domingo, 12 de maio de 2013


36.






Do amor às mulheres velhas, e da sua utilidade




O texto pseudo-solene de Benjamin Franklin1, Como escolher amantes2, é resposta a um “jovem” fictício, personagem que lhe teria perguntado como lidar com as “violentas inclinações pessoais” relativas ao sexo oposto. No referido, quase cômico, Franklin afirma que o melhor remédio contra tais inclinações é o casamento – que faz cessar o fogo de ambos, no sexo sempre à disposição. Evidentemente que, não por uma força biológica, mas moral. Ou, em outras palavras: na barreira que essa mesmíssima moral impõe àquele “saltar o cerco” (do sagrado matrimônio) em busca da grama mais verde no cercado alheio, ou na vasta planície, quando o fogo se aceder por outro ou outra. Se casar, porém, não é a intenção do jovem, para o “inevitável intercâmbio com o outro sexo”, então o remédio é procurar uma amante. Mas não uma qualquer. Uma que seja mais velha que ele, que deve preferi-la às mais jovens. E Franklin aponta as razões práticas de tal escolha:

1. Porque por possuírem mais conhecimento do mundo e por serem suas mentes mais fornidas de observações, sua conversação é mais edificante e mais duradouramente agradável.
2. Porque quando as mulheres deixam de ser formosas, procuram ser boas. Para manter sua influência sobre os homens, compensam a diminuição da beleza com o aumento da utilidade. Aprendem a desempenhar mil tarefas, pequenas e grandes, e, caso adoeças, são os mais gentis e solícitos de todos os amigos. Continuam então amáveis. Portanto, difícil é existir uma mulher velha que não seja também uma boa mulher.
3. Porque não há o contratempo dos filhos que, irregularmente concebidos, podem acarretar grandes inconvenientes.
4. Porque dada a maior experiência que têm, são mais prudentes e discretas ao promover um caso amoroso de modo a evitar suspeitas. O comércio com elas é, portanto, mais seguro no que toca à tua reputação. E, em relação à dela, caso o affaire venha a ser conhecido, pessoas ponderadas tendem a desculpar uma mulher velha que, com gentileza, cuida de um homem jovem, molda suas maneiras conforme bons conselhos e evita que ele arruíne a saúde e a fortuna com prostitutas mercenárias.
5. Porque em todo animal que anda ereto, a deficiência dos fluídos que preenchem os músculos aparece primeiro nas seções superiores: de início, a face torna-se encurvada e enrugada; vem então o pescoço, chega a vez dos seios e dos braços; as seções inferiores continuam até o fim sempre viçosas. De tal forma que, em se cobrindo toda a parte de cima com uma cesta e considerando-se apenas aquilo que vem abaixo da cintura, é impossível que se distinga, entre duas mulheres, a velha da jovem. Além disso, como no escuro todos os gatos são pardos, o prazer ou deleite corpóreo com uma mulher velha é ao menos igual, e frequentemente superior, posto que a prática é capaz de aperfeiçoar toda destreza.
6. Porque o pecado é mais venial. A violação de uma virgem pode significar sua ruína e tornar-lhe a vida miserável.
7. Porque a compunção é menor. Tornar miserável uma jovem pode evocar-te amargas reflexões, nenhuma das quais seria associada ao ato de tornar feliz uma mulher madura.
8. Oitava e última. Elas ficam tão gratas!3

São conselhos práticos e claramente avaros. Mas não são fórmulas definitivas. Se eu às tivesse, Franklin afirma, não vos “daria”4. A mulher, objeto da conquista – não do amor, para o amor romântico –, é mirada por sua utilidade, por aquilo que pode oferecer, na cama ou fora dela5. O utilitarismo americano, a mais conhecida filosofia estadunidense6, está aí, com toda a força. Não é ágape quem manda – embora o país, à época, fosse predominantemente cristão protestante –, mas stergein: amour-prope, amour de soi.
A primeira vez que a cara de Franklin apareceu na cédula de cem dólares, nos Estados Unidos, foi em 1914. É a sua imagem mais conhecida, certamente; e é também, muito mais certamente, a imagem máxima do “espírito do capitalismo” estadunidense. O rosto de Franklin não mostra qualquer traço de humor. É um rosto atento, determinado... e com uma boca bem fechada. “Tempo é dinheiro!”, ele escreve no Poor Richard’s Almanack. Max Weber resume a “filosofia” franklineana como uma “filosofia da avareza”, diz, ao reproduzir – em sua A ética protestante e o espírito do capitalismo, de 1904-5 – longos trechos de dois folhetos de Franklin, publicados em 1736 e 1748.7
Na cédula de cem dólares, há três legendas estampadas: “In God We Trust”, “The United States of America”, e aquela que é a única verdade filosófico-teológica – e nada romântica – estadunidense, e sua máxima representação histórico-político-ideológica: “ONE HUNDRED DOLLARS”8. O resto, de valor menor, não é dinheiro, mas o Mundo; e o mundo é objeto para o lucro e a exploração... como as mulheres, para Franklin. O amor romântico, aí, também é moeda e objeto, para comercio e lucro – o cinema americano tem, de longe, doutorado em tudo isso. Quer romantismo nos EUA?, compre o livro, veja o filme.




1 Benjamin Franklin (1706-1790), um dos líderes da Revolução Americana (1776), é mais conhecido por suas citações e experiências com a eletricidade. Mas foi, também, jornalista, autor e editor do famoso Poor Richard’s Almanack, e de vários ensaios. Filantropo, também foi abolicionista, cientista, diplomata e funcionário público, dentre outras funções – como a de enxadrista, etc. Calvinista, foi objeto de várias referências de Max Weber, no que diz respeito à austeridade moral calvinista e o acúmulo de capital.
2 Ou: Conselho a um jovem sobre como escolher amantes. No Poor Richard’s Almanack (edição de 1739), o Conselho está impresso em uma única página, a 13. O “Almanaque do pobre Ricardo” começou a ser publicado em 1732; sendo, depois, constantemente ampliado e revisado pelo seu autor, que também era o editor. 
3 FRANKLIN, Benjamin. Como escolher amantes (e outros textos). São Paulo: Editora da UNESP, 2006. p. 34-6. (Col. Pequenos Frascos).
4 FRANKLIN, 2006, p. 34. Dado o valor de tal fórmula, caso existisse, ela seria vendida a peso de ouro.
5 Escrito em 1745, o texto foi considerado obsceno pelo neto de Franklin, que se tornou responsável pelos textos do avô, morto aos 84 anos. O referido ficou “perdido” por quase um século, mantido na obscuridade por todos os seus editores.
6 Em prática histórica e política, é bom que se diga. O utilitarismo mesmo, enquanto filosofia, no nível da abstração, surgiu com o britânico Jeremy Bentham (1738-1832), sendo amplamente difundido por John Stuart Mill (1806-1873) – com a publicação do seu Utilitarianism, em 1863 – e o escocês James Mill (1773-1836), que esteve à frente do ambicioso e influente Literary Journal.
7 Neste sentido, ver a apresentação de R. Jackson Wilson para os excertos do Poor Richard’s Almanack, que é de onde é feita a nossa tradução: WILSON, R. Jackson. Apresentação biográfica. In: FRANKLIN, Benjamin. Como escolher amantes (e outros textos). São Paulo: Editora da UNESP, 2006. p. 7-29. (Col. Pequenos Frascos). Quanto à obra de Weber, ver – em especial os capítulos 4 e 5: WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 4 ed. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1985.
8 Respectivamente: “Nós confiamos em Deus”; “Estados Unidos da América” e “CEM DÓLARES”.


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