36.
Do amor às mulheres velhas, e da sua
utilidade
O texto pseudo-solene
de Benjamin Franklin1, Como escolher amantes2, é resposta a um “jovem” fictício,
personagem que lhe teria perguntado como lidar com as “violentas inclinações
pessoais” relativas ao sexo oposto. No referido, quase cômico, Franklin afirma
que o melhor remédio contra tais inclinações é o casamento – que faz cessar o
fogo de ambos, no sexo sempre à disposição. Evidentemente que, não por uma
força biológica, mas moral. Ou, em outras palavras: na barreira que essa mesmíssima
moral impõe àquele “saltar o cerco” (do sagrado matrimônio) em busca da grama
mais verde no cercado alheio, ou na vasta planície, quando o fogo se aceder por
outro ou outra. Se casar, porém, não é a intenção do jovem, para o “inevitável
intercâmbio com o outro sexo”, então o remédio é procurar uma amante. Mas não uma qualquer. Uma que seja mais velha que ele, que deve preferi-la às mais
jovens. E Franklin aponta as razões práticas de tal escolha:
1. Porque por
possuírem mais conhecimento do mundo e por serem suas mentes mais fornidas de
observações, sua conversação é mais edificante e mais duradouramente agradável.
2. Porque
quando as mulheres deixam de ser formosas, procuram ser boas. Para manter sua
influência sobre os homens, compensam a diminuição da beleza com o aumento da
utilidade. Aprendem a desempenhar mil tarefas, pequenas e grandes, e, caso
adoeças, são os mais gentis e solícitos de todos os amigos. Continuam então
amáveis. Portanto, difícil é existir uma mulher velha que não seja também uma
boa mulher.
3. Porque não
há o contratempo dos filhos que, irregularmente concebidos, podem acarretar
grandes inconvenientes.
4. Porque dada
a maior experiência que têm, são mais prudentes e discretas ao promover um caso
amoroso de modo a evitar suspeitas. O comércio com elas é, portanto, mais
seguro no que toca à tua reputação. E, em relação à dela, caso o affaire venha a ser conhecido, pessoas
ponderadas tendem a desculpar uma mulher velha que, com gentileza, cuida de um
homem jovem, molda suas maneiras conforme bons conselhos e evita que ele
arruíne a saúde e a fortuna com prostitutas mercenárias.
5. Porque em
todo animal que anda ereto, a deficiência dos fluídos que preenchem os músculos
aparece primeiro nas seções superiores: de início, a face torna-se encurvada e
enrugada; vem então o pescoço, chega a vez dos seios e dos braços; as seções
inferiores continuam até o fim sempre viçosas. De tal forma que, em se cobrindo
toda a parte de cima com uma cesta e considerando-se apenas aquilo que vem
abaixo da cintura, é impossível que se distinga, entre duas mulheres, a velha
da jovem. Além disso, como no escuro todos os gatos são pardos, o prazer ou
deleite corpóreo com uma mulher velha é ao menos igual, e frequentemente
superior, posto que a prática é capaz de aperfeiçoar toda destreza.
6. Porque o
pecado é mais venial. A violação de uma virgem pode significar sua ruína e
tornar-lhe a vida miserável.
7. Porque a
compunção é menor. Tornar miserável uma
jovem pode evocar-te amargas reflexões, nenhuma das quais seria associada ao
ato de tornar feliz uma mulher
madura.
8. Oitava e
última. Elas ficam tão gratas!3
São conselhos
práticos e claramente avaros. Mas não são fórmulas definitivas. Se eu às
tivesse, Franklin afirma, não vos “daria”4.
A mulher, objeto da conquista – não do amor, para o amor romântico –, é mirada
por sua utilidade, por aquilo que
pode oferecer, na cama ou fora dela5. O
utilitarismo americano, a mais conhecida filosofia estadunidense6, está aí, com toda a força. Não é ágape quem manda – embora o país, à
época, fosse predominantemente cristão protestante –, mas stergein: amour-prope, amour de soi.
A primeira
vez que a cara de Franklin apareceu na cédula de cem dólares, nos Estados
Unidos, foi em 1914. É a sua imagem mais conhecida, certamente; e é também,
muito mais certamente, a imagem máxima do “espírito do capitalismo”
estadunidense. O rosto de Franklin não mostra qualquer traço de humor. É um
rosto atento, determinado... e com uma boca bem fechada. “Tempo é dinheiro!”, ele
escreve no Poor Richard’s Almanack. Max
Weber resume a “filosofia” franklineana como uma “filosofia da avareza”, diz,
ao reproduzir – em sua A ética
protestante e o espírito do capitalismo, de 1904-5 – longos trechos de dois
folhetos de Franklin, publicados em 1736 e 1748.7
Na cédula de
cem dólares, há três legendas estampadas: “In God We Trust”, “The United States
of America”, e aquela que é a única verdade filosófico-teológica – e nada
romântica – estadunidense, e sua máxima representação
histórico-político-ideológica: “ONE HUNDRED DOLLARS”8.
O resto, de valor menor, não é dinheiro, mas o Mundo; e o mundo é objeto para o
lucro e a exploração... como as mulheres, para Franklin. O amor romântico, aí,
também é moeda e objeto, para comercio e lucro – o cinema americano tem, de
longe, doutorado em tudo isso. Quer romantismo nos EUA?, compre o livro, veja o
filme.
1 Benjamin Franklin
(1706-1790), um dos líderes da Revolução Americana (1776), é mais conhecido por
suas citações e experiências com a eletricidade. Mas foi, também, jornalista,
autor e editor do famoso Poor Richard’s
Almanack, e de vários ensaios. Filantropo, também foi abolicionista,
cientista, diplomata e funcionário público, dentre outras funções – como a de
enxadrista, etc. Calvinista, foi objeto de várias referências de Max Weber, no
que diz respeito à austeridade moral calvinista e o acúmulo de capital.
2
Ou: Conselho a um jovem sobre como
escolher amantes. No Poor Richard’s
Almanack (edição de 1739), o Conselho
está impresso em uma única página, a 13. O “Almanaque do pobre Ricardo” começou
a ser publicado em 1732; sendo, depois, constantemente ampliado e revisado pelo
seu autor, que também era o editor.
3
FRANKLIN, Benjamin. Como escolher amantes
(e outros textos). São Paulo: Editora da UNESP, 2006. p. 34-6. (Col. Pequenos
Frascos).
4
FRANKLIN, 2006, p. 34. Dado o valor
de tal fórmula, caso existisse, ela seria vendida a peso de ouro.
5 Escrito em 1745, o texto foi
considerado obsceno pelo neto de Franklin, que se tornou responsável pelos textos
do avô, morto aos 84 anos. O referido ficou “perdido” por quase um século,
mantido na obscuridade por todos os seus editores.
6
Em prática histórica e política, é bom que se diga. O utilitarismo mesmo,
enquanto filosofia, no nível da abstração, surgiu com o britânico Jeremy Bentham (1738-1832), sendo amplamente difundido
por John Stuart Mill (1806-1873) – com a publicação do seu Utilitarianism, em 1863 – e o escocês James Mill (1773-1836), que esteve à frente do
ambicioso e influente Literary Journal.
7 Neste sentido, ver a apresentação
de R. Jackson Wilson para os excertos do Poor
Richard’s Almanack, que é de onde é feita a nossa tradução: WILSON, R.
Jackson. Apresentação biográfica. In: FRANKLIN, Benjamin. Como escolher amantes
(e outros textos). São Paulo: Editora da UNESP, 2006. p. 7-29. (Col. Pequenos
Frascos). Quanto à obra de Weber, ver – em especial os capítulos 4 e 5: WEBER,
Max. A ética protestante e o espírito do
capitalismo. 4 ed. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1985.