike, that none doe slacken, none can die. (DONNE, Johm. The Good-Morrow. In: GOODWIN, Daisy. (Ed.). The nation’s favorite love poems. London: Penguin, 1997. p. 73). 
27 “Os indivíduos [supõe Freud] não seriam tolos a ponto de se apaixonar se tivessem os olhos bem abertos às forças e às fraquezas da pessoa amada.” (ABEL-HIRSCH, Nicola. Eros. Rio de Janeiro: Relume Dumará / Ediouro; São Paulo: Segmento-Duetto, 2005. p. 36. [Col. Conceitos da Psicanalise, 8). E: “Afora a idealização do amado, Freud achava que as pessoas viam no parceiro uma imagem idealizada de si mesmas. Quando uma pessoa conta à outra a sua ‘história’, trata-se de um relato que contém o modo como ela [mesma] deseja ser vista, além (talvez) do desejo real de que a outra a conheça. […] Quando há uma idealização, as críticas, as dúvidas e as hostilidades são deixadas de lado e em geral se acha que sejam próprias de outra pessoa.” (ABEL-HIRSCH, 2005, p. 37). Em outras palavras: é o nosso externo erótico-delirante, dada às sublimações, a nossa paixão, nossa loucura. 
28 Personagem (na HQ) de Meli-Melo, em: MELI-MELO. O Groj. In: Heavy Metal, São Paulo, ano 3, n. 17, p. 34, 1997.  
29 Em The old bachelor, peça de 1693 (ato 4, cena 7). Citado em: PARTINGTON, Angela. (Ed.). The Oxford Dictionary of Quotations: new edition. London: BCA, OUP, 1995. p. 215.


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